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Múmia do Peru vestiu o "verde" da Natura Pura

A ameaça da globalização, o movimento ecologista e uma descoberta histórica na América do Sul ergueram o nicho bracarense de roupa para bebés, que tem dez lojas em Portugal e acaba de abrir duas em Madrid.

25 de Novembro de 2014 às 00:01
Paulo Duarte
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A ameaça. Em meados dos anos 1990 começavam as negociações que iriam redundar no acordo mundial de comércio. Quem só fabricava para as marcas de clientes ("private label") na Europa previa que os equilíbrios até aí existentes iriam alterar-se por completo com a entrada de competidores asiáticos e do Norte de África para disputar este apetecível mercado para os têxteis e vestuário.


A tendência. No final do século surgem fortes movimentos ecologistas, como o anti-nuclear na Europa Central e contra as chuvas ácidas. Antes ligado à "esquerda anárquica, hippies e algum folclore", vira tema transversal e com peso político, induzindo alterações sociais e comportamentais no Velho Continente. Os Verdes chegam ao poder na Alemanha, coligados com o SPD.


O "clique". António Ressurreição viu na TV uma reportagem sobre a descoberta de uma múmia de uma criança no Sul do Peru, envolta em peças de algodão coloridas. Surpreendido com a resistência do material e as cores vivas, meteu-se num avião e foi lá "saber como é que aquilo acontecia". "Para surpresa minha, que sou engenheiro têxtil, soube que afinal há algodão que já nasce colorido. Pela questão industrial, o branco é o mais procurado; os outros precisam de ser descolorados para voltar a tingir. Além de caro, torna a fibra resistente e menos flexível", frisa o empresário.

 

A nossa percepção em meados dos anos 1990 foi que isto [negociações para
o comércio livre] ia alterar, por completo, os equilíbrios
que até aí existiam.

 

Os movimentos ecológicos eram ligados à esquerda anárquica, a ‘hippies’, a algum folclore, mas isto foi alargando
e hoje é transversal.

 
António Ressurreição
Administrador da Natura Pura

Em resumo: era preciso encontrar um nicho em que não fosse engolido pela concorrência, indo ao encontro de preocupações ambientais num sector com uma carga poluente muito significativa em toda a cadeia produtiva – desde a plantação do algodão aos acabamentos têxteis. E criar uma marca com valores intemporais e universais: bem-estar, defesa da saúde (da pele, neste caso), sustentabilidade e protecção da Natureza. "Em 1999 isto não era óbvio, bem pelo contrário".


Nascia a Natura Pura: vestuário para bebés dos zero aos 24 meses e atoalhados de banho, tudo produzido com algodão biológico do Peru, Israel e Turquia nas cores naturais da matéria-prima: cru, castanho e verde. Além do "core" dos recém-nascidos, o accionista (o outro, individual e maioritário, é Armando Azevedo) quer chegar a clientes de outras idades e com produtos,  como a roupa de cama, que sobrevivam ao "handicap" do seu conceito purista. Ou seja, em que a cor, um elemento fundamental da moda, não seja argumento decisivo na escolha.


Com fabrico integral em Portugal – e o valioso rótulo ecológico europeu em todos os produtos –, a Natura Pura tem dez lojas próprias em Portugal, empregando 130 pessoas.

 

Além do mercado interno, em que às dificuldades da retracção do consumo soma a descida "significativa e preocupante" da taxa de natalidade e a contrafacção em várias feiras, a marca bracarense faz 50% das vendas anuais de 1,7 milhões de euros numa dezena de mercados externos. Os melhores são França, Itália, Rússia e Alemanha, que somam a Espanha, onde em Setembro abriu duas lojas, ambas em Madrid. Uma estratégia, indicou Ressurreição, que "é provável que agora se reproduza para mais lojas e para outros países".

 

 
Grupo inclui moda de luxo e têxteis técnicos
Além da Natura Pura, criada em 1999 e que chegou ao mercado em 2004, o Grupo Sici 93 tem duas outras participadas. Em 2013, vinte anos após ser fundado, o grupo facturou 12 milhões de euros.
 

SÓ NÃO DÁ ESTILISMO À ALTA-COSTURA
Na origem do grupo, em 1993, está a SICI 93, que trabalha no regime de "private label", especializada no sector da moda e 100% exportadora. "Não somos uma fotocopiadora, no sentido de alguém chegar aqui: ‘temos estas peças para fazer, qual o preço e prazo de entrega?", clarifica António Ressurreição. Até porque não é o modelo no segmento de luxo. Em parceria com reputados clientes internacionais – como Raf Simons, designer de moda belga que tem a sua própria marca e é director criativo da Christian Dior – é feito todo o desenvolvimento do produto, desde os materiais (matérias-primas, texturas, malhas e tecidos) aos processos. "Tudo faz parte do design. As pessoas confundem-no com estilismo, que é uma só componente", frisa o empresário. É aí que o cliente dá a "assinatura pessoal", mas o processo continua em Braga, com os módulos, o "fitting", os ajustamentos e a elaboração das colecções. O serviço da SICI 93 pode terminar aí, mas normalmente o cliente também lhes encomenda a produção que estará à venda nas lojas de todo o mundo.

 

DA NEVE ÀS "MAMINHAS" SUBIDAS
Em 2005 o grupo entrou nos têxteis técnicos, usados para funções muito específicas. A Playbest é mais tecnológica, mas igualmente 100% exposta ao comércio internacional, já que produz para as grandes marcas internacionais da especialidade. António Ressurreição dá alguns exemplos do que fazem: vestuário especial para as grávidas (pré e pós-parto); roupa de "shaping" por motivações estéticas ("para moldar a forma do corpo porque as pessoas querem disfarçar a barriguinha, pôr as maminhas um bocadinho mais para cima"); roupa com características funcionais em termos de suor ou de ventilação para usar debaixo dos fatos de neve; t-shirts e roupa interior com determinado tipo de características técnicas para os desportos motorizados.

 

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