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Opinião
15 de Junho de 2015 às 21:00

A reorganização dos mercados financeiros - (L)

A generalidade dos bancos continua a manter nos seus balanços níveis elevados de créditos improdutivos, com fortes reflexos sobre a rentabilidade e sobre a aversão ao risco.

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1. Sabemos como a crise que, a partir de 2008, se abateu sobre a Zona Euro fragmentou os mercados interbancários, com um duplo efeito: bloqueou o mecanismo de transmissão do impacto da política monetária única, forçando o BCE a recorrer a técnicas e a instrumentos não convencionais; afectou a oferta de crédito por parte da generalidade dos bancos, o que contribuiu para intensificar a retracção da actividade económica e a destruição de emprego.

 

A resposta da Zona Euro procurou, simultaneamente, cortar a ligação entre o risco soberano e o risco bancário e combater a fragmentação dos mercados bancários através da adopção de um complexo conjunto de medidas: implantação de uma União Bancária - ainda que parcial, pois além da supervisão única e do mecanismo de resolução, continua a faltar um sistema único de garantia de depósitos; lançamento, pelo BCE, de um programa de compra de activos, com incidência particular sobre títulos das dívidas soberanas.

 

Neste contexto, os bancos europeus estão a ter de absorver pressões que decorrem de um conjunto excepcional de factores. Por um lado, têm procurado reforçar os seus capitais e melhorar tanto a qualidade dos activos, como as suas condições de liquidez e de financiamento. No entanto, por outro, as condições operacionais permanecem difíceis, enquanto os níveis de rentabilidade continuam a ser afectados pelo ambiente de taxas de juro - os níveis historicamente baixos destas reflectem-se negativamente nas margens financeiras - e pelo peso do crédito improdutivo. Se, além disso, considerarmos que os bancos europeus estão a ter de se ajustar a quadros regulamentares e prudenciais severos, em particular em relação à sua capacidade de absorção de imparidades e perdas, através de elevados níveis de aprovisionamento e de capitalização, compreendemos a amplitude do movimento de ajustamento por que está a passar o mercado bancário da Zona Euro.

 

Situação que assume particular complexidade nas economias devedoras em que os programas de ajustamento induziram recessões "mais cavadas" e taxas mais elevadas de desemprego. Nestas, a generalidade dos bancos continua a manter nos seus balanços níveis elevados de créditos improdutivos, com fortes reflexos sobre a rentabilidade e sobre a aversão ao risco. Esta afecta as condições em que a oferta de crédito se está a processar com impacto negativo sobre o financiamento. Permaneço mesmo convencido de que foi o risco que esta situação representa para o relançamento destas economias - mais do que o risco de deflação - que levou o BCE a decidir-se pela compra maciça de activos.

 

Não é assim de admirar que os mercados financeiros da Zona Euro estejam a atravessar um período de transformação, caracterizado sobretudo por: uma recentragem do modelo de negócio bancário, em que cada banco está a procurar recuar para os segmentos de mercado e para o "core" de operações em que pode tirar partido de vantagens comparativas, com ganhos de eficiência - produtividade e custos - e de rentabilidade; um avanço - rápido nalguns mercados - da intermediação financeira conduzida por operadores sujeitos a quadros regulatórios menos rígidos e menos intensivos - "shadow banking"; desenvolvimento, ainda que modesto, de alguns segmentos do mercado de capitais - que continua à espera das anunciadas iniciativas da Comissão Europeia, para a criação de um mercado de capitais da Zona Euro, o que, a acontecer, permitiria avançar na direcção de uma união financeira - monetária, bancária e de capitais.

 

2. Tendo como pano de fundo as pressões que estão a moldar os mercados financeiros europeus, considero que a reorganização do nosso mercado financeiro deve ter em linha de conta três tipos de considerações: este deve, em cada momento, assegurar o financiamento necessário ao crescimento, colocando à disposição dos agentes económicos soluções que vão ao encontro das suas necessidades - enquanto aforradores, consumidores ou investidores; por outro lado, o mercado financeiro deve - através dos instrumentos e das soluções que oferece - contribuir para o desenvolvimento e a modernização do tecido produtivo; por último, deve favorecer a implantação de uma adequada percepção do risco, tanto por parte dos aforradores como dos investidores.

 

Tendo por outro lado presentes as pressões que o nosso mercado bancário está a ter de absorver e dos seus reflexos sobre o financiamento da nossa economia, considero que a reorganização do mercado financeiro deve procurar responder a três tipos de questões que assumem neste momento importância central: diversificar as fontes e os instrumentos de financiamento das PME; desenvolver a nível interno um mercado eficiente de dívida pública; por último, preservar a confiança no nosso mercado e nas nossas instituições financeiras. Questões que me proponho desenvolver em próximos artigos.

 

Economista

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