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O CEO que conduz a Uber por maus caminhos

A espiral de escândalos que tem caracterizado os últimos meses da vida da Uber, em particular nos Estados Unidos, não é nova, mas reflecte um agravamento da total ausência de ética que norteia a empresa no que respeita à sua cultura organizacional. E porque esta última é indivisível de quem a lidera, há quem peça a cabeça do seu CEO. Mas entre desculpas e promessas, Travis Kalanick vai conduzindo os destinos da empresa como sempre o fez: de forma agressiva, amoral e desrespeitando todos os sinais vermelhos possíveis

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Imagine que é um jornalista e que, face às últimas notícias que têm vindo a lume sobre a conduta pouco ética da Uber, resolve explorar um pouco mais sobre a empresa e dá início a uma pesquisa simples no Google, através dos termos igualmente simples "missão" ou "core values". Pela lógica, e antes de começar a ler os vários artigos já feitos sobre a mesma temática e seguindo o "raciocínio" do motor de busca, começará por visitar o website da empresa e procurar os ditos.


Mas e quando o faz, das duas uma (ou das duas, duas): o seu programa de antivírus alerta-o com habitual aviso para websites não seguros "Tráfego de rede criptografado" e, mesmo que queira "ignorar" o alerta, não o deixa continuar; ou, simplesmente, quando digita www.uber.com é imediatamente redireccionado para o site da empresa em Portugal, no qual não existe qualquer tipo de informação sobre a tal missão ou valores subscritos pela multinacional americana. [o redireccionamento para as "filiais" nacionais das multinacionais acontece em alguns casos]

Porque esta situação não é incomum, e enquanto jornalista ou simples "interessado" no tema, tenta contornar a situação e insiste, optando por outros termos de pesquisa, mudando de browser e pedindo a amigos que o tentem ajudar, visto que esta "barragem" poderá estar relacionada com algum tipo de ineficiência tecnológica. Sem resultado. Não existe acesso aos "valores da empresa" e, passando à fase seguinte – procurar artigos escritos por fontes internacionais de referência sobre os mesmos – descobre que, apesar de, supostamente, a Uber contar com 14 "core values", ninguém os consegue enunciar a todos – apenas três ou quatro – a não ser informar que os mesmos tiveram como inspiração os 14 princípios de liderança de um dos gigantes da tecnologia, a nossa bem conhecida (e nem sempre pelas melhores razões éticas) Amazon. Pois foi exactamente o que aconteceu na elaboração deste artigo.

Depois deste longo pseudo-preâmbulo, não é exagerado afirmar que se a ideia é escrever um artigo sobre as falhas éticas da cultura organizacional da empresa que revolucionou o mercado dos "transportes privados", começamos mal. Ou bem, na verdade, visto que o objectivo é demonstrar que uma empresa que aparece nas notícias ligada a escândalos de ordem variada, seja porque não respeita os seus trabalhadores, seja porque tem práticas anticoncorrenciais não só "agressivas", como ausentes de qualquer tipo de moral, seja por que são muitos – investidores, incluídos – os que pedem a cabeça do seu CEO, tem uma cultura organizacional que não obedece a valores ou a princípios dignos de serem partilhados. E sim, só por aqui, o objectivo estaria quase cumprido. Mas tentemos conferir um fio mais ou menos condutor para a história (ou para uma pequeníssima parte da mesma).

© DR


Porque a cultura de uma empresa não pode ser inseparável da conduta do seu líder

"É assim que fazemos as coisas por aqui". Esta velha máxima que, em tempos idos, costumava caracterizar aquilo que hoje denominamos como a "cultura da empresa", obedecia, na altura, a princípios operacionais e de comportamento não escritos, mas que eram transmitidos informalmente e apreendidos com o tempo e com a experiência dos trabalhadores. Hoje em dia e como sabemos, não existe empresa que se preze que não tenha, no seu website, informações relativas à sua missão, valores, princípios, objectivos, ou qualquer outra coisa que, supostamente, não só serve como cartão-de-visita a quem a procura na Internet, mas e em particular para atrair possíveis futuros clientes e potenciais candidatos para nela trabalharem. Por outro lado, e na era da transparência, estas premissas orientadoras servem, também, para espelhar (mesmo que seja só por questões de imagem) a responsabilidade e propósito que deve guiar a liderança de topo e, por consequência, toda a organização.

