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A história secreta da Libor: o banqueiro que criou um monstro

Na década de 1990, a Libor estava consolidada no sistema como a referência para tudo, de hipotecas e empréstimos estudantis a swaps.

03 de Dezembro de 2016 às 15:00
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Resultado de uma grande pesquisa e de um pouco de matemática, a Libor ajuda a fixar taxas de juro no mundo inteiro, influenciando o preço de mais de 300 biliões de dólares em hipotecas, empréstimos e derivados. Apesar da sua omnipresença, pouca gente fora do mundo das finanças tinha ouvido falar da Libor antes de 2012, quando reguladores descobriram que alguns bancos – entre eles o Barclays, o UBS e o Citigroup –, em conluio, tinham conspirado para manipular a taxa de juro de referência, sendo então alvo de uma multa de 9 mil milhões de dólares.


No excerto que se segue, da obra The Fix (Wiley, Dezembro de 2016), um livro sobre o escândalo Libor que será publicado em breve, os jornalistas Gavin Finch y Liam Vaughan, da Bloomberg, seguem o rasto desse número misterioso.


Em 1969, Neil Armstrong caminhou na Lua, Richard Nixon foi eleito presidente dos EUA e 400.000 hippies reuniram-se numa tranquila quinta de Nova Iorque perto de Woodstock. Do outro lado do Atlântico, num dia de Inverno em Londres, um banqueiro grego de bigode, chamado Minos Zombanakis (na foto), dava o seu próprio pequeno passo para entrar na história. Tinha inventado uma nova maneira de emprestar grandes quantidades de dinheiro às empresas e países que queriam pedir dólares emprestados, mas que preferiam evitar os rigores da regulamentação financeira dos EUA.


Enquanto o sol se punha sobre os telhados do West End londrino, Zombanakis estava de pé, ao lado da sua mesa, no novo escritório do último andar da Manufacturers Hanover, a beber champanhe e a comer caviar com o presidente do banco central do Irão, Khodadad Farmanfarmaian. Zombanakis tinha acabado de dar o maior empurrão à sua carreira ao assinar um empréstimo de 80 milhões de dólares para o xá do Irão, que estava com problemas financeiros. Os iranianos tinham levado o caviar beluga e Zombanakis contribuiu com o champanhe vintage – a festa durou pela noite fora.


O empréstimo ao Irão foi um dos primeiros a cobrar uma taxa de juro variável, que reflectia mudanças nas condições do mercado, e que seria repartida por um grupo de bancos. No sério mundo da década de 1960, foi algo tão revolucionário quanto poisar na Lua, mas celebrado com menos fanfarra: e foi assim que se marcou o nascimento da Libor.


"Senti uma sensação de realização ao montar tudo aquilo, mas não imaginei que estivéssemos a preparar o terreno para um novo período no mundo financeiro", diz Zombanakis, que hoje mora em Kalyves, na ilha de Creta, entre as mesmas oliveiras que a sua família cuida há gerações. "Nós só estávamos a precisar de uma taxa para o mercado de empréstimos sindicados com a qual todos ficassem contentes. Quando se começa com uma coisa destas, nunca se sabe como elas vão acabar, como vão ser usadas."


Problema


Minos Zombanakis conheceu Farmanfarmaian em Beirute em 1956 e os dois tinham-se dado muito bem. Por isso, quando os iranianos precisaram de dinheiro, foram directamente ao escritório da Manufacturers Hannover Trust, conhecida como "Manny Hanny", na Upper Brook Street no exclusivo bairro londrino de Mayfair.

Zombanakis sabia que nenhuma empresa emprestaria a título individual 80 milhões de dólares a um país em desenvolvimento que não tinha reservas de moeda estrangeira suficientes para cobrir a dívida. Assim, ele e a sua equipa inventaram uma solução: cobrar aos mutuários uma taxa de juro recalculada de tantos em tantos meses e financiar o empréstimo com uma série de depósitos com maturidade renovada. 


A fórmula era simples. Os bancos do consórcio que faria o empréstimo sindicado informariam sobre os seus custos de financiamento um pouco antes da data de renovação dos empréstimos. A média ponderada, arredondada para o oitavo de ponto percentual mais próximo, mais um "spread" para os lucros, era o preço do crédito do período seguinte. Zombanakis deu-lhe o nome de taxa interbancária oferecida em Londres (London interbank offered rate).


