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Jimmy Soni: "Os grandes desafios do próximo século vão ser sobre temas de privacidade"

Como é que se rentabiliza um projecto digital de media? Há várias soluções, desde publicidade, subscrição, receitas dos vídeos. Mas a base é a audiência de um meio, e, para isso, é preciso ir até onde estão as pessoas, defende Jimmy Soni, editor executivo do “Huffington Post”. Que deixa no ar a hipótese de um “Huffington Post Portugal”

Pedro Elias/Negócios
25 de Março de 2014 às 00:01
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Criado em 2005 pela analista política Arianna Hufington, o jornal digital “Huffington Post” teve a particularidade de associar, de raiz, o universo de bloguers – que chegou a uma certa altura a contar com 60.000 – e com colunista de destaque.

 

Hoje, quatro anos depois da AOL ter pago 315 milhões de dólares pelo projecto de media, tem uma média mensal de 78 milhões de leitores – com um recorde de 84 milhões de leitores mensais atingido em Outubro de 2013.  

 

Jimmy Soni, que aos 26 anos foi escolhido por Arianna Huffington para editor executivo do projecto que fundou, explica, em entrevista ao Negócios, o que mais do que um jornal digital, o “Huffington Post” é hoje um criador de conteúdos, adaptados a várias plataformas tecnológicas para chegar ao maior número de leitores.  

 

Qualificou o “Huffington Post” como “o maior editor [de conteúdos] social da Internet na sua apresentação [na conferência “Go Youth”, realizada há dias em Lisboa]. Porque é que o HP foi bem sucedido?

É uma combinação de várias coisas. Uma é um conteúdo realmente muito bom. Nós temos conteúdos realmente muito bons e fazemos um trabalho fantástico através das nossas várias secções. A outra razão é que temos uma plataforma tecnológica muito forte. E, finalmente: prestamos atenção aos dados. Por isso, todos os nossos editores sabem como usar dados, sabem ver o que tem sucesso, e o que não tem. Podemos mudar o que promovemos e não promovemos, baseado no que está a correr bem, ao que estão os leitores a responder, fazemos vários títulos para ver quais os que têm melhor desempenho. Somos focados na métrica, e isso torno-nos muito bem sucedidos. E há muitos editores que não fazem isso. Essas são as três grandes razões pelas quais tivemos êxito. E somos muito bons a saber como produzir à medida um conteúdo para plataformas específicas. Um conteúdo que funciona bem no Facebook é diferente de um conteúdo que funciona bem no Twitter.

 

Então fazem o conteúdo à medida da plataforma?

Sim, dentro de limites. A maioria dos conteúdo são, em termos grosseiros, os mesmos. Mas sabemos que se promovermos uma história, por exemplo, no Facebook, de uma determinada forma, é diferente como a promovemos no Twitter. Somos muito bons nessa ciência.

 

Vêem-se como fornecedores?

Somos criadores de conteúdos.

 

Todos os nossos editores sabem como usar dados, sabem ver o que tem sucesso, e o que não tem (…) fazemos vários títulos para ver quais os que têm melhor desempenho. Somos focados na métrica, e isso torno-nos muito bem sucedidos.

 

Neste momento, com o excesso de informação que há na Internet, como é que se destacam de todo o resto, numa base diária?

Fazendo conteúdos que são melhores do que todos os que os outros fazem.

 

Quando diz melhor, refere-se a jornalismo melhor?

Jornalismo melhor, melhor escrita, imagens melhores, títulos melhores, vídeos melhores, mais engraçados, [notícias] mais interessantes, mais agressivas, melhor investigadas. Temos que ser melhores. Mas a outra coisa que os editores [de conteúdos] podem fazer é prestar atenção à forma como as pessoas acedem aos conteúdos. Cada vez menos pessoas estão a ir a “sites” na Internet. Não vão com a frequência com que iam ao “newyorktimes.com” ou ao “wallstreet.com”. Vão ao Facebook, ao Twitter, ao Linkedin, ao Orkut, ou ao WhatsApp, etc – tem que se tomar atenção à forma como as pessoas estão a utilizar a Internet e como isso irá afectar a forma como irão aceder ao conteúdo.

