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A Reforma do IRS e a protecção da família

O despacho que nomeia a Comissão de Reforma do IRS determina que se avalie aprofundadamente o IRS, tendo em vista, designadamente, a protecção das famílias e a importância da natalidade.

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A protecção da família vem prevista nos arts. 67.º e 104.º da CRP, incumbindo ao Estado regular os impostos e os benefícios sociais, de harmonia com os encargos familiares, visando o IRS a diminuição das desigualdades, sendo único e progressivo, tendo em conta as necessidades e rendimentos do agregado familiar.

 

A família é fiscalmente considerada na forma da tributação (conjunta ou separada mas tendo sempre em conta os encargos e os filhos) e no quantum da tributação (consideração dos encargos).

 

Considerar o número de elementos do agregado familiar pode reflectir-se na definição da unidade fiscal, nas deduções ao rendimento, na determinação do escalão de taxa e nas deduções à colecta.

 

 
 

Durante o mês de Agosto o Negócios associa-se à consulta pública sobre a reforma do IRS convidando juristas, economistas e académicos a discutirem as suas características e a sua oportunidade. Hoje, Clotilde Palma escreve sobre os impostos e a protecção das famílias. 

Questiona-se se deve existir um mínimo de existência conjugal ou familiar, se o IRS incentiva as famílias numerosas, se o tratamento do agregado familiar é adequado, se deverá optar-se pela tributação separada, pelo quociente familiar, se as deduções à colecta são correctas.

 

O IRS não respeita os princípios basilares de consideração fiscal da família, apesar de alguns esforços que foram e têm vindo a ser feitos por sucessivos governos. Maltrata as famílias, designadamente as numerosas, introduz discriminações incompreensíveis e inconstitucionais, nomeadamente no tratamento dos casados e unidos de facto, tem pouca consideração com os encargos com os filhos e outros dependentes.

 

Tudo isto foi repetido nas propostas apresentadas por inúmeras Comissões e Grupos de Trabalho, tendo vários Governos apresentado alterações legislativas para a tributação separada e nada foi feito.

 

A consagração da tributação conjunta no CIRS não foi isenta de críticas (a tendência à data era a tributação separada), como se reconhece no Preâmbulo do CIRS. Não existe, a nosso ver, um impedimento constitucional à tributação separada como regime regra. Uma objecção apontada é a da maior complexidade administrativa que traz, v.g., um maior número de declarações, estando actualmente minorada pelo envio electrónico das declarações.

 

Em 1998, nos textos Estruturar o Sistema Fiscal Do Portugal Desenvolvido, insiste-se que se deverá ponderar a tributação separada.

 

No Relatório de 1998, infelizmente não publicado, a Comissão de Revisão do IRS presidida pelo Professor Diogo Leite de Campos apresentou uma proposta nesse sentido.

 

O Grupo de 2009 para o Estudo da Política Fiscal, no seu Relatório, conclui que a tributação separada traz maior simplicidade.

 

Também estes estudos concluem que haveria que actuar no quociente conjugal, nas deduções à colecta e abatimentos e apresentaram propostas.

 

A Comissão propõe a passagem para um regime regra de tributação separada, permitindo-se a opção pela tributação conjunta para casados e para unidos de facto, que, para além da divisão por 2 do rendimento colectável, seja feito um ajustamento (limitado) em função do número de dependentes, propondo um modelo semelhante ao sistema francês, bem como o aumento das deduções personalizantes em função dos membros do agregado familiar e o "ticket escola".

 

O princípio da igualdade de tratamento das famílias implica que as que tenham rendimentos idênticos paguem um montante de imposto similar e as que tenham rendimentos diferentes paguem distintos montantes, bem como a imposição de medidas diferenciadoras de modo a obter uma igualdade de oportunidades necessária à igualdade real entre cidadãos, justificando-se a discriminação positiva da família ou as deduções à colecta em sede de IRS em função do número de filhos, por exemplo.

 

A capacidade contributiva deve ser aferida em relação à família como unidade económica e social e não em relação a cada um dos seus membros. A carga fiscal deve depender do número de membros consumidores do rendimento e não dos seus produtores.

 

Os quocientes conjugal e familiar não são medidas de apoio à família, mas mecanismos que impedem a sua penalização.

 

Deverá acolher-se um quociente familiar, lembrando-se de que a tributação separada implica a ponderação de uma série de aspectos técnicos, v.g., redefinição de agregado familiar, regras de imputação de rendimentos e dos encargos necessários à sua obtenção, de não comunicabilidade de perdas, critérios de imputação de abatimentos, benefícios e deduções com natureza de elementos pessoalizantes, de validade temporal da opção e suas consequências, de procedimento declarativo e de responsabilidade pela dívida de imposto.

 

Em Espanha também foi apresentado um projecto de reforma que vem proteger mais a família e, contrariamente ao que lamentavelmente tem vindo a suceder entre nós, os mais idosos, criando, por exemplo, um "complemento da pensão" de não tributação das mais-valias na venda de acções ou de imóveis por maiores de 65 anos…

 

Os impostos não são o instrumento mais adequado para a protecção da família, designadamente para a promoção da natalidade, devendo a solução passar antes pela via da despesa, mas reconhecemos que através do IRS o Estado pode prosseguir os seus objectivos em termos de justiça social, atendendo à capacidade contributiva do sujeito passivo.

 

Na verdade, este projecto de reforma do IRS não nos traz nada de realmente novo, mas tem um grande mérito ao reavivar a necessidade de dar cumprimento aos princípios constitucionais de tributação da família e dar resposta a questões da mais elementar justiça. Assim se espera que possa vir a ser concretizado.

 

Clotilde Palma é licenciada em Direito e doutorada em Ciências Jurídico Económicas, na vertente do Direito Fiscal. É uma especialista nacional e internacionalmente reconhecida na área do IVA e da tributação indirecta, mas, no âmbito da sua prova de agregação, está a estudar as questões relacionadas com a tributação da família. Advogada e professora em diversas universidades, integrou diversos gabinetes governamentais enquanto técnica especialista em direito fiscal.

 

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