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23 de Setembro de 2013 às 00:01

Atos isolados

O objetivo deste artigo é proporcionar alguns esclarecimentos relacionados com a sujeição a tributação (IVA e IRS) de operações esporádicas de venda de bens efetuados por pessoas particulares que não exerçam qualquer atividade económica.

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Em termos fiscais, estas operações podem ser consideradas como atos isolados desde que, em resultado da sua prática, exista incidência real em sede de IRS, tornando-se o particular também um sujeito passivo de IVA.


Mas em que condições podem as vendas de bens efetuadas por particulares ter incidência real de IRS? Esta é a questão fundamental que se tentará aqui esclarecer.

Apesar de não ser uma questão nova, a opção por voltar a abordar este tema resulta fundamentalmente das inúmeras perguntas que têm sido colocadas ao Departamento de Consultoria da OTOC, relacionadas com a atividade agrícola.

Com as recentes alterações à tributação na atividade agrícola, concretamente a revogação da isenção de IVA para as operações dessa atividade e a obrigação de registo do início de atividade das pessoas que exercem com regularidade uma atividade agrícola com produção para venda, o tema relacionado com o enquadramento fiscal dessas operações, incluindo com os atos isolados, voltou a estar presente com mais frequência.

No dia 18 de setembro, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) publicou, no Portal das Finanças, um entendimento relacionado com o enquadramento dos atos isolados e a possibilidade de ser emitida autofaturação pelos adquirentes dos bens, nos termos definidos pelo Código do IVA.

Esta possibilidade resulta claramente da lei fiscal, sendo um procedimento prático para ultrapassar a necessidade de emissão de fatura por essas pessoas que praticam atos isolados pela venda de bens, atendendo a que não podem utilizar a emissão de faturas-recibo eletrónicas (ex-recibos-verdes) no Portal das Finanças, já que este procedimento apenas está disponível para prestações de serviços, e não podem utilizar o anterior modelo de recibo de quitação, devido às alterações nas regras de faturação.

Todavia, o referido entendimento emitido pela AT não esclarece devidamente o âmbito e o conceito dos atos isolados, nomeadamente a sua interligação obrigatória com as regras de incidência do Código do IRS, tal como resulta da definição de sujeito passivo prevista no Código do IVA.

Aliás, essa informação vinculativa conclui que qualquer venda efetuada por um particular, extemporânea e única, é considerada como um ato isolado, devendo ser sujeita a tributação. Na opinião do autor deste artigo, esta conclusão pode induzir os contribuintes em erro, por não ter sido devidamente enquadrada e não existirem as devidas ressalvas.

Ato de comércio

Ao contrário do que possa resultar da conclusão aí colocada, nem todas as vendas de bens efetuadas por particulares são atos isolados.

Para serem atos isolados e o particular se transformar em sujeito passivo de IVA, essa operação tem que ter incidência real em IRS (cf. alínea a) do nº 1 do artigo 2º do CIVA), ou seja, tem que constituir um ato de comércio resultante de uma atividade económica, com enquadramento de tributação na categoria B de IRS.

A incidência real em IRS apenas se verifica quando a operação possa ser enquadrada em alguma das categorias de rendimentos para esse imposto. Não existindo possibilidade de enquadramento em qualquer outra categoria de rendimentos de IRS, as vendas de bens (exceto imóveis, ações e outros valores mobiliários afetos à esfera privada) apenas podem ser enquadrados como rendimentos da categoria B de IRS, quando tal resulte de atos de comércio.

Para ser considerado um ato de comércio, o particular no momento da aquisição ou obtenção desses bens, ou durante a sua detenção, teve que ter intenção de praticar uma atividade económica. Essa intenção pode ser verificada se essa pessoa adquiriu bens ou serviços para a exploração ou para melhorias a esses bens com objetivo de os vender ou de alguma outra forma manifestou essa intenção.

Uma pessoa que venda um bem da sua esfera particular não é considerado automaticamente como um sujeito passivo de IVA, nem tal é considerado como um ato isolado, para efeitos de IVA ou de IRS. Para tal acontecer tem que existir a tal intenção de praticar atos de comércio no momento da aquisição, obtenção ou durante a posse desses bens.

Na prática, uma pessoa particular, sem qualquer registo de atividade, que efetue a venda de bens do seu património pessoal, nomeadamente viaturas, obras de arte, ou mesmo árvores para corte, não está a praticar qualquer ato de comércio, nem exerce uma atividade económica, desde que no momento da aquisição desses bens e durante a sua detenção, não tenha tido qualquer intenção de praticar uma atividade económica.

Por exemplo, se uma pessoa particular obteve (aquisição ou herança) um terreno com árvores implantadas no terreno, não exercendo aí qualquer atividade agrícola ou silvícola, ou seja, não tendo efetuado quaisquer ações para proporcionar a exploração desse terreno e árvores com objetivo à sua venda, mas pretender realizar o corte e/ou venda dessas árvores, para poder, por exemplo, aí construir a sua habitação, esta operação de venda não configura uma atividade económica, pois a pessoa particular não praticou qualquer ato de comércio.

Se efetuar a venda dessas árvores a um adquirente, sujeito passivo de IVA, essa operação de venda, exercida na esfera particular do vendedor das árvores, pode ser titulada por um qualquer documento para proceder à quitação dos valores recebidos, não existindo a emissão de fatura pelo vendedor ou mesmo de autofaturação por parte do adquirente, por não se tratar de uma operação sujeita a IVA (ou a IRS).

Operação de venda de árvores

Por outro lado, se a pessoa particular estiver a realizar a venda das árvores, após ter efetuado a exploração do terreno e das árvores, nomeadamente com a aquisição de serviços ou procedendo a trabalhos de preparação agrícolas ou silvícolas, tal situação indica uma intenção de praticar uma atividade agrícola com objetivo de venda dessas árvores, ou seja, o exercício de uma atividade económica, cujos rendimentos passam a ter incidência real na categoria B de IRS, transformando-se a pessoa particular num sujeito passivo de IVA.

Se não tiver sido entregue a declaração de início de atividade, essa operação de venda das árvores pode ser enquadrada como um ato isolado, desde que se trate de uma operação única (que não ultrapasse 25 mil euros), sendo tributado em IVA e na categoria B de IRS. Tal como referido no entendimento da AT, essa operação pode ser titulada através da emissão de autofaturação pelo adquirente desses bens, na sua qualidade de sujeito passivo de IVA.

Todavia, há a referir que, se existir a intenção de praticar com caráter regular e de habitualidade essas operações, o procedimento mais apropriado é a entrega da declaração de registo/início de atividade, antes do início da realização dessas atividades económicas sujeitas a IVA, tornando-se um sujeito passivo desse imposto e da categoria B de IRS.

*Consultor da Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas

 

comunicacao@otoc.pt

(Artigo redigido segundo o Novo Acordo Ortográfico)

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