Opinião
500 anos de memórias
Depois das humilhantes recusas de D. Manuel, Fernão de Magalhães mudou-se para Sevilha com o propósito de convencer o jovem Carlos I, Rei de Espanha, a patrocinar uma poderosa Armada, condição necessária para tal empreendimento.
No dia 20 de Setembro de 1519, há precisamente 500 anos, partia de Sevilha uma poderosa armada comandada pelo português Fernão de Magalhães, com o objectivo de contrapor à rota marítima do Oriente estabelecida e controlada por portugueses, uma rota por ocidente, com o mesmo objectivo de aceder à origem das matérias-primas tão valiosas na Europa, que suportavam, na época, a supremacia económica e financeira de banqueiros italianos, do sultão do Egipto e de uma longa rede dos mercadores muçulmanos que se estendiam pelas costas da Índia e de Malaca
Depois das humilhantes recusas de D. Manuel, Fernão de Magalhães mudou-se para Sevilha com o propósito de convencer o jovem Carlos I, Rei de Espanha, a patrocinar uma poderosa Armada, condição necessária para tal empreendimento. Com a ajuda de amigos e familiares residentes em Espanha, Fernão de Magalhães conseguiu o apoio do rei e de banqueiros italianos estabelecidos na Península, na busca de investimentos rentáveis. A Armada foi minuciosamente preparada pelo capitão português durante 16 meses e dotada dos meios julgados necessários para o êxito duma tarefa tão extraordinária.
Fernão de Magalhães, capitão experiente da rota das Índias, teve de enfrentar dificuldades muito para além do que tinha previsto: a passagem para ocidente que era muito mais a sul do que pensava, o Inverno antárctico extraordinariamente duro e o oceano Pacífico muito maior que o Atlântico. Para além das surpresas que o globo terrestre encerrava, o capitão português teve também de fazer uso do seu grande conhecimento e capacidade de liderança para vencer as revoltas que surgiram numa equipa maioritariamente constituída por marinheiros espanhóis que nunca aceitaram a chefia atribuída pelo seu rei a um inimigo estrangeiro. Vencido o planeta e os homens da sua Armada, atravessado o Pacífico até às Filipinas, o nosso capitão viria a sucumbir ingloriamente numa refrega sem importância com uma chefia tribal, tendo o regresso à Europa sido assegurado pela direcção de oficiais espanhóis, que tiveram de percorrer clandestinamente a rota que portugueses já controlavam. O regresso a Sevilha acontece a 6 de Setembro de 1522, três anos depois. Das cinco naus e dos 265 homens embarcados em 1519, apenas a velha nau Trinidad, com 18 marinheiros e comandada por Sebastian del Cano, regressa a casa. O mesmo Sebastian del Cano que em Abril de 1520, no início da viagem em frente da costa da futura Argentina, tinha protagonizado uma revolta contra Magalhães, exigindo voltar para Espanha, por considerar impossível o êxito do projecto.
A primeira volta ao mundo é um facto de extraordinária importância na história da humanidade. É um extraordinário feito científico e estratégico, realizado por um competente e corajoso Fernão de Magalhães em benefício do rei de Espanha. Este foi mais um dos colossais erros do rei D. Manuel I, venturoso líder do primeiro império global, catapultado para a glória pelo trabalho anterior do infante D. Henrique e de D. João II e pela intriga palaciana protagonizada por sua irmã, a rainha, que culminou no possível envenenamento de D. João II, seu marido.
D. Manuel I ficou para a história como um dos mais incompetentes políticos de todos os tempos, coleccionando decisões impossíveis de compreender, como o despedimento de Afonso de Albuquerque (construtor de facto do poderio português no Oriente), o desprezo por Fernão de Magalhães e ainda pela expulsão dos judeus que tanta fortuna geraram nos povos dos Países Baixos e do Norte da Europa. D. Manuel I só seria ultrapassado em incompetência e insensatez pelo muito jovem e imaturo D. Sebastião, que conduziu o país ao precipício em Alcácer-Quibir, liquidando o melhor das nossas forças e a independência nacional.
Para quem acredita na superioridade do modelo de organização estratégica e militar das monarquias absolutas, estes monarcas são fontes inesgotáveis de inspiração...
Presidente da APFIPP
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