Opinião
A aceitação dos ciclos e a maturidade democrática
O governo de Durão Barroso ao não concluir a legislatura interrompeu o ciclo organizacional da mudança. Santana Lopes iniciou o ciclo na pior fase.
Ao contrário da grande maioria dos nossos parceiros europeus, Portugal vive desde o início do milénio, a última maioria relativa de António Guterres em ciclos políticos de dois anos – o XIV, XV e agora o XVI governo constitucional. Dito de uma outra forma: estivemos os últimos quatros anos e os próximos dois em ciclos de governação de apenas dois anos, o que afecta de uma forma duradoura e profunda as nossas estruturas económicas e sociais.
A consagração futura destes novos ciclos não permitirá a qualquer governo seja da esquerda ou de direita realizar as reformas ou inovar. Não é de estranhar por isso, que se criem movimentos como o «Portugal Positivo», a «Economia em Movimento» ou o «Compromisso Portugal», que procuram dar resposta à quebra dos ciclos político-económicos e não como parece à primeira vista encontrar conteúdo para os modelos.
No passado recente – 1975 a 1985 – tivemos consciência que a instabilidade política gera grandes e graves problemas económicos e sociais. Nos últimos anos, uma inacreditável falta de memória colectiva arrastou-nos de novo para uma imaturidade política desconcertante e pantanosa. Na verdade, Portugal ainda não tem os pilares democráticos bem assentes na terra. Nem, até hoje, percebeu o que está em causa. A estabilidade financeira dos políticos profissionais – assentes nos partidos e nos órgãos de poder – não os permite reflectir em profundidade sobre este paradigma, que estão a criar através da derrube sistemático dos ciclos políticos, afectando o bom funcionamento da economia portuguesa. O encurtamento dos ciclos políticos está a levar o país ao marasmo económico e social. O modelo de gestão da mudança prova, pois, que o problema está identificado e reside na falta de compreensão da nossa macroestrutura política.
A solução não está como dizem muitos, num novo modelo de desenvolvimento económico e social para Portugal. Mas sim no Tempo necessário que a conjuntura política oferece para implementar qualquer modelo. É necessário por isso estabilidade. Estabilidade e mais estabilidade.
Só para dar um exemplo, os ciclos políticos em Espanha nas últimas duas décadas, variariam entre 12 anos (governos de González) e 8 anos (governos de Aznar).
Quando tomou posse em Abril de 2002, o governo de Durão Barroso confrontou-se com dois factores bastante adversos: défice público descontrolado e o sentimento presente da recessão económica nas pessoas, (onde se associa o desemprego, atraso de pagamentos do Estado e evasão fiscal).
António Guterres tinha abandonado o governo a meio da legislatura confrontado com uma grande quebra da popularidade, com uma derrota nas eleições autárquicas e uma incapacidade para acreditar que seria capaz de iniciar o processo das reformas. Estancar do défice, reduzir a administração pública e preparar o país para a recessão. Faltou a António Guterres compreender os factores negativos que nascem com o modelo da mudança.
Estas situações quando ocorrem em cenário recessivo leva a uma descrença global, já que é sempre introduzida a questão – valerá a pena?
Alan Hooper e John Potter, dos vários estudos estatísticos que realizaram e, que publicaram no seu livro «Liderança Inteligente; criar a paixão pela mudança» chegaram à conclusão, que à inserção de um modelo reformista pleno, provoca determinantes alterações no comportamento das pessoas e que em qualquer programa de transição, a resposta é negativa antes de ser positiva. O ponto crítico é atingido dois anos depois de se iniciar o ciclo de mudança, que definem como a «noite negra do reformista». Com Guterres coincidiu a meio da sua segunda legislatura, e gerou no seu governo a incapacidade de promover e levar as pessoas a acreditar na eficácia da mudança.
Ao incorporar o modelo destes autores, ao ciclo político do centro-direita em Portugal – verificou-se como representa o quadro – que o governo de Durão Barroso atingiu o ponto crítico entre Abril e Maio de 2004. As sondagens e inquéritos nesse período, dão ao governo de Durão Barroso o seu mais baixo valor de sempre, inclusive dentro do PSD e PP, partidos que fazem parte do Governo, o que dá credibilidade ao modelo de Hooper e Potter e consagra a sua validação ao ciclo político.
A gestão das expectativas e das percepções revela hoje um papel determinante no cenário macroeconómico com que se deve trabalhar. Neste momento e pelos indicadores presentes, estamos em plena retoma económica, e por isso não podemos desperdiçar mais tempo.
Verificou-se que a tónica do Governo centrada nas Finanças contribuiu significativamente para consolidar a chamada «noite negra do reformista». Sucede porém se se deslocar das Finanças para a mobilidade da Economia de um problema do país (as contas públicas) para um problema das pessoas, o registo reformista torna-se mais aparente e inicia-se o processo de «começar a ver as compensações». Durão Barroso tinha dado o primeiro passo para esse ciclo ascendente.
É bom lembrar que os agentes absorvem como ninguém as indicações do governo. Dependem deles para realizarem investimentos e gerarem confiança.
Em Junho de 2004, o executivo de Durão Barroso estava já a promover os indicadores pela «positiva» descartando-se de aqueles que têm uma génese negativa: défice público, inflação, desemprego. Por isso não seria difícil chegar a 2006 com uma resposta positiva ao seu modelo (programa de Governo) aceite como válido por bons economistas portugueses.
No entanto, este ciclo foi interrompido com a substituição de Durão Barroso e a formação do XVI Governo Constitucional. Ao ser elaborado um novo programa e ao comunicar-se um novo modelo, deu lugar ao aparecimento de uma nova onda de cepticismo e pessimismo na sociedade portuguesa, – que temporalmente quase coincidiu com o período mais negativo de Durão Barroso – e por isso não é de estranhar o barómetro «Semanário Económico» / Marketest, publicado no dia 8 de Outubro que revela uma grande desconfiança em relação a política económica do governo de Santana Lopes – maior ainda do que existe em relação ao governo de Durão Barroso. Facto que deve ser compreendido estritamente à luz das gestão das expectativas e – não como se tem dito – pela incapacidade reformista do governo de Santana Lopes. O que é injusto para quem está a dar os primeiros passos.
Mas o dilema reside no tempo útil para a compreensão do modelo de mudança promovido pelo governo de Santana Lopes. Dito de outra forma: como poderá em dois anos, Santana Lopes levar os portugueses a entusiasmarem-se com o seu projecto*?
(*a publicar na próxima semana) (O quadro adjacente a esta opinião está na versão de papel do Jornal de Negócios de Quinta dia 14, dada a impossibilidade de se perceber em versão electrónica).