 

Mas sabemos que se promovermos uma história, por exemplo, no Facebook, de uma determinada forma, é diferente como a promovemos no Twitter.

 

As pessoas estão a utilizar mais agregadores de notícias?

Alguns destes sítios são mais agregadores de notícias, mas alguns deles são somente redes sociais. E as redes sociais são simplesmente lugares onde as pessoas partilham conteúdos. Mas se o seu contudo está bem posicionado nessas redes sociais, vai ser bem sucedido. Nesta era de edição, o desafio é que os editores são criadores de conteúdo – eles podem nem sempre ser os distribuidores, certo? O que se tem que pensar é: quais são os meus diferentes veículos de distribuição? Como e que vou realmente atrair as pessoas destes vários lugares/sítios? Isso é incrivelmente importante e é algo em que muitos editores [de conteúdo] não gastam o tempo suficiente a analisar.

 

Mas a necessidade das redes sociais pressionou ainda mais os media sociais? O “Huffington Post”, por exemplo, parecia ter no início mais temas políticos, de economia e outros temas “sérios” de jornalismo online.

Mas nós ainda temos tudo isso.

 

Mas têm mais entertenimento, estilo de vida, apelos para vídeos.

Estamos, em termos brutos, divididos entre todas essas várias categorias. Ainda temos montes de política – política é um dos nossos maiores temas, assim como economia. É só que outras entidades ou temas tornaram-se bem sucedidos. Ainda temos o mesmo nível de “hard news” e de notícias mundiais e tudo o resto, mas agora temos mais oferta nas outras categorias. Os media/redes sociais ajudam, porque as pessoas tendem a querer partilhar mais conteúdos de estilo de vida do que notícias. Mas a verdade é que no Twitter o que predomina ainda são conteúdos de notícias.

 

Cada vez menos pessoas estão a ir a “sites” na Internet. Não vão com a frequência com que iam ao “newyorktimes.com” ou ao “wallstreet.com”. Vão ao Facebook, ao Twitter, ao LinkedIn, ao Orkut, ou ao WhatsApp, etc.

 

O HP é lucrativo?

Sim.

 

Sempre foi?

Eu sou estou lá há três anos, por isso não sei o histórico. Mas do que tenho conhecimento é que foi sempre bem sucedido financeiramente, sim.

 

Havia um projecto de fazer uma versão portuguesa do HP. Pode falar um pouco sobre isso?

Temos uma parceria com a [editora] Abril para fazer para fazer o “Brazil Post” – mas quem sabe, agora que vim a Portugal teremos um “Huffington Post” Portugal? Estamos a expandir rapidamente internacionalmente, porque achamos que somos bem sucedidos em mercados internacionais. E para nós é só uma questão de encontrar um bom parceiro em cada país e fazer uma parceira com eles para fazer uma versão do “Huffington Post”.

 

Porque quando lançaram a versão alemã do “Huffington Post”, no comunicado falavam de uma versão em português. Penso que na altura se já falava no Brasil

Falávamos? É sempre uma possibilidade. Agora que nós traduzimos [o “site”] para português, as pessoas aqui [em Portugal] poderão ficar, espero, animadas com a nossa vinda para Portugal, em certa altura, no futuro.

 

Mas quem sabe, agora que vim a Portugal, teremos um “Huffington Post” Portugal?

 

Como é que adaptam o “Huffington Post” a um país? Que percentagem [dos conteúdos] é local? Têm uma métrica?

Não, é tudo local. Em cada país para onde vamos, o que fazemos são conteúdos locais. O que muitos fazem quando estão a expandir internacionalmente é irem para um país e traduzem o que fazem e exportam. Não é isso que estamos a fazer.

