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10 de Fevereiro de 2016 às 00:01

IRC: Orçamento coloca a receita em risco

No que respeita ao IRC, o Orçamento é algo dececionante, pondo mesmo em risco a arrecadação da receita fiscal esperada, pelo facto de anular medidas emblemáticas da reforma do IRC de 2014, criando algum sentimento de desconfiança sobre a estabilidade do sistema, um dos vetores essenciais na análise da competitividade fiscal internacional, fator tido em conta aquando da materialização ou não de um investimento.

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Desde logo, é de estranhar, sem se perceber a razão subjacente, a alteração ao regime do "participation exemption": passa a ser necessária a detenção de uma participação mínima de 10% por um período superior ou igual a um ano, para a exclusão de tributação dos dividendos e mais-valias. Em linha, foram também alteradas as regras de retenção na fonte sobre lucros e as regras de aplicação do crédito por dupla tributação económica internacional, as quais passaram a prever os mesmos requisitos para a sua aplicação.

Por sua vez, os prejuízos fiscais apurados a partir de 2017 apenas serão reportáveis por cinco anos, consistindo esta alteração numa diminuição substancial do prazo de reporte, que, entre 2014 e 2015, foi de 12 anos. Voltamos ao prazo existente à data da reforma, sem, no entanto, ter sido aumentado o limite de dedução de prejuízos fiscais para um valor acima dos 70% do lucro tributável (antes da reforma o limite era de 75%, tendo sido reduzido para 70% com o alargamento do período de reporte).

Outra das bandeiras da reforma foi a criação de um regime especial para os rendimentos de patentes e outros direitos de propriedade industrial. Estranhamente, prevê-se uma autorização legislativa no sentido da abolição do atual regime e da criação de um novo regime de isenção parcial dos rendimentos de patentes e outros direitos de propriedade intelectual que resultem de atividades e desenvolvimento do próprio sujeito passivo. Não se percebe a intenção da revogação, nem a extensão do novo regime, nomeadamente quanto à abrangência a outros direitos de propriedade intelectual além das patentes e desenhos ou modelos industriais. Relembre-se que o objetivo da criação deste regime era a fixação em Portugal de atividades de elevado valor acrescentado, sendo que tal pretensão só poderá ser conseguida se o regime for alargado.

Visando a obtenção de receita, prevê-se a eliminação do regime transitório aplicável aos grupos tributados pelo regime do lucro consolidado, significando que os resultados internos suspensos a 31 de dezembro de 2015 serão tributados, em partes iguais, em 2016, 2017 e 2018. Visando a antecipação financeira do imposto, prevê-se um pagamento por conta correspondente a um terço do montante dos resultados a tributar, o que corresponderá necessariamente (não sendo um lapso de redação) a um valor superior ao imposto devido a final, uma vez que se considera como base do pagamento por conta o ajustamento, e não o valor do imposto que dele deveria resultar.

Concede-se uma autorização legislativa, no sentido de introduzir um regime facultativo de reavaliação dos ativos fixos tangíveis e propriedades de investimento. Tal regime passa por tributar à cabeça (em três anos), à taxa de 14%, o montante de reavaliação, permitindo, no futuro, o reconhecimento fiscal das amortizações resultantes desta reavaliação. Em resumo: (i) quanto maior for o período de vida útil do ativo reavaliado, menor será o benefício atualizado líquido, pois maior é o horizonte temporal implícito à recuperação do imposto antecipado; (ii) o incremento na taxa de tributação efetiva ao longo da vida útil remanescente do bem reavaliado irá proporcionar um maior benefício atualizado líquido; (iii) o custo médio ponderado do capital afeta negativamente o benefício atualizado líquido, pois maior é o custo de oportunidade associado ao pagamento do imposto. Adicionalmente, o impacto imediato do regime poderá implicar um "cash out" considerável, em virtude da elevada taxa de tributação imposta (14%). Refira-se que Espanha, que introduziu em 2013 um regime equivalente, impôs uma tributação autónoma da reserva de reavaliação à taxa de, apenas, 5%.

Em matéria de justiça tributária merece destaque a limitação da possibilidade de recurso à revisão oficiosa por parte dos contribuintes aos casos em que se verifique erro imputável aos serviços, deixando de ser considerado como tal o erro na autoliquidação, o que significa que, regra geral, os sujeitos passivos de IRC terão, com esta medida, perdido a possibilidade de ver corrigidas a seu favor as declarações de dois exercícios. 

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