Opinião
E tudo Chipre levou
Pela calada da noite, ficámos a saber o que se segue. Como não somos capazes de partilhar o problema das dívidas soberanas, como ninguém quer assumir, colectivamente, um plano de fomento e o pagamento faseado das obrigações para aliviar meia Europa do desvario dos seus chefes, a opção foi misturar crueldade e estupidez.
Bulas mais simples de oferecer aos fracos, como a História tão bem demonstra. Os Cipriotas, homens e mulheres da união como nós, membros do Euro como nós, ficaram do dia para a noite, feudalmente, sem um dízimo do que tinham juntado. Sem aviso, nem defesa, nem opinião. Porque sim. Porque vale tudo. O resultado da decisão brilhante que os vitimou foi o justificado pânico de quem se ia acalmar e o pior momento da crise europeia.
A semana passada, no fim da sétima avaliação, ficámos todos a perguntar que diabo se seguiria... No sábado à noite, a Europa respondeu. Deu o passo que faltava na quebra definitiva de confiança entre governantes e povo. Ao fim-de-semana, a desoras, ficámos a saber que a democracia liberal não respeita a propriedade.
Este programa, que nos retirou capacidade de decidir como fazer, tinha por base a ideia que o cumprimento dos critérios de Maastricht – a estabilização do défice e da dívida pública – eram, agora, cruciais para suscitar nova confiança dos credores, o retorno da soberania e a manutenção de um relativo bem-estar.
Quase dois anos depois, já não é preciso prever ou especular. Os factos, os números, enfim, a realidade chocou de frente connosco. A dívida pública está pior do que no início do programa. Para o défice, a "vitória" desta sétima avaliação foi... confessar que não conseguimos... Pelo caminho, em dois meses, as previsões do ministro passaram de muito negras a muito piores. O PIB vai recuar mais que o dobro do que Gaspar se tinha convencido há dois meses. O desemprego vai atingir níveis dantescos, muito além do purgatório que se antecipava. O ajustamento, diz o ministro das Finanças, é para décadas…
Enquanto, nas entrevistas, a Sra. Lagarde e o presidente do Eurogrupo tecem loas ao crescimento e prometem dar folga à austeridade, em Lisboa os seus representantes apertam-nos o cilício e seguem pela cartilha de sempre: espremer os "pecadores" que se deixam apanhar.
Os crentes em causa assistem, pasmados, ao esbracejar de um governo de três forças, o par do leme, o partido do contra e os ministros órfãos que se juntam ao partido do contra na confissão de que a solução corte na despesa – que nos ia aliviar a carga fiscal - nos tempos e montantes anunciados é… impossível.
No fundo, decidiram concordar, à socapa, com o aviso de muitos, como a anterior líder do PSD: em recessão o ajustamento à bruta é uma máquina de empobrecimento sem travões.
Os partidos do governo e os funcionários dos credores, como sempre acontece no fim das grandes paixões, trocam acusações em público e de positivo sobra, apenas, a atitude da oposição. Face à confusão, desapareceu para não acrescentar ruído e foi, nisso mesmo, bem-sucedida.
Os incautos, como eu, acordaram sábado à espera que a resposta viesse de fora. Afinal de contas, faltam poucos meses para as eleições alemãs... Acabou por chegar. Em forma de pontapé.
Churchill dizia que o apaziguador dá de comer ao crocodilo na esperança de ser comido por último… Os Cipriotas foram só os primeiros a ser engolidos.
Advogado, militante do PSD