Notícia
O ano em que o capitalismo quis travar os monopólios que ajudou a criar
As maiores empresas de tecnologia do mundo registaram um dos melhores da sua história em bolsa, graças à procura pelos seus produtos e comércio online. Contudo, fora da esfera de Wall Street, 2020 foi também um ano em que o número de processos contra os seus monopólios aumentou.
2000. Jogos Olímpicos de Sydney, Austrália. O jogo de basquetebol opunha a seleção de França à dos Estados Unidos. A faltarem 16 minutos para o intervalo, Vince Carter, atleta norte-americano com menos de 2 metros, recupera uma bola perdida à entrada do "garrafão", galga terreno até ao cesto de forma agressiva, e - num ato a desafiar as leis da física - sobrevoa a cabeça do oponente francês Frédéric Weis, de 2,20 metros, para um afundanço que fica para a história como o "dunk of death".
Vinte anos depois, neste 2020 que agora findou, o grupo restrito das maiores empresas de tecnologia norte-americanas (e de todo mundo) sobrevoou uma das maiores crises económicas da história e, mesmo com o controlo feroz dos oponentes Washington e Bruxelas aos seus tentáculos, registou um "duplo-duplo": as vendas cresceram e o valor em bolsa disparou.
Em 2020, o grupo das FAANG (Facebook, Amazon, Apple, Netflix e Google) esfregou as mãos com a pandemia, mais do que duplicando o seu valor de mercado face ao final de 2019, num ano em que os confinamentos decretados em todo o mundo para travar a propagação da covid-19 fizeram disparar o recurso a software por elas comercializado e ao comércio online.
Alguns atores secundários passaram a protagonistas. Foi o caso da Zoom, a plataforma de videoconferências, que brilhou com as reuniões em teletrabalho e as videoconferências entre amigos e familiares, numa altura em que o único contacto era feito de forma virtual. Hoje, a empresa de Eric Yuan vale mais de 101 mil milhões, uma subida de 430% face ao ano passado.
Este foi também o ano em que a Apple se tornou a primeira empresa cotada na história dos Estados Unidos a superar a avaliação de mercado de 2 biliões de dólares, graças a um crescimento das vendas em todas as linhas de produto.
Mas fora do mundo bolsista, o cerco apertou. Nunca este grupo de empresas foi tão escrutinado por parte dos reguladores. Este foi o ano em que, por exemplo, Jeff Bezos, líder da Amazon, foi ouvido pela primeira vez no Congresso dos Estados, numa audiência dedicada à lei da concorrência que levou ao Capitólio - de forma virtual - Mark Zuckerberg (Facebook), Tim Cook (Apple) e Sundar Pichai (Google).
Além das idas ao Congresso, algumas destas empresas - como a Amazon, a Google e mais recentemente o Facebook - viram o departamento de Justiça dos Estados Unidos tecer acusações sobre práticas anti-concorrenciais, como tem sido prática habitual nos últimos anos. Mas desta vez foi diferente. O processo contra a Google, que controla 90% do mercado de motores de busca na internet, foi o maior dos últimos vinte anos, depois da acusação sobre a Microsoft, que a obrigou a reinventar o negócio.
Mas, apesar de ter dimensões maiores do que os anteriores processos, antevê-se que o seu desenvolvimento seja moroso - como os antecessores - para fazerem estragos imediatos no desempenho bolsista. A primeira acusação contra a Alphabet, dona da Google, foi feita pela União Europeia (UE) em 2010... mas só em 2017 resultou em multa, num processo que ainda cambaleia pelos tribunais.
Atualmente, além do processo avançado pelos Estados Unidos, existem três acusações de Bruxelas em curso, que envolvem o motor de busca, o sistema operativo Android (concorrente do iOS da Apple) e a forma como a empresa montou o mercado de publicidade.
O "monstro" não é bom a fazer amigos
É recorrente ouvir-se dizer que as gigantes tecnológicas chegaram a um ponto em que são demasiado grandes para cair ou que, como disse o comissário europeu Thierry Breton, se tornaram demasiado grandes para se preocuparem com as repercussões que têm na economia. Isto depois de anos e anos a serem alimentadas por um sistema económico de base capitalista que lhes permitiu comprar todas as potenciais rivais, ainda em fase embrionária, aniquilando possíveis concorrentes.
