Opinião
As perdas por imparidade em créditos de cobrança duvidosa
A cobrança nos créditos resultantes de transações comerciais é uma preocupação diária em muitas empresas. Com frequência, o prazo de mora estende-se muito além da data de vencimento das faturas, fazendo surgir o temido cenário do incumprimento definitivo.
A existência de número significativo de clientes em mora nos pagamentos, ou em risco de cobrabilidade, pode levar a empresa a ter graves dificuldades de tesouraria ou mesmo a colocar em causa a continuidade da sua atividade.
Logo, em empresas com vendas a crédito um gestor terá sempre necessidade de dispor de informação regular sobre os créditos em mora, incluindo o prazo de mora e o valor total, e da probabilidade de se obter o seu pagamento.
Em termos contabilísticos, a aferição do risco de cobrança em relação aos créditos vencidos e ainda em mora terá de ser realizada no final de cada período económico para que as demonstrações financeiras dessa entidade reflitam de forma verdadeira e apropriada, a sua posição financeira, o seu desempenho e as alterações dessa posição financeira.
Está em causa o reconhecimento de perdas por imparidade em relação aos créditos concedidos que não sejam mensurados ao justo valor. E tal reconhecimento deve ser realizado quando existir uma evidência objetiva de que tal crédito está em imparidade e não apenas no período em que pode tal gasto inerente vier a ser aceite fiscalmente.
Artigo 28.º do CIRC
Um crédito com uma mora de apenas um mês pode já ter um elevado risco de não vir a ser cobrado, por exemplo, por já se ter conhecimento de que a entidade já está em incumprimento em relação à maioria dos seus credores, perspetivando que venha apresentar-se à insolvência. Nesse caso, à luz do normativo contabilístico aplicável, a entidade pode reconhecer a perda por imparidade pela totalidade do valor do crédito. Ainda que o gasto inerente a tal reconhecimento seja totalmente corrigido no quadro 07 da modelo 22 desse período, porque não estão verificadas nenhumas das condições do artigo 28.º B do Código do IRC, a entidade pode vir a recuperar essa correção em períodos subsequentes.
Note-se que o artigo 28.º A do Código do IRC permite a dedução como gasto de perdas por imparidade, relacionadas com créditos resultantes da atividade normal, "quando contabilizadas no mesmo período de tributação ou em períodos de tributação anteriores".
No caso de o cliente vir a pagar os valores devidos, a reversão da perda por imparidade gera o reconhecimento de um rendimento, mas se a constituição da perda por imparidade não teve efeito fiscal (no período do seu reconhecimento ou em períodos subsequentes), tal rendimento também não é tributado em IRC.
O não cumprimento do regime do acréscimo, que também neste caso é respeitado para efeitos fiscais, coloca em causa, na determinação do lucro tributável, a aceitação fiscal de gastos com o reconhecimento futuro de perdas por imparidade ou mesmo os decorrentes da perda pelo desreconhecimento de tais créditos por incobrabilidade efetiva.
Em resumo, não só há que reconhecer contabilisticamente as perdas por imparidade em créditos concedidos, como também há que fazê-lo no período de tributação em que existem evidências objetivas de imparidade. E para tal, é essencial que, aquando do encerramento das contas do período económico, se desenvolvam procedimentos com vista a obter informação sobre o risco de cobrança em relação aos créditos em mora a essa data.
Consultora da Ordem dos Contabilistas Certificados
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