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02 de Julho de 2018 às 20:25

ERS, essa cativa que nos traz cativos

O número de colaboradores da ERS é manifestamente insuficiente dado que há mais de 25 mil estabelecimentos de saúde registados e só em 2017 foram recebidos mais de 80.000 casos de reclamações, elogios ou sugestões.

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A preocupação com o tema das cativações das entidades reguladoras e, em especial da Entidade Reguladora da Saúde (ERS), tem vindo a ganhar peso e ainda bem. A questão é séria e exige uma solução célere. Por questões de legalidade, de segurança e de justiça.

 

Façamos um rápido enquadramento. A ERS, como o próprio nome indica, é a autoridade de supervisão, fiscalização e regulação do setor da saúde, entidade independente com funções de regulação da atividade de saúde dos operadores dos setores privado, público e social. Para prosseguir estes objetivos tem para este ano um orçamento próximo dos 8,5 milhões de euros e um quadro de pessoal de cerca de 60 profissionais. Em 2017, teve uma cativação de 23% do seu orçamento, o que impediu, nomeadamente, o reforço previsto do quadro de pessoal. Transitou para o corrente ano a contratação de 30 novos colaboradores, mas registou-se nova cativação, agora de 9% no OE 2018, e uma redução administrativa de 1,5 milhões de euros na rubrica de despesas com pessoal.

 

Este contexto de cativações da ERS deve cessar, como referi, por questões de legalidade, de segurança e de justiça.

 

Por questões de legalidade. Ainda que se admita a aplicação de cativações como instrumento de política orçamental, o que, aliás, é recorrente há muitos anos, tal deve ter exclusões, tal como consta das próprias leis do orçamento, e não pode sobrepor-se às restantes obrigações legais. O artigo 54.º dos Estatutos da ERS - aprovados pelo Decreto-Lei 126/14, de 22 de agosto - não deixa qualquer dúvida de interpretação: "Não são aplicáveis à ERS as regras da contabilidade pública, o regime dos fundos e serviços autónomos, nomeadamente, as normas relativas à autorização de despesas, à transição e utilização dos saldos de gerência e às cativações de verbas na parte que não dependam de dotações do Orçamento do Estado ou sejam provenientes da utilização de bens do domínio público".

 

Por questões de segurança. A ERS tem um leque de atribuições amplo e de grande importância já que supervisiona os estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde, nomeadamente, em termos de requisitos para o exercício da atividade, direitos de acesso aos cuidados de saúde dos utentes, e legalidade e transparência das relações económicas entre os diversos operadores. A ERS é, porventura, mais conhecida pelo tratamento de reclamações dos utentes e pelos estudos sobre a organização do sistema de saúde, mas é também absolutamente essencial na investigação das situações que possam pôr em causa os direitos dos utentes, bem como na garantia de que a prestação de cuidados de saúde é realizada com qualidade e segurança para os cidadãos. O número de colaboradores da ERS é manifestamente insuficiente dado que há mais de 25 mil estabelecimentos de saúde registados e só em 2017 foram recebidos mais de 80.000 casos de reclamações, elogios ou sugestões. Face a outras entidades reguladoras nacionais ou a congéneres internacionais, é unânime que a ERS precisa de reforçar os seus recursos humanos. A ERS já tornou claro que os continuados constrangimentos orçamentais têm "consequências graves para o desempenho das atividades" e "comprometem a sua independência".

 

Por questões de justiça. As receitas da ERS são basicamente pagamentos de hospitais, clínicas, médicos, enfermeiros e outros profissionais de saúde, a título de taxas. A ERS não recebe um cêntimo do Orçamento do Estado. Acontece neste caso que não só as taxas pagas (8,8 milhões de euros em 2018) são superiores à despesa prevista como nem sequer são utilizadas. Ou seja, os operadores pagam uma taxa para supostamente se garantir um funcionamento adequado do setor, mas depois a ERS é impedida de realizar as necessárias atividades. Nas contas fechadas da ERS relativas a 2017, as taxas pagas pelos operadores ascenderam a 7,9 M€ e a atividade não ultrapassou os 3,9 M€. Ou seja, menos de 50% foi devidamente utilizado. Ou, dizendo de outra maneira, por uma questão de justiça, as taxas deveriam ter sido de metade do valor. Não é suposto as taxas pagas pelos operadores constituírem uma fonte direta de redução do défice do Estado: se não têm aplicação nos termos legais não devem ser pagas.

 

Em conclusão, das duas uma: ou o Orçamento é o adequado para as funções da ERS ou então deve ser reduzido ajustando as taxas em conformidade. Em qualquer caso, seja pela lei, pela justiça ou pelo correto funcionamento do setor, as receitas pagas pelos operadores não podem publica e simplesmente ser cativadas.

 

A estruturante missão da ERS não pode ficar cativa do juízo de quem a considera pouco cativante.

 

Presidente da APHP. Membro do Conselho Consultivo da ERS

 

Artigo em conformidade com o novo Acordo Ortográfico

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