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A estranha história das duas OPA à Cipan
Primeiro, veio uma proposta de compra de uma pequena parte da empresa vinda dos EUA. A administração não gostou. Seguiu-se uma troca accionista que obrigou a uma outra OPA, esta vinda de Espanha. Uma é a 45 cêntimos. A outra a 14. A história continua a ser escrita.
A Cipan é uma empresa discreta para os grandes investidores. Está cotada na EasyNext, um segmento do mercado bolsista português com regras de admissão mais flexíveis. Companhia Industrial Produtora de Antibióticos é o nome da empresa, sediada na Vala do Carregado, em Castanheira do Ribatejo. É antiga: 1963 é o ano da fundação da sociedade que produz e comercializa ingredientes activos farmacêuticos. A Cipan está agora no centro de duas ofertas de compra, distintas entre si.
Foi em pleno Agosto que a Cipan foi alvo de uma oferta pública de aquisição parcial e voluntária da Chartwell Pharmaceuticals, com sede em Nova Iorque. Parcial porque o comprador só quer 8,18% do capital da empresa. Voluntária porque não tinha qualquer obrigação de a lançar (uma informação que faz sentido à luz do que acontecerá no futuro). São 2 milhões de acções que aquela empresa norte-americana fundada em 2010 quer juntar às 489.039 que já detém, cerca de 2%.
Para conseguir chegar a 10% do capital da Cipan (condição essencial para o sucesso da oferta), o grupo americano oferece 45 cêntimos por cada uma das acções numa operação intermediada pelo CaixaBI. Um investimento que ascenderá, caso consiga a venda por parte dos pequenos accionistas, a 900 mil euros.
"A realização da presente oferta destina-se a possibilitar à oferente a aquisição de uma participação relevante na sociedade visada que lhe permita contribuir para o seu desenvolvimento enquanto accionista de referência", assinala o anúncio de 25 de Agosto, em que o grupo dos EUA indica que pretende manter a estratégia da Cipan ainda que "sem prejuízo de continuar a avaliar os negócios" e de "vir a propor a implementação dos actos que julgue apropriados de acordo com as circunstâncias".
Neste momento, a Cipan, que exporta 90% da sua produção, é uma empresa controlada pela Atral-Cipan, que tem (ou tinha, mas isso só se saberá mais à frente) 85,37% do capital. O restante está disperso pelo público em geral. O fundador, Sebastião Alves, tinha 87 acções no final do ano e um outro administrador, António Martins, também era accionista.
Um preço elevado com que a gestão não concorda
Como em todas as operações, a OPA do grupo americano teve de ser alvo de uma opinião da administração. A equipa liderada por Teresa Alves, filha do fundador, lança fortes críticas à proposta do investimento americano. Uma das questões é precisamente: quem é esta empresa? "Dos elementos de identificação que, sobre si, a Chartwell apresenta (…) nada – ou muito pouco – se diz em concreto sobre os produtos que comercializa, serviços que presta e sobre os mercados em que actua". Também restam dúvidas sobre "as reais intenções" da oferta.
Uma das questões que suscita dúvidas à equipa de Teresa Alves é o preço oferecido. A contrapartida prometida é 45 cêntimos. Ora, entre Setembro de 2013 e Maio de 2016, "as acções da Cipan tiveram pouca liquidez, sendo transaccionadas em quantidades pouco significativas e por valores relativamente constantes (entre 8 e 12 cêntimos)".
"A partir de Junho/Julho de 2016, houve uma subida significativa dos preços de negociações das acções, subida essa que o conselho de administração julga coincidir com o período no qual Jack Goldenberg terá adquirido acções representativas de cerca de 2% do capital social da Cipan". Daí que, tendo em conta aquelas cotações, a administração considere que o preço oferecido "representa um prémio significativo mas pouco usual". Além disso, a cúpula da Cipan, defende que, como a oferta é apenas sobre 8% do capital, não dá garantias a todos os accionistas, já que há 14% do capital disperso.
A irritação da administração
No relatório da administração à OPA da Chartwell, são lançadas farpas à postura de Jack Goldenberg, identificado como único accionista e administrador da empresa que lançou a operação. Segundo a Cipan, houve "contactos directos" entre o investidor e "alguns quadros da Cipan". Os contactos visavam a possibilidade de alguns trabalhadores passarem a ser funcionários directos da Chartwell "em condições que se revelem de interesse mútuo para ambos".
