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29 de Dezembro de 2014 às 00:01

2014 – O ano do fim dos mitos?

Em jeito de balanço de fim de ano, penso que 2014 poderá vir a ser lembrado como um ano em que vários factos da vida política e social surpreenderam completamente os portugueses.

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Em 2014, os portugueses foram impactados por um conjunto de acontecimentos que, para a esmagadora maioria das pessoas, até ao início do ano de 2014 seriam quase impossíveis de acontecer. 


Desses factos ressalto três: a queda dos Espírito Santo – tidos como uma das mais influentes e inquestionáveis famílias nacionais; o desaparecimento da Portugal Telecom, tal como a conhecíamos; e uma aparente perda de impunidade de políticos. Todos estes acontecimentos são acompanhados pelos portugueses em episódios televisivos ou via imprensa, qual telenovela, ou melhor, à semelhança de um "reality show", já que grande parte dos episódios são seguidos ao vivo.

No caso da família Espírito Santo, dona de um banco que não tinha pedido ajuda pública e de um verdadeiro império empresarial, que valeu ao líder incontestado o cognome DDT (Dono Disto Tudo), muitos poucos esperariam que o desenlace fosse aquele a que assistimos actualmente em cada noticiário, com acusações mútuas entre os intervenientes da família e fora dela, nomeadamente por parte do Banco de Portugal.

Já na Portugal Telecom, um grupo de referência nacional, com impacto directo ou indirecto em muitas outras empresas portuguesas fornecedoras e na própria sociedade, dado o papel estratégico das telecomunicações em todos os sectores, os estilhaços das perdas do BES, e certamente outros factores relacionados com a visão e a estratégia dos sócios brasileiros, vêm pôr em causa a continuação do grupo, pelo menos no formato em que o conhecemos.

Por último, durante décadas criou-se também o mito da impunidade dos políticos que, independentemente da justiça ou injustiça da detenção de José Sócrates, está também a cair através de sucessivas acusações e julgamentos de personalidades da área política.

Numa sociedade cada vez mais mediática e com intensos megafones digitais, estes mitos poderão continuar a sua trajectória descendente quotidianamente, haja em vista o seu protagonismo recorrente nas aberturas de telejornal e em debates televisivos.

Sendo compreensível que os portugueses se sintam algo confusos ao ver as suas habituais convicções desmoronarem-se constantemente, a questão que se coloca para 2015, ano de eleições, é a de saber em que valores nós – portugueses – passaremos a acreditar.

Para sair da crise, o país precisa de acreditar no futuro e esse futuro apenas pode ser construído com uma visão do que queremos ser e com um conjunto de valores e princípios que sejam o cimento da nossa vida social.

Recordo, a este propósito, o livro "My Vision", do Sheikh Mohammed bin Rashid, do Dubai, escrito em 2006 . Esta visão foi capaz de transformar o Dubai, que passou de um país exportador de petróleo para um incontornável "hub" aeronáutico, com a companhia Fly Emirates, e de um centro financeiro para um país de férias, para milionários e para a classe média-alta, com factores de atracção de onde ressalta o maior "shopping center" do mundo. A verdade é que, graças à transformação operada, o petróleo apenas responde por 8% do PIB do Dubai, preparando-se um país que, antes do aparecimento do petróleo, era paupérrimo, para o período pós-petróleo.

E em Portugal, qual é a visão e qual a estratégia que os governantes – actuais ou futuros – nos propõem e que seja capaz de mobilizar a energia dos portugueses em vez de os fazer emigrar? Existem vários caminhos: temos um espaço linguístico de 200 milhões de pessoas, estamos integrados na União Europeia, temos uma zona marítima das maiores do mundo, uma população mais qualificada do que anteriormente, possuímos um tecido empresarial, sobretudo formado por pequenas e médias empresas, que se tem modernizado e que, em alguns sectores, tem sido muito bem sucedido e entrado, até, em mercados não convencionais. Acresce a conhecida amenidade do clima nacional e a tradicional facilidade de integração e contacto com outros povos.

Parece, assim, que o que falta é uma visão, um desígnio, uma estratégia mobilizadora para libertar a iniciativa económica das teias que impedem o seu crescimento, como é o caso da justiça e da burocracia asfixiante, bem como a criação de formas de cooperação para ganhar massa crítica na abordagem dos mercados, sobretudo os externos, como nos prova o sector do calçado. 

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