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31 de Maio de 2020 às 17:30

Dinheiro para destruir, dinheiro para construir

É tempo de começar a construir um “novo” Portugal. Que o dinheiro a fundo perdido possa beneficiar a vida de cada um de nós e permitir a criação de condições para que as próximas décadas sejam de progresso e de distribuição mais justa da riqueza produzida.

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Finalmente a Europa parece ter acordado e entendido, como bem refere a comissária Elisa Ferreira, que “ou nos salvamos todos ou ninguém se salvará”. O programa de recuperação que está a ser negociado e o início da aplicação dos fundos do Quadro Financeiro Plurianual (2021/2027) representam mais uma oportunidade histórica para Portugal. As incertezas ainda são muitas, designadamente a atitude dos chamados “países frugais”, mas é seguro que a União Europeia está a entrar num novo ciclo em que o desenvolvimento económico e a coesão social parecem estar mais presentes na cabeça das lideranças dos principais países.

Portugal seria seguramente muito diferente se não tivesse assumido a vontade de “entrar na Europa”. Para o melhor e para o pior, os efeitos da integração são bem visíveis um pouco por todo o país. Desde a revolução nas infraestruturas até à moeda única há todo um mundo de oportunidades e de benefícios de que estamos e continuaremos a usufruir. A contrapartida foi a criação de um mercado interno e uma maior exposição das economias nacionais e das suas empresas à concorrência dos mais preparados e poderosos. Este choque afetou de forma muito dura diversos setores económicos especialmente na indústria, na agricultura e nas pescas. Os menos competitivos e os que não tiveram capacidade para se reinventar foram ficando para trás. A nossa dependência do exterior em certas áreas ou a desertificação do interior são consequências evidentes do modelo de desenvolvimento que foi adotado.

No mundo global de que somos parte, a dependência excessiva a que estamos sujeitos de alguns gigantes da produção massificada com custos difíceis de combater, ficou bem evidenciada nos últimos meses em razão das sucessivas fases de confinamento das grandes economias e que fizeram interromper muitos processos produtivos quer pela dificuldade de acesso às matérias-primas, quer pelo encerramento de muitas empresas, quer ainda pela abrupta quebra do consumo. A corrida que os Estados europeus fizeram ao mercado chinês para tentar adquirir todo o tipo de produtos, desde os mais básicos aos tecnologicamente mais sofisticados, é prova evidente da fragilidade em que nos encontramos e o sinal de alarme para a necessidade de uma estratégia de industrialização acelerada no espaço europeu.

Portugal nas décadas de 80 e 90 do século passado foi beneficiário de uma enorme quantidade de fundos que lhe permitiram modernizar-se e avançar em áreas importantes da vida coletiva como a educação, a formação profissional ou a saúde. Mas este dinheiro, para além dos abusos e da utilização indevida e irresponsável que teve em muitos casos, muitos sem castigo adequado, destruiu uma boa parte da nossa indústria, aniquilou a agricultura, desmantelou a nossa frota pesqueira e preferiu importar a produzir internamente.

Que o dinheiro que está para chegar seja para construir. Uma indústria e uma agricultura mais produtivas, diversificadas e modernas, preparadas para suprir necessidades internas e crescer nas exportações, serviços mais ágeis e mais integrados com os restantes setores aptos a responder aos desafios da inovação, uma escola que verdadeiramente prepare as novas gerações para um “mundo” muito diferente daquele que conhecemos até aqui e finalmente um Estado que assegure as suas funções essenciais mas que seja mais amigo dos cidadãos, mais dinamizador dos mercados, mais facilitador da atividade empresarial e menos despesista, menos intrusivo na vida das pessoas e das empresas, menos pesado no bolso de cada contribuinte. É tempo de começar a construir um “novo” Portugal. Que o dinheiro a fundo perdido possa beneficiar a vida de cada um de nós e permitir a criação de condições para que as próximas décadas sejam de progresso e de distribuição mais justa da riqueza produzida.

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