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Homem rico, homem pobre

Com base num estudo de várias sociedades, tão díspares como a sueca, a norte-americana, a britânica ou a chinesa, Gregory Clark, professor de história económica, conclui que os níveis de mobilidade social permanecem quase inalteráveis ao longo de muitas gerações, não variam entre povos diferentes e são resistentes a políticas sociais, por mais bem-intencionadas que estas sejam. Deitando por terra o sonho da igualdade de oportunidades, a obra promete dar que falar

21 de Fevereiro de 2014 às 13:24
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No concurso televisivo “Quem quer ser milionário”, produzido em Portugal desde o ano 2000, o prémio máximo foi angariado pela 5ª vez. O jovem José Maria Souto Moura levou para casa 100 mil euros.


José Maria é filho do ex-procurador-geral da República José Souto Moura e sobrinho do famoso arquitecto Eduardo Souto Moura. O nome de família (o qual, por acaso, não utilizou quando se apresentou no programa) cedo suscitou matéria para falatório, quando foram reveladas as suas raízes familiares, e a mesquinhice nacional uniu-se para “dar a entender” que, decerto, tinha havido ali “marosca”, e que “grande coincidência” não foi o facto de um miúdo filho de “famílias importantes” ter conseguido responder a 15 perguntas dificílimas e ter levado 100 mil euros para casa (“como se precisasse”, pôde ler-se em muitos comentários online).


A crise financeira e económica global veio alargar ainda mais o fosso entre ricos e pobres e, em muitos países, a escada da igualdade de oportunidades tornou-se muito mais difícil de trepar.


À parte o facto de este tipo de estupidez nacional dar pano para mangas – o que não é objecto do texto que se segue - o que têm estas duas afirmações uma a ver com a outra? À primeira vista, nada. Mas, no final do texto, talvez mudemos de opinião.


O artigo que se segue versa sobre um estudo, que será publicado em livro no final do mês, intitulado “The Son Also Rises: Surnames and the History of Social Mobility, escrito por Gregory Clark, professor de economia na Universidade da Califórnia e cronista da revista The Atlantic (entre outras). O autor, cuja área de especialidade é a história económica, consegue provar que o movimento ascendente na “escadaria social” pouco mudou ao longo de oito séculos.


Utilizando uma técnica comum na literatura de romance, Clark “seguiu” os nomes de família, ao longo de várias gerações, para avaliar a mobilidade social em vários países e ao longo de vários períodos – acabando por concluir que as taxas de mobilidade são mais baixas do que as estimativas convencionais, que não variam entre sociedades diferentes e que são resistentes a políticas sociais, por mais bem-intencionadas que estas sejam. O autor examina e compara apelidos – e o status social correspondente - em casos tão distintos como a Suécia moderna, a Inglaterra do século XIV ou a Dinastia Qing chinesa, entre outros. E com esta “caça ao apelido” demonstra de que forma o destino é determinado pelos nossos ancestrais (com as devidas excepções, é claro) e que todas as sociedades – sejam a norte-americana da actualidade, a da China comunista ou a do Japão moderno – possuem níveis baixos de mobilidade social muito similares.


As notícias são ainda piores quando Gregory Clark assegura que são necessárias entre 10 a 15 gerações para que uma “família de elite” desça de classe, e que o mesmo acontece ao contrário, ou seja, quem nasce pobre, pobre permanecerá ao longo de centenas de anos. Pior que as piores notícias é o facto de o autor afirmar também que não há (quase) nada que a sociedade possa fazer para alterar este destino. O que é uma conclusão muito difícil de aceitar.


Como não poderia deixar de ser, o estudo em causa está a gerar polémica, apesar de o autor afirmar estar imune às críticas, pois apenas se limitou a realizar um trabalho. Mas, e de qualquer das formas, o material recolhido e as conclusões a que chega Gregory Clark merecem reflexão, nomeadamente no que diz respeito à eleição do enfoque na melhoria da desigualdade de rendimentos e não em termos de mobilidade social.


Um murro no sonho americano e nos habituais indicadores sobre mobilidade social
No seu discurso sobre o estado da nação – que marca a “abertura” oficial do ano político nos Estados Unidos – Barack Obama elegeu a desigualdade social como um dos temas fortes para o ano de 2014. Dando como exemplo o actual presidente da Câmara dos Representantes, John Boehner, oriundo de uma família muito modesta, e o seu próprio exemplo, enquanto representante da minoria afro-americana, Obama afirmou que “o sonho americano continua intacto”.


Com um pedido especial ao Congresso para que aprove o aumento do salário mínimo em conjunto com outras medidas que fortaleçam as oportunidades de ascensão social, a ideia do presidente norte-americano é, em suma, a de alargar o “sonho americano” a um número crescente de americanos, para que a mobilidade social seja uma realidade. “Aqui, na América, o nosso sucesso não depende de um acidente de nascimento, mas da força da ética do trabalho e da dimensão dos nossos sonhos. É assim que o filho de um dono de um bar conseguiu chegar a Speaker of the House e o filho de uma mãe solteira ascendeu ao cargo de presidente da nação mais poderosa da Terra”, afirmou Obama, ao que se seguiu uma ovação de pé.


Ora, os dois casos referidos são, de acordo com o estudo de Clark, uma verdadeira excepção à regra. E, mais ainda, o autor assegura que a vasta maioria de outros estudos e pesquisas sobre a questão da mobilidade social estão completamente errados. “Os estudos convencionais sugerem que vivemos em sociedades extremamente móveis e que no espaço de duas ou três gerações a ascendência familiar deixa de produzir qualquer efeito””, afirma o autor, numa entrevista que concedeu à Mother Jones.

 

 

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