Opinião
Acabar com os ricos ou acabar com os pobres?
O problema da desigual distribuição da riqueza inerente ao capitalismo despertou novos interesses com a recente obra de Thomas Piketty, que reuniu dados estatísticos até então indisponíveis, comprovou a tendência para o acentuar das desigualdades e introduziu uma explicação comprovável para isso. Piketty, que tem tido uma actividade política empenhada no PSF (com DSK e Roccard), sugeriu vias de intervenção do Estado para travar o regresso a um capitalismo patrimonial hereditário.
A explicação que ele deduziu da observação de estatísticas de vários países resume-se (não é pouco) à constatação de que, fora de períodos muito anormais, a taxa de rendimento do capital, "r", supera a taxa de crescimento do produto, "g".
Uma explicação sedutora pela simplicidade. Uma teoria credível.
r>g, implica que o crescimento dos rendimentos que não são do capital crescem abaixo dos do capital, contribuindo a diferença para que, a prazo, qualquer que seja a situação inicial, a riqueza acumulada pelo sector capitalista cada vez exceda mais a riqueza do sector não capitalista da economia. Tão natural que dispensaria a comprovação estatística. Goste-se ou não, o sector privado (capitalista) da economia é mais dinâmico e propenso a melhores resultados.
Qualquer das intervenções apontadas por Piketty, reduzindo "r" (impostos sobre os rendimentos do capital) ou reduzindo directamente a riqueza (impostos sobre a riqueza), reduz g". Em ambos os casos, porque ao transferir recursos para a área menos dinâmica da economia, substitui-se o crescimento desses recursos ao ritmo "r", por outro mais baixo. Os recursos deixam de ser aplicados pelos capitalistas nos seus investimentos, para serem aplicados pelo Estado no que quer que seja. Em consequência da teoria formulada, a intervenção do Estado origina sempre crescimento mais baixo.
O capitalismo livre conduzido pela ambição ilimitada ("the more I get, the more I want", de Pendergrass, poderia ser um hino bem à medida) embora mais eficiente para aumentar o produto, inspira cuidados pela concentração de riqueza e de rendimentos que por sua natureza acarreta. Põe problemas à democracia que só uma ética idealmente rigorosa – que não existe – poderia evitar. Ver entrar nos jogos de poder da política empreendedores competentes a concorrer com a tradicional incompetência e ineficiência estatais tem riscos. Só a imposição controlada de transparência poderia talvez resolver. Talvez.
Capitalismo patrimonial hereditário igualmente não merece simpatias. Mas, parece ser o destino do processo de acumulação de capital ao afastar-se temporalmente do empreendedorismo inicial. Deixa os capitalistas usufruindo de rendas asseguradas sem esforço que o justifique. Nesta fase já desapareceu a justificação dos ganhos pelo mérito e esforço. Esbate-se a noção do capitalismo como uma meritocracia justa. São desta fase os pecados do exibicionismo de meios, que, não raro, chegam à dissipação em consumos absurdos de partes importantes de património acumulado durante gerações.
Piketty fala de uma taxa sobre as fortunas de 2%. É fácil (tecnicamente, não politicamente). Eu preferiria (mais difícil) uma sobretaxa elevada sobre o IVA a aplicar aos consumos excessivos, determinado o consumo total pela diferença entre os rendimentos e a variação patrimonial (a preços de aquisição), com uma definição cuidadosa do que se deveria incluir na variação patrimonial para este fim (também há extravagâncias patrimoniais). Junto com a declaração de rendimentos, haveria uma discriminação do património. Nada de original. Os portugueses no exterior, onde ela é exigida, fazem-na sem qualquer relutância.
No final, regressamos ao dilema. Ou aceitar o país com capitalistas, apesar de estes, em proporção, ganharem mais do que os outros, ou não aceitar, e preferir ter melhorias menores em troca de não ver os capitalistas lucrando.
A resposta depende do objectivo. Se é acabar com os pobres tão rápido quanto possível e, se convirmos, em medir a melhoria da sua situação pela variação do rendimento que auferem, e não pela relação desta com a variação do rendimento do capital – o que acho mais próprio – devemos escolher a primeira opção. Reconheçamos que, na verdade, para acabar com os pobres é preciso não acabar com os ricos.