Opinião
Ainda o Novo Banco – (I)
A decisão adicional de financiar os compradores é mais uma indicação de que foi privilegiada a rapidez sobre qualquer outra preocupação. O argumento de que se tratava de responder a compromissos aceites perante Bruxelas apenas confirma a posição assumida pela administração do Novo Banco em relação aos diferentes interesses em confronto.
1. As conclusões – ou a falta delas – da auditoria externa ao Novo Banco foram uma vez mais motivo para argumentos e contra-argumentos.
De um lado, os que se afirmam frustrados porque a auditoria não esclareceu as dúvidas que contam: estão os créditos cobertos pela garantia do Estado a ser alienados com menos-valias e perdas excessivas? Está o accionista maioritário – Lone Star – a ser, directamente ou indirectamente, ilegitimamente beneficiado pelas decisões da gestão do Novo Banco? Subsistem conflitos de interesse envolvendo a administração do Novo Banco que não estão a ser devidamente acautelados? O accionista minoritário – Fundo de Resolução – dispõe, directa ou indirectamente, de instrumentos que lhe permitam exercer um controlo efectivo sobre duas questões críticas – sobre o valor dos créditos alienados e sobre os conflitos de interesses envolvidos? Quem são os compradores finais e qual a origem dos fundos que utilizaram?
Do outro lado, argumenta-se que as conclusões da auditoria mostram que a gestão das carteiras tem seguido as “melhores práticas” e procurado atender aos interesses de todos os accionistas. As decisões da gestão terão sido tomadas no respeito do “quadro contratual” acordado.
Esta situação suscita, por sua vez, várias dúvidas e algumas perguntas: o que pode explicar este “diálogo de surdos” em que as mesmas conclusões levam a posições tão distintas? Porque é que a auditoria não esclareceu as dúvidas que estiveram na origem da sua solicitação? Sobretudo, porque é – ou parece ser – tão difícil obter respostas claras para dúvidas que se referem a interesses públicos tão relevantes?
Não conhecendo – não sei se é público – o que é que foi efectivamente pedido aos auditores externos por quem os contratou, não é possível avaliar porque não responde a auditoria às dúvidas referidas. No entanto, a verdade é que o arrastamento deste assunto e a aparente incapacidade para obter respostas objectivas e claras estão a ameaçar a credibilidade de algumas das nossas mais importantes instituições. Além de se reflectirem negativamente na “imagem de mercado” da instituição que, com tão elevado custo, se pretendeu preservar – o Novo Banco.
2. Para compreender a situação actual é necessário ter presente as implicações que decorrem do “quadro contratual” que emergiu da “venda forçada” do Novo Banco. Em particular, dois dos elementos que integram este quadro: a garantia do Estado que tem uma natureza que a aproxima de uma garantia “first demand” e a não participação do Fundo de Resolução – através de um ou mais membros – na administração/gestão do Novo Banco.
Resulta deste quadro uma situação com implicações claramente perversas: por um lado, incentiva o accionista maioritário a uma activação acelerada da garantia; por outro, atribui à administração do Novo Banco uma capacidade largamente discricionária para decidir o caminho que deve seguir na alienação dos créditos; por último, a capacidade de intervenção do Fundo de Resolução é muito limitada, na medida em que analisa as propostas de alienação depois das decisões da gestão e com base em informações que esta lhe faz chegar.
Foi neste contexto que a gestão decidiu agrupar os créditos num número relativamente reduzido de carteiras, sabendo que esta “via” iria reduzir o número de interessados e deprimir os preços finais. A decisão adicional de financiar os compradores é mais uma indicação de que foi privilegiada a rapidez sobre qualquer outra preocupação. O argumento de que se tratava de responder a compromissos aceites perante Bruxelas apenas confirma a posição assumida pela administração do Novo Banco em relação aos diferentes interesses em confronto. Considero a este respeito que a avaliação da situação actual e de muitas das decisões que foram sendo tomadas pressupõe conhecer qual foi efectivamente a intervenção da Comissão Europeia – através da DGCom – desde a decisão de “resolver” o BES e dos seus efeitos. (a continuar).