 

Como se fosse um “franchising”?

Sim. Nós não estamos a fazer um modelo de “franchising”. O que estamos a fazer é criar uma instituição nesse país, que cobre notícias locais, negócios locais, conteúdos locais, estilo de vida local, esse tipo de coisas. Quando estamos na Alemanha estamos a fazer notícias alemães. Não notícias inglesas, não notícias dos EUA que foram traduzidas para aquela audiência. Temos essa capacidade, e se precisássemos de traduzir poderíamos, mas acreditamos piamente… se por exemplo fôssemos lançar em Lisboa, em Portugal, faríamos notícias portuguesas. Iríamos cobrir a economia portuguesa.

 

Portanto, local, local, local?

Sim.

 

Se, por exemplo, fôssemos lançar [o "Huffington Post"] em Lisboa, em Portugal, faríamos notícias portuguesas. Iríamos cobrir a economia portuguesa.

 

Na sua visão, o que trouxe o "Huffington Post" de novo ao jornalismo?

Fomos o primeiro jornal completamente digital. Trouxemos várias coisas: primeiro, não tivemos de ter uma voz, não tivemos medo de ter uma atitude – temos uma perspectiva dos assuntos. E isso é valioso, foi refrescante e as pessoas apreciaram realmente isso. Tínhamos a nossa plataforma de bloguers – tivemos mais de 60.000 pessoas a “blogar” para o HP - , portanto essa é uma parte realmente importante da nossa identidade. E por fim, fomos muito bons em saber onde é que as pessoas estavam a obter os seus conteúdos online, e em posicionarmo-nos nesses lugares. Por isso, quando alguém procura notícias no Google, nós aparecemos bem em cima. Quando alguém procura notícias no Facebook, somos uma parte significativa do Facebook. Quando alguém vai ao Twitter somos uma parte importante do Twitter. Nós vamos onde as pessoas estão. Muitos editores [de conteúdos] não fazem isto e ignoram... a Internet é um lugar de movimento muito rápido e é preciso ir para onde as pessoas estão. E é nisso que nós somos bons.

 

A Internet é um lugar de movimento muito rápido e é preciso ir para onde as pessoas estão. E é nisso que nós somos bons.

 

Qual é a sua posição sobre a divulgação dos relatórios da NSA por Edward Snowden? Alguma coisa de bom saiu de todo o processo, em termos de jornalismo online?

Essa não é a minha área de especialidade, mas… Não sei se há realmente uma distinção entre o que beneficiou o jornalismo online versus o que beneficiou o jornalismo em geral. Foi muito, o trabalho que foi necessário para fazer aquele relatório acontecer em termos de notícia, como o “Guardian” fez. Vivemos numa sociedade em que é cada vez mais difícil ter acesso a aquele tipo de informação, de uma forma vasta e pública, e compreender realmente o que se está a ouvir, e aquilo que as pessoas estão a prestar atenção. Os grandes desafios do próximo século vão ser sobre temas de privacidade. E, para mim, uma das coisas mais importantes sobre aquele caso e sobre aquele trabalho, é que trouxe à tona estas questões sobre a privacidade que nunca antes tínhamos tido que colocar até aqui. Até muito recentemente, os tribunais não tinham tido que lidar com esse tipo de assuntos.

 

Os grandes desafios do próximo século vão ser sobre temas de privacidade. E, para mim, uma das coisas mais importantes sobre o caso NSA/Snowden, e sobre aquele trabalho [do “Guardian”], é que trouxe à tona estas questões sobre a privacidade, que nunca antes tínhamos tido que colocar até aqui.
 

 

Na conferência “Go Youth” [recentemente realizada em Lisboa], alguém mencionou a privacidade como uma “commodity”, que se paga para ter.

