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A empresarialidade de despesas

A estrutura adjetiva das normas pode abrir portas para a defesa dos direitos dos contribuintes, garantindo-lhes a possibilidade de reagir contra um sistema tributário que, quando incapaz de lidar com situações abusivas, opta por penalizar todos.

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O aumento da carga fiscal por via do alargamento da base tributável dos impostos tem sido uma das vias seguidas para contornar o aumento das taxas nominais de imposto. No contexto tributário nacional, tais alargamentos da base tributável têm assumido formas particularmente criativas, com a criação de normas antiabuso, face a uma suposta afetação não exclusivamente empresarial de certas despesas.

Por isso, tem-se aberto uma elevada litigância sobre a possibilidade de ser admitida a prova da empresarialidade de certas despesas, visando, assim, o reconhecimento da sua dedução ou dedutibilidade para efeitos de IVA e IRC.

 

Em termos sintéticos, o que está em causa são as despesas cujas fronteiras de empresarialidade não podem ser descortinadas pela sua mera realização, incluindo-se aqui os encargos com a utilização de viaturas ligeiras de passageiros e as despesas com organização e participação em eventos, entre as mais paradigmáticas. Assim, se um contribuinte pretende ver reconhecida a dedução limitada por lei do IVA e do IRC dessas despesas, importa saber se as normas fiscais antiabuso contêm presunções ilidíveis e, em caso afirmativo, se é possível ao contribuinte provar que os gastos em que incorreu não foram realizados com propósitos abusivos, tendo natureza empresarial.

 

Os tribunais, em particular os arbitrais, têm seguido caminhos contraditórios na apreciação destas questões fundamentais, ao passo que para a Autoridade Tributária a posição é consistente e constante: as normas antiabuso de direito substantivo são presunções inilidíveis, que não admitem prova em contrário, pelo que a aplicação da norma vale sem que seja necessário atender a quaisquer outras circunstâncias ou factos. 

 

A natureza antiabusiva da tributação autónoma

 

Ao nível jurisprudencial, não tem havido unanimidade na apreciação desta questão, sendo conhecidas decisões em que se reconhece, por exemplo, a respeito das normas relativas ao direito à dedução do IVA, a sua natureza presuntiva e, portanto, a admissão de prova que permita demonstrar a dedutibilidade de certas despesas, quando seja possível provar, através das circunstâncias ou factos, a sua conexão com a realização de operações sujeitas a IVA e dele não isentas. De modo similar, a propósito da tributação autónoma, tem sido reconhecida a sua natureza antiabusiva, contendo a norma uma presunção ilidível de empresarialidade, podendo não ser sujeitas a tributação autónoma as despesas em relação às quais se faça prova inequívoca da sua empresarialidade.

 

Corrente jurisprudencial oposta tem, contudo, sustentado que as normas substantivas de natureza antiabuso não contêm presunções ilidíveis, pelo que não admitem prova em contrário que afaste limitações à sua dedução. Neste sentido, se as despesas são reconhecidas como incorridas para o exercício de uma atividade económica, então o juízo da sua empresarialidade está feito a priori, pelo que as pretensões desincentivadoras das normas impedem a prova da sua empresarialidade. Admitir a ilisão da presunção de tais normas e permitir a demonstração da sua empresarialidade constitui uma violação dos princípios da legalidade e igualdade tributária, pois gastos da mesma natureza teriam tratamentos fiscais diferentes em função da prova que os contribuintes fossem capazes de produzir para demonstrar a sua empresarialidade.

 

A relevância deste tema é, sobretudo, a de mostrar que a estrutura adjetiva das normas pode abrir portas para a defesa dos direitos dos contribuintes, garantindo-lhes a possibilidade de reagir contra um sistema tributário que, quando incapaz de lidar com situações abusivas, opta por penalizar todos.

 

Consultora da Ordem dos Contabilistas Certificados

 

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