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03 de Abril de 2017 às 19:55

Viver no centro da cidade

As propostas ficam bem no papel: limitar rendas, impedir despejos, dar direitos. Quem as defende aparece como gente com soluções, preocupada com os mais fracos, interessando pouco que sejam os mais fracos a sofrer os efeitos perversos das propostas.

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Têm surgido propostas para favorecer o arrendamento no centro das cidades, todas condicionando os proprietários de imóveis: rendas controladas, limitação do alojamento local, restrições ao despejo, prazos mínimos de arrendamento, etc. As esquerdas vão apresentar iniciativas neste sentido.

 

Sucede que tais propostas foram implementadas inúmeras vezes em inúmeros países e o resultado foi sempre o mesmo e sempre desastroso: redução do número de casas para arrendamento, aumento das rendas, fuga para a economia paralela, deterioração das casas e incremento do mercado de compra e venda.

 

Se estas propostas tiveram maus resultados, por que razão se insiste nelas? Mal recuperados dos efeitos do congelamento de rendas, como voltar a olhar para essa proposta, ou para outras de espírito semelhante?

 

Respondo com um artigo de Paul Krugman, "Reckonings; A Rent Affair", para que não me acusem de liberalismo: "O mecanismo das rendas controladas é dos mais bem compreendidos em toda a economia e, entre os economistas, dos menos controversos. Em 1992, a American Economic Association concluiu que 93% dos seus membros concordavam que um limite ao valor das rendas reduzia a qualidade e a quantidade de casas disponíveis. Quase todos os livros de introdução à economia usam as rendas controladas para, recorrendo aos seus conhecidos efeitos adversos, ilustrar os princípios da oferta e da procura. (…) Mas as pessoas literalmente não querem saber. Há meses, quando um funcionário da cidade de São Francisco propôs um estudo sobre a crise habitacional, houve oposição das associações de inquilinos, argumentando que o estudo era já um passo para o fim das rendas controladas - e tinham provavelmente razão, porque estudar o assunto ainda levaria ao reconhecimento do óbvio." (tradução livre).

 

É o que se passa na discussão sobre o problema habitacional em Lisboa (que é muito antigo, anterior ao crescimento do turismo): sabe-se que as propostas só agravam o problema, mas quem as apresenta e discute não quer saber disso para nada.

 

Como explicar este paradoxo? Por três motivos, que dizem muito sobre o nosso debate político, sobretudo em ano de eleições locais.

 

Em primeiro lugar, as propostas ficam bem no papel: limitar rendas, impedir despejos, dar direitos. Quem as defende aparece como gente com soluções, preocupada com os mais fracos, interessando pouco que sejam os mais fracos a sofrer os efeitos perversos das propostas.

 

Em segundo lugar, esses efeitos perversos não se veem quando se enunciam as propostas. Quando se fala em impedir despejos, só se vê o lado visível, o de dificultar o despejo, não se vê, não se fala, do efeito que isso terá: se os proprietários, nem todos ricos, não podem despejar, também não vão arrendar, e lá se reduzem as casas disponíveis.

  

Em terceiro lugar, os beneficiários de curto prazo das propostas, os atuais inquilinos, nem todos carenciados, são um eleitorado identificado, que vai reconhecer a proposta, aplaudindo-a. Já os prejudicados, os inquilinos potenciais, um eleitorado difícil de identificar, nem se apercebem de que as propostas lhes tornarão o arrendamento mais complicado.

 

São estes incentivos que explicam que olhemos para propostas reconhecidamente desastrosas, embora aplaudidas, e não para estudos e propostas sustentadas, em que ninguém parece estar interessado porque não ficam bem no papel ou ainda dão o ar de proteção de ricos e poderosos.

 

Não vai correr bem, claro, mas ninguém vai assumir a responsabilidade porque as propostas são todas bem-intencionadas. E isto diz muito sobre a incapacidade que temos de aprovar, executar e manter as chamadas reformas estruturais.

 

Advogado

 

Artigo em conformidade com o novo Acordo Ortográfico

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