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Stan Schroeder: "Ninguém sabe onde o jornalismo online vai estar dentro de cinco anos"

O agregador de notícias sobre TI e media social “Mashable” conta hoje com 34 milhões de leitores por mês, nove anos após a sua criação. Stan Schroeder, editor para a Europa, explica em entrevista como o "site" se adaptou à evolução da Internet, crescendo com ela. E como ninguém, hoje, pode arriscar um veredicto para o jornalismo digital.

Pedro Elias/Negócios
25 de Março de 2014 às 10:00
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Stan Schroeder era redactor especializado em tecnologias de informação num jornal em Zagreb, quando decidiu criar a empresa FranticIndustries. Foi com esse blogue, que entretanto já vendeu, que em 2007 foi convidado para o cargo de editor para a Europa do agregador “Mashable”, funções que hoje exerce a partir da Croácia.

 

O “Mashable”, hoje com 34 milhões de leitores mensais, tinha sido criado dois anos antes por Pete Cashmore, na sua casa na Escócia, quando este tinha 19 anos. Quando o projecto se revelou demasiado grande, Cahsmore e o pai resolveram mudar-se para os EUA. E levar o “Mashable” para outra dimensão.

 

Pela apresentação que fez na conferência “Go Youth” dá a impressão que se identifica mais como um jornalista que criou um blogue do que como um empreendedor ou um homem de negócios que o teve de gerir. Porque disse que detesta vender publicidade e marketing. É verdade?

 

Até um certo ponto, sim, acho que isso é verdade. O que eu gosto é de escrever. Eu sou um empreendedor no sentido em que nunca estou à procura de um emprego, só estou à procura de fazer aquilo que gosto de fazer, da maneira como gosto de fazer. Gosto de escrever e isso é algo que vou fazer. Mas não é fácil, especialmente na Croácia, criar uma situação em que se possa fazer o que se quiser, especialmente na área de media, que não está numa boa situação. Para um jornalista de tecnologias, especialmente. Não me posso ver como um empreendedor no sentido em que aquilo que fiz foi o que era preciso para concretizar os meus sonhos e poder passar a escrever para um media global.

 

Eu sou um empreendedor no sentido em que nunca estou à procura de um emprego, só estou à procura de fazer aquilo que gosto de fazer, da maneira como gosto de fazer. 

 

Mas não gostava da área de negócios?

 

Sempre gostei de algumas partes, e de outras não gostava, como em tudo na vida. Gosto de algumas coisas da parte dos negócios. Por exemplo, gosto de estar num negócio que é pequeno, mas quando se torna realmente muito, muito grande, não sou assim tão bom a gerir coisas. No caso do “Mashable”, é realmente muito bom que não tenha que me preocupar com nenhuma das partes do negócio com que tinha de lidar quando tinha o meu próprio “site”. E aí pensei: “agora sim, posso relaxar e focar-me na minha escrita”. Posso sempre ter conselhos sobre o tema dos negócios, mas não vou ser o tipo que vai estar a gerir 100 pessoas.

 

Na sua apresentação disse que não tinha tido tempo para pensar no “fracasso”. Como é que se explica aos jovens que o fracasso faz parte do processo criativo? Que não há problema em falhar ao longo do caminho?

 

A primeira coisa a ter em conta é a sua própria definição de fracasso. O que quer dizer falhar? Se o Facebook amanhã começar a perder clientes e utilizadores, como o MySpace há cerca de dois anos – foi um fracasso? Tudo o que se faz na vida pode ser um caminho para qualquer outra coisa. Fiz uma data de coisas que não me levaram a lado nenhum. Toquei guitarra durante 10 anos e não fiz nada com isso. Mas, em resultado, sei alguma coisa sobre a cena musical sei muito sobre música agora e, por vezes vou escrever um artigo e esse conhecimento ajuda-me. Fiz muita coisa que parecia um completo desperdício de tempo…

 

Mas que foi importante no final.

 

Sim, como jornalista ajuda saber coisas. Por isso, quanto mais coisas se sabe, melhor. É assim tão específico. Não foram exactamente fracassos, mas algumas coisas que fiz não me levaram a parte alguma, e outras levaram-me ao sucesso, mas foram todas boas experiências. Os norte-americanos são um pouco diferentes, quanto a isso. Eles não têm medo de perder dinheiro. O dinheiro serve como meio para construir um negócio melhor.

 

Não sei qual é a situação em Portugal, mas imagino que seja um pouco mais parecido com a Croácia, onde as pessoas têm realmente muito medo de perder dinheiro e têm receio de levar o seu negócio ao patamar seguinte, e preocupam-se sobretudo com o lucro. Enquanto os americanos preocupam-se sobretudo com o rendimento, como ser uma empresa ainda maior e fazer mais coisas e empregar mais gente e tornar-se ainda maior. Não sei como mudar essa mentalidade, mas ajuda aprender um bocadinho com os norte-americanos nesse sentido.

 

Se o Facebook amanhã começar a perder clientes e utilizadores, como o MySpace há cerca de dois anos – foi um fracasso?

 

 

Uma das ideias mais importantes na sua apresentação era “trabalhar muito”. Numa fase da sua vida chegou a ter três empregos. Não é uma questão de sorte ou de relações – no seu caso foi mesmos de muito trabalho?