Swaps


À medida que os mercados financeiros de Londres ganharam asas, foram-se tornando cada vez mais complexos. Poucos anos depois, a Libor, que começou por ser uma ferramenta para precificar créditos e títulos individuais, passou a ser uma referência para transacções de centenas de milhares de milhões de dólares com derivados. A principal característica desses novos derivados era o swap de taxas de juro, que permitia às empresas mitigarem o risco da variação das taxas de juro.


O swap foi inventado num período de volatilidade extrema das taxas globais, na década de 1970 e inícios da década de 1980. O conceito é simples: duas partes concordam em trocar pagamentos de juros sobre um montante determinado, num período fixo; na sua forma mais básica e comum, uma parte paga uma taxa fixa acreditando que as taxas de juros vão subir e a outra paga uma taxa variável apostando que vão cair. A parte variável do contrato está ligada, na maioria dos casos, à Libor.


Não eram só os tesoureiros de empresas que os compravam. Como os swaps não precisam de grande adiantamento de capital, oferecem aos traders uma forma muito mais barata de especular sobre movimentos nas taxas de juro do que as obrigações soberanas. Em pouco tempo, os bancos tinham acumulado posições enormes nestes instrumentos.


Na década de 1990, a Libor estava consolidada no sistema como a referência para tudo, de hipotecas e empréstimos estudantis a swaps. Mas ela cimentou a sua posição no coração dos mercados financeiros quando foi adoptada pelo Chicago Mercantile Exchange (CME) como taxa de referência para os contratos de futuros em euro-dólares.


A maioria dos participantes do mercado não se preocupou com a transição do CME para a Libor, mas pelo menos duas pessoas ligadas à banca alertaram os reguladores para o facto de ser uma decisão perigosa, reportou mais tarde a Reuters.


Uma dessas pessoas foi Marcy Engel, advogada no Salomon Brothers, que no fim de 1996 escreveu ao órgão regulador do mercado de derivados dos EUA, a Comissão de Negociação de Futuros de Commodities (CFTC, na sigla em inglês), alertando que a mudança encorajaria os traders a cometerem "trapaças". "Um banco poderá ter a tentação de ajustar as suas ofertas de compra e de venda mais perto do momento de fixação do preço da Libor, de modo a beneficiar as próprias posições", escreveu ela.


A outra pessoa foi Richard Robb, de 36 anos, trader de taxas de juro na DKB Financial Products em Nova Iorque que, numa carta à CFTC, sugeriu que as empresas poderiam sentir a tentação de apresentar preços mais baixos em momentos de apuros para esconder quaisquer dificuldades de financiamento. "Já naquela época me parecia que a Libor era vulnerável à corrupção", diz Robb, que hoje é CEO da Christofferson Robb e professor na Universidade de Columbia. "Estava pronta para explodir. Foi construída de uma forma que servia o propósito original, mas quando se tornou tão dominante deveria ter sido reforçada e ter sido assente em bases mais firmes."


Mercado de ‘cavalheiros’


Na verdade, manipular a Libor era muito mais fácil do que se pensava. O que as autoridades mundiais não reconheciam era que até mesmo credores que faziam apresentações [dos custos de financiamento] muito altas ou muito baixas para serem incluídas no cálculo final podiam influir no valor fixado para a Libor porque eles voltavam a incluir no pacote uma taxa excluída anteriormente.


Os traders com enormes posições em derivados só precisavam de fazer mover a taxa alguns poucos centésimos de ponto percentual para obterem grandes lucros, e a influência deles era suficientemente pequena para evitarem ser detectados. Com uma carteira de 100 mil milhões de dólares em swaps de taxas de juro, um banco podia ganhar milhões de dólares com um deslocamento de um ponto-base.


Da sua sala em Kalyves, Zombanakis pode ver a casa onde cresceu. Ele diz que às vezes é difícil reconhecer o moderno mundo da banca de investimento, em que os operadores levam para casa bonificações de milhões de libras esterlinas e enganam os clientes num piscar de olhos. Farmanfarmaian, que morreu no ano passado, e muitos outros clientes foram seus amigos a vida inteira. "Naquela época, o mercado era pequeno e dirigido por alguns cavalheiros", diz Zombanakis.

"Cavalheiros não tentariam manipular as coisas assim. Mas quando o mercado cresceu, deixou de ser possível confiar. Não era possível controlá-lo. Hoje, os bancos são como um mercado negro de prostituição dirigido por proxenetas. Simplesmente há muito dinheiro envolvido", lamenta. 

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