Espero que nunca chegue a esse ponto, isso seria um lugar muito triste – se a única forma de obter privacidade é se se pagasse para tê-la. Mas o que é mais interessante para mim é como o sistema legal e como o enquadramento regulatório vão mudar para fazer face à nova era de desafios na privacidade. Algum do trabalho mais interessante que está a ser feito em termos legislativos actualmente é à volta das leis de privacidade. O que o “Guardian” fez, foi trazer à luz do dia todas aquelas questões em formato grande. E é muito raro que uma peça de jornalismo consiga gerar uma conversa pública massiva como aquela. Penso que, para eles, terem começado aquela conversa foi realmente um serviço público valioso.

 

Como é que vê o jornalismo, especialmente o jornalismo online, no curto prazo?

Vamos ver mais conteúdos de vídeo, mais jornalismo em vídeo, mais pessoas focadas no móvel, numa forma séria – algumas pessoas vão ter que começar a estar muito atentas aos “iphones”, “tablets” e a como os leitores lêem as notícias e as consomem, e consomem outros conteúdos. E vamos ver a viragem completa para o jornalismo visual: fotografia, animação, visualização de dados e infografias vão muito mais importantes, porque as pessoas vão estar a consumir conteúdos dessa forma. O grande “truque” agora é: como é que se inventam novas e inovadoras de contar as mesmas histórias? É uma reportagem de mil palavras a melhor forma de contar uma história? Talvez. Mas talvez seja uma infografia, talvez uma visualização de dados, talvez seja uma série de fotos. Acho que o que é formidável na Internet é que se pode brincar com isso tudo.

 

E vamos ver a viragem completa para o jornalismo visual: fotografia, animação, visualização de dados e infografias vão muito mais importantes, porque as pessoas vão estar a consumir conteúdos dessa forma.

 

Portanto os dados são ainda mais importantes nesse contexto?

Oh, meu Deus, sim! Absolutamente. Entender os dados que os utilizadores estão a dar é extremamente valioso. Se se souber o que funciona ou não funciona para a audiência pode ajudar como se muda, como se faz e como se apresenta certas histórias. Fizemos uma história sobre Xangai em que a história eram duas imagens que nós sobrepusemos em cima uma da outra e mostrava o crescimento da cidade em 26 anos. Era a mesma foto, do mesmo ângulo tirada com 26 anos de separação. E foi uma forma incrível de mostrar a história do crescimento da cidade de Xangai. Isso foi mais poderoso, provavelmente, do que 2.000 palavras de reportagem sobre como a cidade mudou. Acho que a Web alberga uma data de outras formas de contar essas histórias.

 

É uma reportagem de mil palavras a melhor forma de contar uma história? Talvez. Mas talvez seja uma infografia, talvez uma visualização de dados, talvez seja uma série de fotos. Acho que o que é formidável na Internet é que se pode brincar com isso tudo.

 

E como é que se torna essa visão de jornalismo num negócio - senão lucrativo, pelo menos a atingir o “break even”?

Eu não estou na área de negócio do negócio, sou um editor, mas esse é o desafio que toda gente enfrenta – como é que se faz na prática, dinheiro com isto? Há vários modelos a serem testados em lugares diferentes. O [“site”] “Politico” está a tentar com PoliticoPro [serviço pago de fornecimento de notícias online, também para “smartphones”, prioritário sobre o gratuito], um modelo de subscrição, com o seu “site” e publicidade. Nós estamos prioritariamente no negócio de apresentação de publicidade, mas também temos muitos patrocínios para diferentes secções. Há pessoas que estão a experimentar publicidade e receitas através dos vídeos. Acho que há sempre apetite por bom jornalismo e bons conteúdos e “gettin the economics right” é o próximo grande desafio. E para ser franco, ainda há muitos lugares a fazer dinheiro só por terem bons conteúdos. A minha crença é que se tiver uma audiência suficientemente grande, as pessoas estão dispostas a pagar pela audiência. 

 

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