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Opinião
01 de Abril de 2018 às 20:03

Há vudu contabilístico no Montepio?

Chamam-lhe maquilhagem contabilística, malabarismo e até vudu. Não há nada que já não tenha sido dito sobre as contas da Associação Mutualista Montepio.

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A dúvida é tão monstruosa que deixou no ar uma torrente viscosa de medo e pavor por causa da utilização dos impostos diferidos para tapar os capitais próprios negativos. Na verdade, assumo desde já o meu humilhante ponto de partida: estou bastante atrasado face à turba ululante. Ainda me encontro naquele instante embaraçoso em que procuro compreender o que aconteceu ao longo destes anos todos para, então sim, fulminar numa só esplêndida frase os gestores da associação e todos os que por lá andaram. Nesse dia, serei - talvez, talvez... - mais um pequeno herói nas redes sociais.

 

Acontece que há qualquer coisa que me cheira esquisito neste processo de linchamento do Montepio. Primeiro, a contabilidade não é apenas aritmética. Contabilidade é aritmética com mistura de aromas artificiais e outros aditivos destinados a melhorar o aspeto e aumentar o prazo de validade. A quem acreditar no contrário, a esta espécie de vegans e puristas do Excel, eu deixo um simpático cumprimento pela magnífica credulidade. Depois de tantos desastres não é nada fácil manter esta fraternal candura. Chapéu para eles. Aos outros, aos que sabem que os números cantam o que queremos que eles cantem, dependendo do tipo de tortura a que os sujeitamos, além da amplitude das regras e tolerância dos reguladores, a esses eu sugiro mais algumas ampolas de cepticismo para tomar todas as manhãs e à noite ao deitar.

 

Portanto, é assim. Será preciso recordar as contas pré-falência do BES e do BPN, do espanhol Popular e do também defunto Lehman Brothers, além de um punhado de pequenos bancos alemães (até eles!), italianos e etc. para darmos de barato que os balanços dos bancos são pontualmente submetidos a todo o género de massagens que fazem desaparecer os nós e as entorses? E que mesmo quando não operam este milagre puramente estético - o prospecto que antecedeu o derradeiro e ruinoso aumento de capital do BES é o melhor exemplo -, os números enunciados tornam-se mudos face ao transe geral em que hoje vivemos? A hipótese de lucro fácil é o ácido que estamos sempre dispostos em enfiar goela abaixo. A ressaca, infelizmente, é um horror nacional.

 

Não são apenas os bancos. As contas das empresas também são pintadas com regalo e afinco. Ora cubistas, ora impressionistas, elas raramente são 100 por cento realistas. Não são um instantâneo dos factos. Como escrevi aqui há dias, são uma espécie de fotografia para uma revista de moda, recheadas de produção e ajudadas pelo indispensável photoshop que alisa as imperfeições. As grandes auditoras ajudam à festa. Certificam-se de que tudo está bem e com saúde de ferro até ao fatídico dia em que tudo deixa de estar bem e com saúde de ferro. Mas isso invariavelmente só acontece mais tarde, tarde demais, quando já nada é recuperável e a gritaria geral dilui a responsabilidade concreta de alguns - essa, sim, relevante para punir, além de fundamental para desencorajar crimes futuros.

 

A Associação Montepio usou os impostos diferidos, permitidos e portanto incentivados internacionalmente, para sair do buraco em que se encontrava. O que dizer? O fácil é reclamar com quem tomou a decisão, movido pelo legítimo interesse de manter a operação à tona de água, usando para isso a porta das traseiras da contabilidade. O difícil é aceitar que talvez o que esteja errado sejam as regras que aceitam um grau infinito de alternativas - até às IPSS -, que tornam impossível distinguir, no papel e preto no branco, uma empresa quase falida duma outra em razoável saúde financeira.

 

Nos dias que correm não é mesmo fácil separar o trigo do joio. O julgamento torna-se ainda mais difícil quando ao tuti-fruti contabilístico se junta a propriedade difusa por mais de 600 mil cabeças sem um dono ou um grupo de accionistas de referência com músculo e influência suficientes para dar algum rumo ao barco. Neste caso, que é o caso da Associação Montepio, a fortíssima corrente de interesses, ambições e disputas internas, além da feroz concorrência externa para abocanhar um mercado financeiro empobrecido, abre permanentes zonas de conflito e manipulação. É este o ponto em que estamos. Não é tempo de condenar, é o momento para investigar e pensar. A história não acaba certamente aqui.

Este artigo está em conformidade com o novo acordo ortográfico

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