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05 de Outubro de 2015 às 20:40

Contradições do “capitalismo chinês” - (LVII)

A sobrevivência do vasto sector das empresas estatais dependeu sempre de crédito bancário subsidiado ou mesmo "de favor", o que, por sua vez, levou a manter um controle apertado sobre os mega-bancos públicos.

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1. A evolução da China (RPC) nas últimas décadas é claramente marcada por alguns "períodos de viragem", em que a elite política dirigente tomou decisões com implicações económicas, sociais e políticas de enorme complexidade. Decisões que se, por um lado, impulsionaram o sucesso extraordinário da sua Economia, por outro, estão na origem de muitos dos bloqueamentos actuais. Destacam-se, em particular: o final da década de 70, quando, com Deng Xiaoping, a China iniciou a sua caminhada para a modernização e o crescimento; a adesão da China, em 2001, à OMC, utilizada pelo então primeiro-ministro Zhu Rougji como pretexto para lançar um ambicioso movimento de reforma de milhares de empresas estatais; o lançamento, a partir de 2008, de um programa de apoios financeiros, com o objectivo de reagir à crise mundial e evitar uma recessão; por último, a decisão, tomada em finais de 2013 pelo plenário do partido, de atribuir ao mercado a função de mecanismo central de alocação de recursos.

 

Considero que tanto a compreensão das dificuldades actuais, como a avaliação do seu impacto potencial, passa por ter presentes os efeitos desta cadeia de decisões sobre a economia e a sociedade chinesas. Como referi nos artigos anteriores, o modelo de Deng Xiaoping - um país, dois sistemas - fez emergir uma economia dual. Nesta, a sobrevivência do vasto sector das empresas estatais dependeu sempre de crédito bancário subsidiado ou mesmo "de favor", o que, por sua vez, levou a manter um controle apertado sobre os mega-bancos públicos. A necessidade de proporcionar a estes grandes volumes de liquidez a baixo custo, destinada ao financiamento destas empresas, levou à manutenção de taxas de juro bancárias controladas por via administrativa.

 

Como resultado, uma parcela crescente da poupança interna passou a procurar aplicações melhor remuneradas "fora" do mercado bancário. O programa maciço de estímulos, lançado a partir de 2008 - as estimativas conhecidas apontam para mais de 500 biliões de dólares - vieram acelerar este movimento, com consequências muito complexas: induziu um aumento rápido da dívida interna, quer das famílias e das empresas, quer da generalidade dos governos provinciais e locais - entre 2009 e 2014 a dívida interna passou de 130% para 280% do PIB; um número crescente de famílias, sobretudo da emergente classe média urbana, passou a dirigir as suas poupanças para os mercados de capitais - quer directamente, quer através de veículos especiais - fundos e intermediários especializados - que formam hoje um importante sector não regulado (shadow banking); a abundância de capitais induziu investimentos com baixa rentabilidade ou mesmo sem retorno. As cidades "fantasmas" construídas em várias regiões nos últimos anos, representam um exemplo quase caricatural do desperdício de recursos que o Governo Central se propunha evitar; em paralelo, emergiram grupos e conglomerados que cresceram de forma rápida, suportados pelos mercados internos de capitais. Muito alavancados por dívida, estes começaram a dirigir a sua atenção para os mercados externos, procurando diversificar internacionalmente a sua base de suporte. Alguns, como o conhecido grupo Fosun, viraram-se para a Europa do Euro. Em menos de um ano, este grupo investiu fora da China 6,5 biliões de dólares em 18 empresas, entre as quais a Fidelidade. A aquisição de companhias de seguros proporcionou a estes grupos o acesso a recursos financeiros adicionais, através do controle das respectivas "pools" de liquidez que passaram a utilizar nos seus planos de expansão.

 

2. Compreende-se assim a atitude dos dirigentes chineses perante as dificuldades actuais. Em particular, a queda dos mercados de capitais representa uma ameaça para grupos influentes que têm contribuído para impulsionar o movimento de modernização e crescimento. Por um lado, destrói uma parte da riqueza e das poupanças acumuladas pela classe média urbana emergente. Por outro, reduz a capacidade de "alavancagem" dos endividados conglomerados que têm vindo a projectar a economia chinesa nos mercados mundiais. Para além de induzir movimentos de saídas de capitais, no momento em que os excedentes comerciais externos se têm vindo a reduzir.

 

Economista

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