"O conselho de administração considera que tais contactos (…) não são usuais, considerando que as mesmas não concorrem para a defesa dos interesses da Cipan nem para a defesa dos direitos e interesses legítimos dos trabalhadores", indica o documento do conselho de administração. Os membros do conselho que têm acções (Sebastião Alves era um deles, no final de 2015) recomendaram a não aceitação desta oferta.
A administração da Cipan conta que a Atral-Cipan esteve em negociações com a Chartwell para a compra e venda da posição de 85,37%, "negociações essas que não tiveram sucesso por razões que a Atral-Cipan atribui como sendo exclusivamente imputáveis à Chartwell". A equipa de Teresa Alves explica que há um litígio judicial entre a Cipan e a Chartwell. "Em Agosto de 2015, a Cipan forneceu à Chartwell determinada matéria-prima. Apesar de, por várias vezes ter sido instada para o fazer, a Chartwell não pagou à Cipan os montantes devidos pelo fornecimento da referida matéria-prima, montantes esses que orçam o valor de 232 mil dólares norte-americanos". Ao câmbio actual, este montante corresponde a 207 mil euros. A Cipan foi para tribunal com uma acção de cobrança do crédito.
Um outro dono
No mesmo dia em que o relatório da administração foi divulgado, a 23 de Setembro (um dia depois do conselho de administração ter deliberado o seu conteúdo), foi revelada uma alteração accionista. A Atral-Cipan desfez-se da sua participação mas não vendendo ao empresário americano.
A Atral-Cipan vendeu, sim, a sua posição de 85,37% na Cipan, por via de um contrato de compra e venda assinado no dia 23, à Lusosuan, "controlada pela sociedade Suan Farma". Uma sociedade espanhola, nascida em 1993, que produz e comercializa matérias-primas farmacêuticas. "A Atral-Cipan deixou de ter qualquer participação na Cipan". O negócio foi feito a 14 cêntimos por acção, ou seja, significou um investimento de 2,9 milhões de euros.
Tudo isto depois de o Público ter noticiado, a 7 de Setembro, que a Atral, a outra empresa do grupo, foi comprada pela empresa peruana Medifarma. Apesar de tentativas por telefone e por e-mail, não foi possível falar com a Altri-Cipan nem com a Cipan.
Afinal havia outra
Ora, o que acontece é que há aqui um novo accionista. E segundo as regras do Código de Valores Mobiliários, quando uma empresa supera uma determinada fasquia (um terço ou metade) dos direitos de voto, tem de lançar uma oferta pública de aquisição. Ao contrário da do empresário americano, esta não é voluntária porque, como passou a ter mais de metade dos direitos de voto, a Lusosuan foi obrigada a lançar uma OPA.
A Lusosuan está sediada na Rua da Estação, nº42, Vala do Carregado. Exactamente a mesma morada da Cipan. Uma consulta ao Portal da Justiça revela que a Lusosuan, que pertence aos espanhóis da Suan Farma, foi constituída a 19 de Setembro deste ano.
A oferta geral e obrigatória, que conta com o Haitong Bank como intermediário financeiro, é sobre 14,63% do capital da Cipan, que é a parcela do capital que não detém. Aqui, a contrapartida oferecida é 14 cêntimos por acção. 69% abaixo do preço oferecido pelo americano. Três vezes mais baixo. O valor "corresponde ao preço pago pelo oferente pelas acções adquiridas nos termos do acordo" com a Atral-Cipan.
O Haitong Bank é o intermediário financeiro da oferta geral e obrigatória sobre 85,37% do capital da Cipan.
Com a operação, a Suan Farma pretende "reforçar a sua estrutura de negócios através de uma inclusão de uma empresa industrial reconhecida". Se conseguir comprar todas as acções que lhe faltam, a empresa espanhola terá de fazer um esforço de 500 mil euros a juntar aos 2,9 milhões pagos na compra e venda.
A empresa espanhola, se conseguir superar os 90% do capital social da Cipan com a oferta, pondera pedir a perda de qualidade de sociedade aberta da Cipan. Ou seja, sair do mercado, abandonado a Easynext, tornando a empresa mais discreta para os grandes investidores.