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12 de Outubro de 2022 às 10:20

Os eternos insatisfeitos

Não há favorecimentos neste orçamento! Mas os eternos insatisfeitos irão continuar insatisfeitos. Aos demais, espero que embarquem numa discussão pública construtiva das medidas.

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Depois de tudo o que já foi dito e escrito, sinto que há um sentimento de insatisfação generalizado relativamente ao Orçamento do Estado (OE) para 2023. Estão insatisfeitos os parceiros sociais que participaram na negociação do Acordo de Rendimentos, porque não viram todas as suas revindicações acolhidas; estão insatisfeitos os pensionistas, pois as taxas de crescimento das pensões podem, em alguns casos, não compensar o aumento da inflação; estão insatisfeitos os funcionários públicos, as pessoas em geral e as empresas.

Mas seria esse sentimento evitável? Não. Vivemos tempos peculiares cujas externalidades não poderiam, na minha opinião, ser totalmente colmatadas com medidas orçamentais. Desde logo, e no que diz respeito à taxa de inflação, há ajustamentos que terão de ser corrigidos por via da política monetária, via aumento das taxas de juro, e que irão necessariamente impactar o custo de endividamento das famílias e das empresas. Ou seja, é inevitável que a insatisfação exista, porque a política orçamental não pode colmatar todos os desequilíbrios.

Mas há insatisfações que me causam alguma indignação. Ouvi frequentemente nos últimos dias dizer-se que as empresas são largamente favorecidas neste OE e que tal é incompreensível. Ora, assumindo que assim é, para princípio de raciocínio, vê-lo-ia com muito bons olhos, pois as empresas privadas são o motor da economia (sem elas o país não cresce). E, se tal motor começa a falhar, o país perde em várias frentes. Desde logo, haveria certamente um reforço do Estado social que todos teríamos que suportar em última instância. Olhar para as empresas como se elas fossem a raiz do mal é totalmente ilógico e desincentivador para quem ainda investe em Portugal. Reforço: não existindo empresas, não existe riqueza; não existindo riqueza, não existe emprego, nem capacidade para o Estado exercer, ainda que residualmente, o seu papel social. O país morre!

Mas, vamos analisar se a afirmação é verdadeira: se as empresas são, efetivamente, largamente favorecidas neste OE. Iremos concluir que não, pois, na verdade, este OE não favorece ninguém, mas apenas tenta suprir uma ou outra questão mais associada ao atual contexto.

Olhemos para as medidas.

As PME irão ter uma poupança anual de apenas € 1.000, com o aumento do intervalo ao qual se aplica a taxa reduzida de IRC de € 25.000 para € 50.000. No que respeita aos prejuízos fiscais (que decorrem normalmente de resultados operacionais negativos nas empresas), é finalmente assegurada a sua dedução sem limitações temporais, como acontece por toda a Europa, mas a limitação da utilização anual aumenta de 65% para 70%. Ou seja, há mais 5 p.p. do lucro tributável que passarão a ser sujeitos a tributação.

Acresce que se revogam dois benefícios fiscais: a Remuneração Convencional do Capital Social e a Dedução por Lucros Retidos e Reinvestidos. E, ao contrário do que aconteceu nos últimos dois anos, não há a criação de um incentivo ao investimento semelhante ao CFEI e ao IFR.

É verdade que dois novos benefícios são criados, mas com um custo orçamental estimado muito inferior aos anteriores. Um incentivo à capitalização que preconiza uma dedução ao lucro tributável de 4,5% do aumento líquido dos capitais próprios, mas que apenas concebe que existe tal reforço quando a distribuição de rendimentos aos sócios em valor absoluto não excedeu, nos últimos novos anos, o valor do aumento. E outro incentivo à valorização salarial (majoração em 50%), que também se antevê de aplicação diminuta, desde logo porque se exige que não haja variação do leque salarial. São exigências não compatíveis com um estado democrático em que as empresas, e por consequência o país, serão tão mais bem sucedidas quanto melhor essas empresas remunerarem os seus acionistas e os seus colaboradores, neste caso, com base no mérito e não por portaria, condição essencial para a retenção de talento.

Concluindo, não há favorecimentos neste orçamento! Mas os eternos insatisfeitos irão continuar insatisfeitos. Aos demais, espero que embarquem numa discussão pública construtiva das medidas.

 

É inevitável que a insatisfação exista, porque a política orçamental não pode colmatar todos os desequilíbrios.

 

Na verdade, este OE não favorece ninguém, mas apenas tenta suprir uma ou outra questão mais associada ao atual contexto.
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