Opinião
Atribuição de viaturas a trabalhadores
Em sede de segurança social, as condições que determinam que a utilização pessoal da viatura constituem base de incidência contributiva apresentam ligeiras diferenças em relação ao que vigora em IRS.
O aumento da tributação autónoma nas empresas e outras pessoas coletivas, em relação a encargos com viaturas ligeiras de passageiros, quer em termos de taxa aplicável, quer pelo alargamento da base tributável, que passou a abranger todos os gastos suportados e não só os encargos dedutíveis, fomentou a celebração de acordos de imputação das viaturas aos trabalhadores. A existência de acordo escrito com o trabalhador que usa a viatura, ao permitir a tributação deste rendimento em espécie em IRS afasta, em definitivo, a incidência de tributação autónoma.
Já se sabe que a razão da sujeição a tributação autónoma sobre este tipo de gastos se prende com a penalização das empresas pela incorrência de determinadas despesas de natureza ambígua no âmbito da prossecução da atividade empresarial, por também se poderem assumir como despesas de carácter privado. Aliás, a atribuição de viaturas ligeiras de passageiros a trabalhadores, suportando a empresa as despesas com locação, reparações, combustível, etc., foi-se tornando uma prática mais ou menos corrente de pagamento camuflado de rendimentos de trabalho dependente, sem qualquer incidência de IRS.
Embora apenas com acordo escrito se materialize a tributação em IRS, ficando, por isso dependente da vontade das partes a celebração desse contrato, ou mesmo da capacidade da entidade patronal impor ao trabalhador esse acordo (capacidade negocial que até pode ser muito díspar entre as partes), o facto é que os benefícios auferidos pelo trabalhador já poderão ter a correspondente expressão no rendimento a ser considerado na categoria A.
Esclarece-se que o que se tributa em IRS é a utilização pessoal que o trabalhador ou órgão social faz da viatura. Como se recorreu a um indicador teórico, não tem de existir concordância dos valores obtidos com os decorrentes da efetiva utilização pessoal. O rendimento anual atribuído corresponde ao produto de 0,75% do valor de mercado da viatura, reportado a 1 de janeiro do ano em causa, pelo número de meses de utilização da mesma. Em 2015, introduziu-se o conceito de valor de mercado, permitindo que o rendimento imputado ao trabalhador vá diminuindo à medida que aumenta o número de anos do veículo.
A celebração deste acordo escrito só permite o afastamento de tributação autónoma. Todas as demais regras do Código do IRC quanto a este tipo de viaturas são, normalmente, aplicáveis.
A aceitação dos gastos com a viatura está subordinada à condição de terem sido incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC e de serem titulados por documento ou fatura com determinados requisitos. E tratando-se de viatura com valor de aquisição superior ao definido na Portaria aplicável, a parcela da depreciação praticada na parte que exceda esse custo de aquisição deve ser, normalmente, corrigida.
Para todos os efeitos, continuamos a ter uma viatura que é usada, normalmente, na atividade da empresa, sendo aceites fiscalmente os gastos com essa utilização empresarial e, sem prejuízo, da aplicação das "penalizações" à aquisição ou locação de viaturas que excedem determinado valor. A diferença é que, com a celebração do acordo escrito entre empresa e trabalhador, as partes assumem, inequivocamente, que a viatura também é usada na esfera pessoal do trabalhador ou órgão social.
Em sede de segurança social, as condições que determinam que a utilização pessoal da viatura constituem base de incidência contributiva apresentam ligeiras diferenças em relação ao que vigora em IRS. Há aqui uma maior pormenorização dos casos em que se considera a utilização pessoal, por exemplo, ainda que o contrato especifique a possibilidade de utilização durante vinte e quatro horas por dia, basta que o trabalhador se encontre no regime de isenção de horário de trabalho para se excluir o pressuposto de utilização pessoal.
Mas a diferença de maior âmbito em relação ao IRS, é que o Código Contributivo continua a estabelecer que valor sujeito a incidência contributiva corresponde a 0,75% do custo de aquisição da viatura. Ou seja, não seguiu a alteração introduzida no Código do IRS para se considerar o valor de mercado incorporando nos cálculos a desatualização do valor do veículo em função da idade de matrícula.
Em todo este texto, sempre nos referimos a viaturas ligeiras de passageiros, embora o artigo 88.º do CIRC, com a alteração introduzida pela Lei n.º 82-C/2014, de 31 de dezembro também tenha incluído no âmbito da tributação autónoma alguns tipos de viaturas ligeiras de mercadorias. E quanto a estas últimas, sete meses volvidos após a entrada em vigor da alteração, os agentes económicos ainda aguardam que a Autoridade Tributária exprima o seu entendimento sobre as viaturas ligeiras de mercadorias aqui incluídas, dissipando dúvidas e polémicas.
Consultora da OTOC
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