Opinião
Capitalismo, as regras e a moral
O recente relatório, sobre o cumprimento do Código do IPCG, é um trabalho elaborado pelo próprio IPCG em resultado do trabalho de campo e de análise efectuado por uma equipa de juristas durante o ano de 2020, sobre a adequação em 2019 das empresas aderentes ao Código.
A recente publicação do Relatório Anual de Monitorização (RAM) do Código do Governo das Sociedades (CGS) do Instituto Português de Corporate Governance (IPCG), relativo à generalidade das empresas emitentes em Portugal (a CGD sendo uma entidade pública também adoptou o Código e participou no Relatório), é uma demonstração de como, em Portugal, empresários e simples cidadãos trabalham para prestigiar o funcionamento da economia de mercado. O mesmo país que descobriu no passado recente, com incredulidade, acontecerem exemplos de vandalismo financeiro que levaram à destruição de importantes empresas nacionais deve também valorizar o que a sociedade civil faz em iniciativas voluntárias e autónomas, quando animada por pessoas apostadas em defender uma economia capitalista saudável e respeitosa das regras basilares de urbanidade e honestidade.
O capitalismo não é uma fórmula única nem mágica. Pode ser reivindicado tanto pelos cowboys do Far West como pelos relojoeiros da Suíça. Não é seguramente a mesma coisa em todo o lado. Depende do modelo cultural e da qualidade e sofisticação dos participantes. Quando funciona bem - e apesar de não ser uma obra perfeita, nem dispensar atenção e afinamento contínuo - o capitalismo pode ser a forma mais bem-sucedida de organização de uma sociedade, conciliando o direito à procura de uma vida melhor com o direito à liberdade no respeito pelos outros. Nunca podemos esquecer que a qualidade da sociedade que temos depende também do que fazemos por ela.
O recente relatório, sobre o cumprimento do Código do IPCG, é um trabalho elaborado pelo próprio IPCG em resultado do trabalho de campo e de análise efectuado por uma equipa de juristas durante o ano de 2020, sobre a adequação em 2019 das empresas aderentes ao Código. Durante meses, esta equipa debruçou-se sobre a informação pública constante dos relatórios e contas de cada empresa emitente, elaborou relatórios individuais que partilharam e analisaram com cada uma delas e aferiram o respectivo grau de cumprimento das múltiplas regras de organização e funcionamento societário que constam no Código.
O Código do Governo das Sociedades é um instrumento de adesão voluntária que resultou de um amplo consenso que foi desde o regulador, a CMVM, às empresas emitentes através da sua associação representativa, a AEM - Associação das Empresas Emitentes de Valores Cotados em Mercado, aos investidores em geral, tendo sido ainda sujeito a consulta pública. Em 2017, foi firmado um protocolo entre a CMVM e o IPCG que concretizou a mudança de paradigma de um Código do regulador para outro proveniente da esfera da autorregulação. Para os cépticos, que não acreditam ser possível ou sequer vantajoso que os representantes do capital definam eles próprios as regras que regulam o seu comportamento, aconselha-se a leitura do Código do Governo das Sociedades e dos Relatórios de Monitorização, acessíveis no site do IPCG.
Já no início de 2018 foi celebrado um protocolo entre o IPCG e a AEM que estabeleceu a forma de colaboração entre as duas entidades para assegurar em continuidade, a monitorização anual e a revisão do próprio Código, de forma que este fosse representativo dos valores praticados pela comunidade empresarial e reflectisse a evolução das melhores práticas, tanto nacionais como internacionais, incorporando as alterações legais e regulamentares, entretanto registadas. A última revisão do Código ocorreu em finais de Julho de 2020, fruto deste exercício voluntário de autorregulação.
A elaboração do relatório anual pressupõe que as empresas disponibilizem a informação sobre o nível de cumprimento das recomendações do Código, sendo a análise feita com total objectividade e isenção, sem formular juízos de valor e cobrindo a totalidade dos princípios e das recomendações do Código. O relatório é apresentado publicamente, sendo os seus resultados apresentados de forma agregada e não individualizada. São aceites, em situações específicas, soluções alternativas às previstas, num exercício de "comply or explain", desde que demonstrado pela empresa que a alternativa utilizada numa determinada situação conduziu à obtenção dos objectivos definidos no Código.
São definidos no Código de Governo das Sociedades regras e conceitos para as seguintes áreas de funcionamento das empresas:
- A relação da sociedade com os investidores e a informação;
- A diversidade na composição e funcionamento dos órgãos sociais;
- A relação estabelecida entre os diferentes órgãos sociais;
- Os conflitos de interesse;
- As transacções com partes relacionadas;
- A participação accionista em assembleia-geral;
- A administração não executiva e os órgãos de fiscalização;
- A administração executiva;
- As nomeações, remunerações e avaliação de desempenho;
- O controlo interno;
- A informação financeira.
Este extenso e pormenorizado livro de regras - que é para as autoridades e para a sociedade em geral uma garantia de uma governance exigente nas empresas emitentes - é simultaneamente para estas um instrumento de grande utilidade, pois normaliza conceitos e regras, diminuindo espaços de dúvida no exercício corrente da gestão. Melhorar o funcionamento da economia capitalista é certamente um acto nobre de cidadania.
https://cam.cgov.pt/images/ficheiros/2020/revisao_codigo_pt_2018_ebook-05.11.2020.pdf
Artigo em conformidade com o antigo Acordo Ortográfico