Assim, e em particular para uma empresa que traduz o sucesso da revolução digital em termos de modelos de negócios tecnologicamente disruptivos, não ter os ditos princípios à vista, começa por ser algo, no mínimo, estranho. É verdade que se entrar no site da Uber Portugal (que não é bem Portugal, mas pronto), encontra um conjunto de informações, nomeadamente um formulário para preencher se quiser juntar-se à frota de motoristas nacionais, algumas peças bem escritas e apresentadas sobre as boas acções da empresa, outro tipo de conteúdos relacionados com as maravilhas do mundo digital e até sobre a Primavera. O website tem também uma "sala de imprensa", onde estão arrumados este tipo de conteúdos e que dizem respeito não só às cidades de Lisboa, Porto e à região do Algarve, onde a Uber actua no nosso país, mas também sobre as cerca de quase 600 cidades (também não é fácil e, em muitos casos, impossível, encontrar estatísticas fiáveis sobre a empresa, sendo que as suas estimativas indicam operações em 81 países e em 581 cidades) que compõem o seu universo.

Mas, e nesta visita ao website nacional/internacional da empresa co-fundada por Travis Kalanick, em 2009, o nosso olhar recai num pequeno anúncio que, datado de 7 de Março e traduzido, nos informa que "Estamos à procura de um Chief Operating Officer – um ‘colega’ que se possa juntar a mim e escrever o próximo capítulo da nossa jornada". O "anúncio" é assinado pelo próprio Kalanick, CEO da Uber e por muitos considerado como arrogante, não ético, agressivo, entre outros epítetos pouco recomendáveis, e a quem tem sido imputada a grande culpa da má cultura da empresa, alegadamente feita à sua exacta medida. Se quiséssemos ser mesquinhos, poderíamos começar logo por apontar que, no próprio anúncio, o co-fundador e CEO começa a frase por "We [are looking]", mas três ou quatro palavras a seguir, a ideia é que o [candidato] ajude, a ele – "who can partner with me" – a conduzir os destinos da Uber. Ora, o bom líder é aquele que conta com a equipa para, em conjunto, levar a empresa a bom porto, e é também para isso que servem os valores ou princípios partilhados, e não a velha cultura do "eu, patrão". Mas e na Uber, parece que é assim mesmo.

Adicionalmente, a procura de um novo Chief Operational Officer por parte do CEO Travis Kalanick surge numa altura em que a empresa vive uma das piores (entre muitas) crises da sua existência e que culminou (para já) na demissão, no passado Domingo, 19 de Março, de Jeff Jones, o até agora braço direito do CEO da Uber. Em declarações à Recode, aquele que presidiu à empresa apenas nos últimos seis meses, afirma ter-se tornado claro que "os valores e as abordagens à liderança que têm norteado a minha carreira são inconsistentes com aquilo que vi e experienciei na Uber".

© newsport.com.au


Valores sem norte

A procura de um novo COO e a demissão do até agora presidente fazem, alegadamente, parte do plano de "lavagem de imagem" que, a muito custo, Travis Kalanick está a ser obrigado a fazer depois de, e em particular nos últimos seis meses, a empresa que lidera ter sido acometida por vários escândalos (apesar de a má conduta ser apanágio da mesma, em várias áreas, desde a sua fundação).

Resumidamente, o primeiro "grande incidente" deu-se na altura em que Donald Trump anunciou o seu decreto presidencial de proibição de entrada nos Estados Unidos de cidadãos de sete países maioritariamente muçulmanos e do Sindicato de Taxistas de Nova Iorque ter anunciado uma greve no aeroporto JFK em solidariedade com os manifestantes que ali se reuniram também em protesto contra a ordem presidencial. Ora a Uber, a par de outras técnicas de concorrência amorais ou profundamente imorais que tem vindo a experimentar desde a sua fundação, resolveu "furar a greve" – sim, não tinha de a fazer pois a mesma foi convocada pelos taxistas seus concorrentes – desactivando a sua tarifa dinâmica – a qual permite que o preço cobrado pelos motoristas seja mais elevado em alturas de maior procura, como seria o caso [em Portugal, aconteceu, por exemplo, na noite de final de ano] – e ganhando, com isso, um número "super-extra" de clientes.


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