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Deloitte acusada de negligência “grosseira” pela Pharol
Segundo a Pharol a Deloitte tinha acesso às informações dos investimentos ruinosos no GES, tendo omitido, no entanto, os dados das auditorias que realizou ao longo dos anos. A ex-PT SGPS levanta ainda dúvidas sobre uma suposta subsidiária da auditora.
"A Deloitte violou gravemente os seus deveres como auditor externo". Esta frase é repetida por diversas vezes no processo contra a auditora interposto na quinta-feira pela Pharol no âmbito do caso Rioforte, a que o Negócios teve acesso.
A ex-PT SGPS acusa a Deloitte, auditora das contas da PT de 2004 a 2014, de "negligência" e de ser, em grande parte, responsável pelo "buraco" de 900 milhões. E as palavras não são meigas.
Isto porque, segundo a investigação dos advogados da Cuatrecasas, a auditora "teve sempre acesso" aos investimentos em instrumentos de dívida do Grupo Espírito Santo realizados pela PT "por todas as suas participadas", quer na ESI quer na Rioforte, segundo o mesmo documento.
"Assim, só não constatou que os documentos de prestação de contas elaborados por quem tinha a responsabilidade de reporte financeiro eram falsos […] porque, no mínimo, foi de uma negligência grosseira", aponta a Pharol.
O processo que deu entrada no tribunal na quinta-feira tem quatro réus: a Deloitte com sede em Lisboa, a Deloitte Accounts BV, localizada em Amesterdão, a Deloitte Espanha e o revisor oficial de contas.
Ao longo das mais de 150 páginas, os advogados da Pharol, que herdou a dívida da Rioforte, traçam a cronologia dos investimentos da PT no universo GES cruzando, ao mesmo tempo, com as informações financeiras que eram divulgadas pela operadora e auditadas pela Deloitte.
As aplicações no grupo de Ricardo Salgado tiveram início em 2010 e em 2014 acabaram com o polémico incumprimento de 897 milhões de euros da Rioforte. No entanto, ao longo dos anos os investimentos não eram detalhados nos relatórios e contas que a PT apresentava ao mercado, de acordo com as regras do código de valores mobiliários.
Segundo a Pharol, "só por negligência grave é que [a Deloitte] garantiu, com os seus relatórios de auditoria sucessivos, que as aplicações eram feitas a preços de mercado, pois o CFO [Pacheco de Melo] e os serviços sob sua direcção não consultaram, "nem para inglês ver", qualquer outra instituição, sendo certo que tais aplicações nem tinham 'rating'", lê-se no documento, onde por várias vezes os advogados optaram por usar termos coloquiais.
Caso a Deloitte tivesse "alertado logo nos documentos de auditoria às contas" da situação, a Pharol acredita que os CEO e o CFO da PT "nunca por nunca" iriam "persistir na voragem desses investimentos sem sentido", como, "muito menos", aumentar a exposição até aos 897 milhões de euros.
Além disso, segundo a Pharol, a referência incompleta nas demonstrações financeiras relativas a 2014 "de que posteriormente ao encerramento das contas tinha sido liquidado o investimento de 750 milhões de euros, não referindo que montante idêntico acrescido de 147 milhões tinha sido imediatamente investido em instrumentos da mesma natureza de outra empresa do GES, com o visto bom da 1ª ré (Deloitte), torna incompletas, falsas, enganadoras e ilícitas as declarações na Nota 48 (do mesmo relatório)". Actuação que a Deloitte "branqueou ao não alertar para tão grave omissão de facto não relevante ocorrido após o encerramento do exercício".
E as acusações não ficam por aqui. Apesar das recomendações da CMVM em mudar de auditor a cada três anos, a Pharol alega que neste caso "era 'mister' não mudar de auditor, mantendo o que tinha praticado o pecado original", até porque a Deloitte "já não era de há muito manifestamente independente, violando esse pilar fundamental da sua actividade de 'gatekeeper'".
Segundo a ex-PT SGPS, que agora é liderada por Luís Palha da Silva, a Deloitte limitou-se a verificar que "os títulos existiam e que iam sendo regularmente liquidados e renovados". "Mas para isso, bastava à autora [PT SGPS] ter contratado um TOC [técnico oficial de contas], ainda que inexperiente, e não as componentes da rede Deloitte que se apresentavam e remuneravam como altamente competentes e preparados profissionalmente e deontologicamente, nomeadamente ao nível de garantias de independência", segundo a acusação.
Mas as críticas e suspeitas sobre a rede da auditora não ficam por aqui. Num dos sub-capítulos da acção, a Pharol adianta que entre 2007 e 2014 uma sociedade de consultoria denominada Marksen Consulting cobrou à PT Portugal a quantia global de 55 milhões de euros.
Segundo a investigação da Pharol, esta empresa foi constituída em 2003 com a GMSC – Global Management Solutions "por trespasse da actividade de consultoria até então desenvolvida pela Deloitte em Portugal".
No seguimento de suspeitas de um administrador da PT, cujo nome não é divulgado, em 2008 quer a Marksen quer a Deloitte "garantiram que existia total independência entre as duas sociedades".
Passados sete anos, em 2015, "a Marksen veio informar o mercado que passou a integrar a rede Deloitte, tendo actualmente sede social no mesmo local de Lisboa".
Contactada pelo Negócios, a Deloitte não comentou o processo da Pharol.
No mesmo documento, a Pharol acusa Zeinal Bava de saber que os investimentos no GES eram "ilícitos" e avança que vai processar o antigo gestor da PT e da Oi.