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02 de Dezembro de 2020 às 18:12

O PCP, a sua fé e os outros

Mesmo que a Constituição expressamente previsse ser o PCP a única entidade a ter o direito de congregar 100 vezes mais pessoas que o atualmente permitido num único local, deveriam subsistir sempre o bom senso e o sentido de urbanidade.

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A realização de uma reunião de 600 pessoas quando estão proibidos, ou fortemente desaconselhados, agrupamentos de mais de cinco, é um sinal de privilégio que é difícil de ignorar. É certo que este direito parece decorrer da Constituição, mas a Constituição não é um livro escrito por Deus; é uma plataforma de comportamentos acordada pelos homens num dado momento e que hoje precisa, manifestamente, de profunda revisão porque nos fala do passado e ignora o mundo em que vivemos. Mas mesmo que a Constituição expressamente previsse ser o PCP a única entidade a ter o direito de congregar 100 vezes mais pessoas que o atualmente permitido num único local, deveriam subsistir sempre o bom senso e o sentido de urbanidade. Mas, pelos vistos, nada disto foi relevado.

Em contraponto com esta atitude, o PCP investiu, pacientemente, nas últimas décadas, na aquisição de um perfil de seriedade e de atitude responsável, a ponto de fazer esquecer os objetivos disruptores sobre os quais está construída a sua essência. É público e notório que os autarcas do PCP cumprem mandatos tranquilos ao serviço das populações, sem que se conheçam os desvarios de corrupção que afetam tantos outros municípios. Como gente séria e comprometida com o serviço dos seus concidadãos, dão segurança e previsibilidade. Mesmo os deputados do PCP na Assembleia, quando não estão em causa questões ideológicas, são um referencial de integridade e de bom senso, por muitos apreciado. Que o digam os comentadores políticos que valorizam as qualidades do comportamento do PCP. Mas todo este capital que nos faz acreditar que se trata de parceiros responsáveis, é de repente posto em causa de forma estridente com a realização do Congresso e, anteriormente, com a Festa do Avante, as comemorações do 1.º de Maio e as do 25 de Abril. Afinal em que ficamos?

Muitas vezes o que parece, nem sempre é. Veja-se o caso dos movimentos dos Irmãos Muçulmanos que, com a sua atitude paternalista e protetora das camadas mais desfavorecidas – provendo as necessidades básicas onde elas faltam em absoluto – cobram o elevado preço de as obrigar a aceitar as regras de vida mais selvagens e desumanas que uma imaginação doente possa conjeturar. No caso do PCP, a sua aparente bonomia e seriedade, atua como uma proteção para uma ideologia que professa objetivos extremos. Uma ideologia que produz uma fé que leva a acreditar que a Rússia da guerra civil de Lenine foi um período de libertação, que a Rússia de Estaline foi um período de justiça económica e social, que a China da Revolução Cultural foi um momento alto da sofisticação da mente humana. Ou ainda que a Coreia do Norte é uma democracia e a Venezuela um paraíso. Ora, todos sabemos que nada disto é verdade, mas muito pelo contrário, o seu rigoroso oposto. Só que a fé dispensa a realidade. A fé coloca os indivíduos numa outra galáxia. É o caso dos apoiantes de Trump que aparentemente acreditam que os democratas vigarizaram os resultados eleitorais, só porque o seu profeta Trump assim o afirma.

Ao esbanjar a perceção positiva que os outros tinham do seu comportamento, como quer o PCP ser considerado pelos que não partilham da mesma fé? Como podem todos os outros compreender ou aceitar que um determinado grupo tenha privilégios que a eles lhes são negados?

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