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15 de Março de 2013 às 10:10

A luta e o sofrimento

Na última sessão do Parlamento, na qual o dr. Passos Coelho falou, entusiasmadíssimo, da sua governação, insistindo na justeza do "rumo" definido

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Na última sessão do Parlamento, na qual o dr. Passos Coelho falou, entusiasmadíssimo, da sua governação, insistindo na justeza do "rumo" definido, nesse dia foi tornado público um documento, "Manifesto pela Democratização do Regime", subscrito por sessenta personalidades da vida portuguesa. Os assinantes não põem em causa o sistema, embora o sistema (capitalista, bem entendido) esteja na base dos nossos infortúnios. Não se trata da sua "regulação", mas sim da sua manutenção, o que o documento não refere nem critica.


A natureza do documento, sem dúvida importante, discute as estruturas partidárias, que têm amolgado os ideais democráticos, organizados de modo a que dois partidos se substituam, periodicamente, no poder. O caso português não difere do resto da Europa, e, quando o PSD não tem nada de "social-democrata", muito menos o PS tem de "socialista." As dificuldades por que passamos não são de agora: pertencem aos próprios esquemas do regime. O ancilosamento do regime, a "alternância" em vez de "alternativa", com os mesmos defeitos e escassas virtudes uns dos outros, levou ao cansaço absoluto das pessoas e ao descrédito dos partidos.


O Manifesto alude à necessidade de "moralização" dos partidos, tarefa naturalmente meritória, mas de cujos resultados seriamente duvido. Os dois partidos "de poder" criaram as suas culturas clientelares, e os seus proveitos e conveniências estão profundamente arreigados, a tal ponto que esqueceram as suas origens elementares ou colocaram "na gaveta" a marca que era a registada da sua bandeira. E, diz-nos a experiência, se nenhum partido se modifica "por dentro", é impossível que se modifique "por fora."


Ao ouvir, nas televisões e nas rádios, e ao ler o que dizem os "políticos" que nos governam, directa ou indirectamente, ou bocejo ou passo à frente. O Parlamento é semelhante. Aqueles deputados que lá estão somente para aplaudir e regougar "muito bem!, muito bem" não nos representam: estão ali por interesses partidários, ou pouco mais.


Claro que, como assinala o documento, "a pátria corre perigo, é urgente mudar Portugal." Mas como? Com esta gente? Com António José Seguro ou Francisco Assis? Com a presença sombria de Cavaco ou a desenvoltura estudada de Passos Coelho? Democratas? A revolução dos partidos, como necessidade imperiosa, ninguém a quer fazer porque ninguém a pode e sabe fazer. O Bloco de Esquerda surgiu como uma esperança, mas vivia, sobretudo, da argúcia retórica de Fernando Rosas, do talento e dos conhecimentos teóricos de Luís Fazenda, e do impressionante génio mediático de Francisco Louçã, cujo apetrechamento cultural se associava a uma ironia corrosiva e a uma grande coragem. Hoje, o Bloco é o que é.


A simpatia evidente pelo Bloco não se pode quedar, apenas, nos sentimentos e nas emoções. Nem sei mesmo se, nas actuais circunstâncias, aquele partido se aguentará. O Manifesto dos sessenta aparece, obviamente, porque tem em conta as grandes movimentações populares a que temos assistido à revelia dos partidos. E porque os seus autores descrêem do que os "partidos" representam. O júbilo do 25 de Abril não foi somente traído pelos revanchistas e pela Direita mais trauliteira. Os próprios partidos, ditos "democráticos", serviram-se da euforia e da espantosa generosidade das pessoas para trepar à qualificação dos seus interesses. E as metamorfoses dos "vira-casacas" são exemplos repugnantes dessas tentações.


No estado actual das coisas, e embora acentue a importância e a necessidade do "Manifesto para a Democratização do Regime", penso que Pedro Passos Coelho está em roda-livre. Ele, que diz que nenhuma manifestação popular o fará mudar de rumo, e que tem ouvidos de mercador não só ao clamor das ruas como para as indignações e protestos que por aí circulam, move-se e actua com a soberba indiferença de quem se está marimbando para a democracia.


Tudo o que seja para enfraquecer esta política de nojo, todas demonstrações de indignação e de cólera são, naturalmente, bem-vindas. Mas é urgente que se estude, analise e ponha em causa o sistema no qual se escoram estes partidos e estas políticas. É difícil, derrotar o sistema? É. Mas não há conquista sem luta, nem luta sem sofrimento.

 


b.bastos@netcabo.pt

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