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Marmelete ou a balada do interior

Falhou o dever de informar, de envolver e organizar as populações no combate ao fogo e defesa das suas propriedades. O proprietário é o melhor defensor do seu património.

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Para mim, até ao dia 8 de Agosto último, Marmelete era apenas a terra do meu melhor professor de História. Em 1964, na Escola Industrial e Comercial de Faro, o professor de História Geral e Pátria atrevia-se a deturpar fortemente o programa oficial da disciplina para nos deliciar com as minuciosas descrições sobre a vida em geral, nos anos 1920, em Marmelete e em Coimbra e, em particular, das viagens entre estas duas localidades que o subversivo professor fazia para se deslocar entre o lar familiar e a universidade onde se licenciava em Letras.

 

Agora, 50 anos depois, no contexto do grande incêndio de Monchique, é o conjunto do povo de Marmelete que me dá uma nova lição que devo partilhar com os leitores.

 

De madrugada, cerca das 4h de quarta-feira dia 8, de forma agressiva e intimidatória, com informação insuficiente, a GNR - às ordens de inseguros e impreparados comissários políticos, obedecendo a directivas estritas de Lisboa - acorda a aldeia e irrompe aos gritos com ordens de que todos deverão abandonar a aldeia o que ameaçam de fazer cumprir "a bem ou a mal".

 

A população resistiu acabando a GNR por abandonar tão ou mais desorientada à saída como entrara à chegada. Vários elementos mais experientes da população deslocaram-se aos pontos estratégicos de observação e concluíram que a distância ao fogo e os ventos em curso de modo nenhum indicavam que fosse sensato desertar da aldeia.

 

Este episódio - pouco noticiado e comentado nos grandes media de expressão nacional - encerra importantes lições sobre a relação entre os decisores políticos e as populações, sobretudo as do interior.

 

Há 15 anos, no anterior grande incêndio de Monchique, o fogo chegou a Marmelete. Alguns saíram, mas a grande maioria da população ficou a combater o fogo. As casas foram defendidas.

 

Desta vez, em 2018, também outras aldeias - como Perna da Negra, Picota e Alferce -, contrariando as instruções desorientadas e medrosas dos comissários políticos, preservaram as suas vidas e bens.

 

Ao contrário do que alguns sublinharam, é certo que a GNR fez o seu dever, cumpriu ordens do Executivo. O erro residiu nestas ordens que resultaram da incompreensão das populações do interior, em particular, da ligação das pessoas às suas propriedades.

 

Falhou o dever de informar, de envolver e organizar as populações no combate ao fogo e defesa das suas propriedades. O proprietário é o melhor defensor do seu património.

 

Os resultados da estratégia errada dos decisores políticos no fogo de Monchique de 2018 são eloquentes. Foram retiradas as populações de 300 habitações. Reuniram-se, sem conter o fogo, durante sete dias, 1.800 bombeiros, 160 militares, 500 veículos e o essencial dos meios aéreos disponíveis (17).

 

A falha tem uma raiz ideológica profunda, conforme decorre do que atrás refiro.

 

Economista e professor no ISEG

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