Em 2008, uma troca de emails internos no Facebook denunciava isso mesmo. Mark Zuckerberg escreveu: "É melhor comprar do que concorrer", referindo-se a outras pequenas empresas da mesma área que estavam a surgir e com potencial. Desde 2000, a Google comprou 260 pequenas empresas de tecnologia. A Amazon tem usado a mesmo estratégia ao comprar empresas rivais como a Diapers.com - que faliu em 2017, poucos anos depois de ter sido comprada. Graças a esta política, hoje a empresa de Jeff Bezos detém cerca de 50% do mercado de comérico online nos Estados Unidos.
Esta visão anticoncorrencial por parte dos grandes líderes vincou-se na última década, apesar de nem sempre admitida pelos seus representantes. Uma das poucas exceções é Peter Thiel, co-fundador do PayPal e o primeiro investidor no Facebook, que defende a criação de monopólios para garantir o equilíbrio comercial, como se pode ler no seu livro "Zero to One", de 2014.
Mas se a UE traçou o caminho contra os monopólios destas gigantes da tecnologia, este ano teve a companhia de um aliado de peso: os Estados Unidos. Durante grande parte do mandato do presidente cessante Donald Trump, a regulação sobre este grupo de empresas não passava de ameaças, até que, já no decorrer da campanha presidencial, avançou com a acusação acima descrita contra a Google e, mais recentemente, processou o Facebook também por violação da concorrência.
Agora que Joe Biden, o novo presidente eleito, irá entrar em cena, espera-se que o cerco a estas empresas continue a apertar. Em outubro, a Câmara dos Representantes, numa ação iniciada pelos democratas, publicou o relatório Investigação da Concorrência nos Mercados Digitais, num ataque claro a este grupo de empresas.
E se em 2020 o escutínio aumentou no Ocidente, são também visíveis os primeiros passos da China nesse sentido. Ainda este mês, os reguladores chineses abriram uma guerra contra as práticas levadas a cabo por algumas empresas do monopólio tecnológico de Jack Ma, onde se inclui a Alibaba - a versão chinesa da Amazon.
Mas para além da Alibaba, que foi fundada por Jack Ma, há outra empresa do empresário chinês que está debaixo de fogo. O Ant Group, que em novembro viu a sua entrada em bolsa cair por terra - naquele que seria o maior IPO da história -, tem novamente o regulador à perna.
Tendo em conta o final de 2020 agitado na relação entre estas empresas e os reguladores, é por isso de esperar que os processos judiciais continuem a aumentar em 2021.
Vinte anos depois, neste 2020 que agora findou, o grupo restrito das maiores empresas de tecnologia norte-americanas (e de todo mundo) sobrevoou uma das maiores crises económicas da história e, mesmo com o controlo feroz dos oponentes Washington e Bruxelas aos seus tentáculos, registou um "duplo-duplo": as vendas cresceram e o valor em bolsa disparou.
Alguns atores secundários passaram a protagonistas. Foi o caso da Zoom, a plataforma de videoconferências, que brilhou com as reuniões em teletrabalho e as videoconferências entre amigos e familiares, numa altura em que o único contacto era feito de forma virtual. Hoje, a empresa de Eric Yuan vale mais de 101 mil milhões, uma subida de 430% face ao ano passado.
Este foi também o ano em que a Apple se tornou a primeira empresa cotada na história dos Estados Unidos a superar a avaliação de mercado de 2 biliões de dólares, graças a um crescimento das vendas em todas as linhas de produto.
Mas fora do mundo bolsista, o cerco apertou. Nunca este grupo de empresas foi tão escrutinado por parte dos reguladores. Este foi o ano em que, por exemplo, Jeff Bezos, líder da Amazon, foi ouvido pela primeira vez no Congresso dos Estados, numa audiência dedicada à lei da concorrência que levou ao Capitólio - de forma virtual - Mark Zuckerberg (Facebook), Tim Cook (Apple) e Sundar Pichai (Google).
