Opinião
Ainda bem que me faz essa pergunta
Macbeth é muitas vezes chamada "a peça escocesa", um eufemismo usado para não dizer o título associado a tantos azares que acontecem quando a tragédia escrita por Shakespeare é posta em cena.
Li este fim de semana que um certo actor, demolido pela asneira que acabara de lhe sair em palco, e que o envergonhara sem perdão, deixando-o petrificado de remorso, procurara o refúgio dos arbustos atrás do teatro para se suicidar com uma faca aguçada.
Felizmente, há muitos outros episódios cénicos menos fatais, alguns recheados de humor e que até valorizam a representação. O ator que em vez de dizer, pausada e dramaticamente, "a rainha....meu senhor... morreu....", acaba espatifando o pathos com um lúbrico desvio pessoal: "A rainha... meu senhor... é muito, muito melhor."
Certamente que a rainha é muito melhor – não se trata de ser ou não ser –, mas o que importa sublinhar é a tendência para a catástrofe que envolve Macbeth e que de certa forma é idêntica ao caminho que todos os chefes políticos portugueses acabam por seguir quando se tornam primeiros-ministros. É uma questão de tempo: a maldição repete-se.
Depois das primeiras decisões no sentido adequado, a seguir a subirem ao palco cheios de intenções e com um guião mais ou menos estabilizado – com direção e propósito – a certa altura os líderes de governo perdem o fio ao texto. O argumento político inicial cede o lugar a irrupções e guinadas. Surgem decisões estrambólicas. O improviso ataca.
A história do Infarmed e do bizarro solilóquio de ontem em Aveiro são dois exemplos pintados de fresco, embora com explicações um pouco diferentes. Na deslocalização precipitada do Infarmed ressalta a ânsia em agradar – ao eleitorado do norte – sem preparar a decisão. Tivesse António Costa apresentado um plano nacional para descentralizar direcções-gerais, serviços e as chamadas unidades de missão, juntando-lhe calendário e custos associados, então a andorinha traria com ela realmente a Primavera.
Aqui estava uma reforma do Estado que todos os partidos apoiariam. Mas a forma como se faz e as escolhas que se adotam têm de ter pés e cabeça: o Infarmed no Porto faz tanto sentido como em Lisboa, talvez até faça menos pelos exorbitantes custos da mudança num momento sensível das contas públicas, etc., etc.
E depois temos o solilóquio de Aveiro. Há um ano a experiência fora um fracasso, um embaraço político face à docilidade da plateia -- ainda bem que me faz essa pergunta, deveria ser o título no cartaz deste teatro de banal propaganda. Mas Costa não apreendeu, nem ninguém à volta dele quis perceber. Bastava estudar Sócrates – o filósofo e o outro –, para concluir que o diálogo não serve para ouvir respostas preparadas à lá minute, mas para elevar o debate. O eco é a apenas a aparência oca da concordância.
Ouvir as pessoas, descentralizar o Estado e, já agora, reorganizar a carreira dos professores -- cá estão três propósitos políticos nobres e decisivos que o Governo despachou de supetão para se admirar ao espelho e ser admirado. Quem gosta de ser adulado é digno do adulador, escreveu Shakespeare. Pois é: o primeiro-ministro é hoje o protagonista de um peça amaldiçoada. O drama da impreparação ou a comédia de interesses seguem dentro de momentos? É o que iremos ver. Aguardemos sentados, como talvez me dissesse o Pedro Rolo Duarte.
Este artigo está em conformidade com o novo acordo ortográfico
Felizmente, há muitos outros episódios cénicos menos fatais, alguns recheados de humor e que até valorizam a representação. O ator que em vez de dizer, pausada e dramaticamente, "a rainha....meu senhor... morreu....", acaba espatifando o pathos com um lúbrico desvio pessoal: "A rainha... meu senhor... é muito, muito melhor."
Depois das primeiras decisões no sentido adequado, a seguir a subirem ao palco cheios de intenções e com um guião mais ou menos estabilizado – com direção e propósito – a certa altura os líderes de governo perdem o fio ao texto. O argumento político inicial cede o lugar a irrupções e guinadas. Surgem decisões estrambólicas. O improviso ataca.
A história do Infarmed e do bizarro solilóquio de ontem em Aveiro são dois exemplos pintados de fresco, embora com explicações um pouco diferentes. Na deslocalização precipitada do Infarmed ressalta a ânsia em agradar – ao eleitorado do norte – sem preparar a decisão. Tivesse António Costa apresentado um plano nacional para descentralizar direcções-gerais, serviços e as chamadas unidades de missão, juntando-lhe calendário e custos associados, então a andorinha traria com ela realmente a Primavera.
Aqui estava uma reforma do Estado que todos os partidos apoiariam. Mas a forma como se faz e as escolhas que se adotam têm de ter pés e cabeça: o Infarmed no Porto faz tanto sentido como em Lisboa, talvez até faça menos pelos exorbitantes custos da mudança num momento sensível das contas públicas, etc., etc.
E depois temos o solilóquio de Aveiro. Há um ano a experiência fora um fracasso, um embaraço político face à docilidade da plateia -- ainda bem que me faz essa pergunta, deveria ser o título no cartaz deste teatro de banal propaganda. Mas Costa não apreendeu, nem ninguém à volta dele quis perceber. Bastava estudar Sócrates – o filósofo e o outro –, para concluir que o diálogo não serve para ouvir respostas preparadas à lá minute, mas para elevar o debate. O eco é a apenas a aparência oca da concordância.
Ouvir as pessoas, descentralizar o Estado e, já agora, reorganizar a carreira dos professores -- cá estão três propósitos políticos nobres e decisivos que o Governo despachou de supetão para se admirar ao espelho e ser admirado. Quem gosta de ser adulado é digno do adulador, escreveu Shakespeare. Pois é: o primeiro-ministro é hoje o protagonista de um peça amaldiçoada. O drama da impreparação ou a comédia de interesses seguem dentro de momentos? É o que iremos ver. Aguardemos sentados, como talvez me dissesse o Pedro Rolo Duarte.
Este artigo está em conformidade com o novo acordo ortográfico
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