Opinião
Jogar para o empate
É público e notório que o processo legislativo na Assembleia da República na actual legislatura reflecte o novo paradigma de governação assente na produção legislativa do Parlamento em detrimento da iniciativa do Governo.
Fruto das circunstâncias políticas, conveniências de cada momento e da natureza das matérias mais ou menos "fracturantes", a actividade parlamentar vai oscilando entre projectos de lei de iniciativa dos grupos parlamentares e resoluções com recomendações ao Governo.
Não deixa de ser surpreendente que tenha sido aprovada no passado dia 21 de Dezembro, com os votos do PSD, BE, CDS, PCP, PEV e PAN, uma recomendação ao Governo para a realização "urgente" de um estudo sobre as implicações para a economia portuguesa da saída do Reino Unido da UE. Quererá isto dizer que o Governo ainda não fez este estudo? A abstenção do PS na votação não ajuda a responder a esta questão, pois poderá também querer dizer que ainda acredita que o Brexit não se concretizará, que o estudo nem sequer é necessário ou que são negligenciáveis quaisquer impactos positivos ou negativos na economia nacional e nos emigrantes portugueses.
No passado, as resoluções da AR eram usadas fundamentalmente pela oposição para chamar a atenção para casos específicos ou locais. Agora, têm aumentado de forma expressiva nesta XIII Legislatura, e são usadas muitas vezes pelos partidos que suportam o actual Governo para sinalizar, embora sem efeitos práticos uma vez que não passam de meros "recados" ao Governo, as suas posições, demonstrando que a "articulação" entre o Governo e o seu apoio parlamentar se faz com base numa "táctica" de "ocupação de espaços", num jogo de sombras com as "equipas" a jogar para o "empate".
Uma análise não exaustiva das resoluções da AR permite-nos decifrar a "body language" parlamentar, percebendo até que ponto o Governo padece de iniciativa e ímpeto reformista. Percorrendo as resoluções da AR publicadas, apenas e tão-só, desde o início do presente ano, ficamos com uma ideia clara e ilustrativa do "estado da nação":
Na área do investimento público e privado, por exemplo, é recomendado ao Governo que "concretize um programa de desburocratização e apoio às micro, pequenas e médias empresas" (não deveria ter sido uma prioridade?), que "adapte a Base Aérea de Monte Real a aeroporto para voos civis" (não está por demais evidente a ruptura da capacidade de tráfego aéreo no país?), que "confira prioridade absoluta à conclusão do IC6 e à construção do IC7, do IC37 e do IC35 entre Penafiel e Entre-os-Rios" (para quando a retoma do investimento público, actualmente a níveis abaixo do período da troika?).
Na área da educação, é recomendado ao Governo, por exemplo, "a actualização anual do valor das bolsas de investigação" (não deverá ser a investigação uma prioridade na fase de disrupção tecnológica que atravessamos?), "o alargamento da rede das creches e dos equipamentos de apoio à infância" (não são estes equipamentos um dos principais promotores de coesão territorial e social?) e "o bom funcionamento das cantinas e dos bufetes escolares" (seria necessária uma recomendação parlamentar para assegurar uma alimentação em condições mínimas às crianças?).
Na área da saúde, é recomendado ao Governo, por exemplo, "a adopção de medidas para apoio às crianças e jovens com cancro e seus cuidadores" e "a prevenção da legionela, da qualidade do ar de edifícios climatizados e a isenção do pagamento de taxas moderadoras em casos de surtos de infecção" (as cativações estão a ter um efeito devastador neste sector).
Na área da segurança é recomendado ao Governo, por exemplo, a "atribuição do subsídio de risco aos profissionais da PSP" (é notória uma degradação do clima de segurança no país), que "redefina as formas de participação das Forças Armadas nas missões de protecção civil e o reforço dos meios aéreos de combate aos incêndios" e "o pagamento do tempo de serviço extra às equipas de sapadores florestais" (estamos preparados para a próxima época de incêndios?).
Como se costuma dizer no futebol, "quem joga para o empate, arrisca-se a perder".
Neste caso quem fica a perder é o país.
Advogado