Além das idas ao Congresso, algumas destas empresas - como a Amazon, a Google e mais recentemente o Facebook - viram o departamento de Justiça dos Estados Unidos tecer acusações sobre práticas anti-concorrenciais, como tem sido prática habitual nos últimos anos. Mas desta vez foi diferente. O processo contra a Google, que controla 90% do mercado de motores de busca na internet, foi o maior dos últimos vinte anos, depois da acusação sobre a Microsoft, que a obrigou a reinventar o negócio.
Mas, apesar de ter dimensões maiores do que os anteriores processos, antevê-se que o seu desenvolvimento seja moroso - como os antecessores - para fazerem estragos imediatos no desempenho bolsista. A primeira acusação contra a Alphabet, dona da Google, foi feita pela União Europeia (UE) em 2010... mas só em 2017 resultou em multa, num processo que ainda cambaleia pelos tribunais.
Atualmente, além do processo avançado pelos Estados Unidos, existem três acusações de Bruxelas em curso, que envolvem o motor de busca, o sistema operativo Android (concorrente do iOS da Apple) e a forma como a empresa montou o mercado de publicidade.
O "monstro" não é bom a fazer amigos
É recorrente ouvir-se dizer que as gigantes tecnológicas chegaram a um ponto em que são demasiado grandes para cair ou que, como disse o comissário europeu Thierry Breton, se tornaram demasiado grandes para se preocuparem com as repercussões que têm na economia. Isto depois de anos e anos a serem alimentadas por um sistema económico de base capitalista que lhes permitiu comprar todas as potenciais rivais, ainda em fase embrionária, aniquilando possíveis concorrentes.
Em 2008, uma troca de emails internos no Facebook denunciava isso mesmo. Mark Zuckerberg escreveu: "É melhor comprar do que concorrer", referindo-se a outras pequenas empresas da mesma área que estavam a surgir e com potencial. Desde 2000, a Google comprou 260 pequenas empresas de tecnologia. A Amazon tem usado a mesmo estratégia ao comprar empresas rivais como a Diapers.com - que faliu em 2017, poucos anos depois de ter sido comprada. Graças a esta política, hoje a empresa de Jeff Bezos detém cerca de 50% do mercado de comérico online nos Estados Unidos.
Esta visão anticoncorrencial por parte dos grandes líderes vincou-se na última década, apesar de nem sempre admitida pelos seus representantes. Uma das poucas exceções é Peter Thiel, co-fundador do PayPal e o primeiro investidor no Facebook, que defende a criação de monopólios para garantir o equilíbrio comercial, como se pode ler no seu livro "Zero to One", de 2014.
E foi precisamente devido a esta estratégia que em 2020 a Comissão Europeia (CE) apresentou duas propostas legislativas, desenhadas por Margrethe Vestager e Thierry Breton, para forçar estes gigantes a venderem partes do negócio.
Mas se a UE traçou o caminho contra os monopólios destas gigantes da tecnologia, este ano teve a companhia de um aliado de peso: os Estados Unidos. Durante grande parte do mandato do presidente cessante Donald Trump, a regulação sobre este grupo de empresas não passava de ameaças, até que, já no decorrer da campanha presidencial, avançou com a acusação acima descrita contra a Google e, mais recentemente, processou o Facebook também por violação da concorrência.
Agora que Joe Biden, o novo presidente eleito, irá entrar em cena, espera-se que o cerco a estas empresas continue a apertar. Em outubro, a Câmara dos Representantes, numa ação iniciada pelos democratas, publicou o relatório Investigação da Concorrência nos Mercados Digitais, num ataque claro a este grupo de empresas.
E se em 2020 o escutínio aumentou no Ocidente, são também visíveis os primeiros passos da China nesse sentido. Ainda este mês, os reguladores chineses abriram uma guerra contra as práticas levadas a cabo por algumas empresas do monopólio tecnológico de Jack Ma, onde se inclui a Alibaba - a versão chinesa da Amazon.
Mas para além da Alibaba, que foi fundada por Jack Ma, há outra empresa do empresário chinês que está debaixo de fogo. O Ant Group, que em novembro viu a sua entrada em bolsa cair por terra - naquele que seria o maior IPO da história -, tem novamente o regulador à perna.
Tendo em conta o final de 2020 agitado na relação entre estas empresas e os reguladores, é por isso de esperar que os processos judiciais continuem a aumentar em 2021.