 

Sim. Eu não tinha conhecimentos nenhuns. O que eu fiz foi sem conhecer ninguém. É claro que, em certos casos, é importante ter conhecimentos. No nosso escritório no “Mashable”, alguém tem um poster que diz qualquer coisa como “trabalha muito, e sê bom, e coisas fantásticas acontecerão”. Acho que essa é uma forma muito boa de encarar a vida. Haverá fases na vida onde não se terá a possibilidade de trabalhar muito, em que se vai sentir exausto. Mas haverá outras fases, especialmente quando se é novo, em que será possível, por exemplo, ter dois trabalhos. De trabalhar duas vezes mais para atingir algo. E acho que se deve aproveitar essa oportunidade. Toda a gente.

 

Quando se sente que se andou a perder tempo, pode-se mudar isso e gastar cinco horas do meu dia fazendo algo útil. Eu sei que a economia está mal. E não culpo as pessoas por seres pessimistas, mas quando oiço alguém a queixar-se da situação estar mal mas que tem somente num emprego, das 8h às 17h, e depois vai para casa sentar-se à frente da televisão – não sei, se calhar pode fazer alguma coisa extra, não?

 

Pode fazer alguma coisa com esse tempo livre, é isso?

 

Sim, eu compreendo que as pessoas têm direito a dizer que trabalham as suas oito horas – mas às vezes, na vida, tem que se trabalhar 12 horas. E, depois, mais tarde na vida, pode-se trabalhar cinco ou seis horas apenas. Não sei se esse é um bom conselho, mas é a forma como vejo as coisas.

 

Não culpo as pessoas por seres pessimistas, mas quando oiço alguém a queixar-se da situação estar mal, mas que está somente num emprego, das 8h às 17h, e depois vai para casa sentar-se à frente da televisão – não sei, se calhar pode fazer alguma coisa extra, não?

 

Juntou-se ao “Mashable” em 2007. Foi logo no início do projecto, não é assim?

 

Sim, o “Mashable” foi criado em 2005. Quando cheguei, já existia há dois anos. Sou um dos seus primeiros empregados.

 

O que é que o atraiu ao “Mashable”? Porque nessa altura ainda era um projecto numa fase inicial, não é o meio que é hoje.

 

O “Mashable” [quando me juntei ao projecto] já era bastante grande. Quando cheguei com o meu blogue, já havia cinco ou seis blogues que estavam à frente do pelotão. E o “Mashable” era um deles. Eram “sites” que estavam a escrever sobre todos estes novos serviços empolgantes, como o Twitter e o Facebook – que na altura eram novidade. O “Mashable” já era um grande “site”, por assim dizer. Não nos termos em que é hoje, mas já era uma das principais fontes de informação, e era um dos “sites” aos quais eu aspirava – eu queria ser como o Mashable – e por isso foi óptimo quando me juntei ao projecto.

 

E foi nessa altura que “descontinuou” os outros dois trabalhos que tinha na altura?

 

Bom, levou-me algum tempo a “descontinuar” tudo o resto, mas sim, no final eu concentrei-me apenas no “Mashable”.

 

Acho que o “Mashable” foi bem-sucedido, principalmente, porque Pete Cashmore, o fundador, não teve receio de se adaptar. 
 

 

Na sua opinião, o que levou ao sucesso do “Mashable” nos últimos nove anos? Como é que vê o projecto hoje?

 

Acho que o “Mashable” foi bem-sucedido, principalmente, porque Pete Cashmore, o fundador, não teve receio de se adaptar. Por exemplo, eu não estava preparado para ir para os EUA e ser incorporado na companhia lá. Era algo que eu não faria. Mas ele fê-lo. Ele e o pai, ambos, mudaram-se para os EUA, para começar a sua companhia. Originalmente, a Mashable  foi criada na Escócia, e depois mudou-se para os EUA. Acho que ser capaz de levá-la para o nível seguinte e estar pronto para aceitar todos os desafios … Nem toda a gente tem capacidade para adaptar-se, para mudar.

 

O “Mashable” era, de início, sobre desenvolvimento da Internet e depois adaptámo-nos e expandimos a nossa cobertura para media sociais, e tudo o que era digital, a todas as conversas que estavam a ocorrer nas redes sociais – é o que o “Mashable” faz hoje. Somos as notícias e os recursos para a geração “conectada”. Foi necessário coragem para leva-lo para o nível seguinte a cada dois anos.

 

E é um processo contínuo? Essa adaptação é feita todos os anos? Os princípios centrais do “Mashable” mantêm-se os mesmos?

 

Sim, acho que se mantêm os mesmos, mas nós estamos a crescer com a Internet. Por exemplo, quando começámos a escrever sobre os media sociais, essa área não era na realidade assim tão grande. O Twitter e o Facebook começaram em 2005 e 2006, tinham uma dimensão pequena. [O Facebook] estava centrado essencialmente nas faculdades. E agora, tudo está a acontecer no Facebook – se pegarmos na crise na Ucrânia, há muitas conversas e muita coisa importante a acontecer no Twitter e no Facebook. Vejo-o como uma paixão que foi crescendo, como o foco da nossa cobertura dos media sociais e conversas nas redes sociais cresceram – o Mashable cresceu com eles.

 

Há neste momento uma avalanche informativa na Net. Alguns são realmente projectos jornalísticos, outros nem tanto. Acha que a fórmula do “Mashable” é vencedora para destacar-se no jornalismo online?

 

Posso dizer isto: ninguém sabe onde o jornalismo online vai estar dentro de cinco anos. Senão em cinco, em 10 anos. Porque está a mudar, rapidamente, e não há uma forma de estar certo sobre isso. O que o “Mashable” faz agora é muita reportagem em formato longo, muitas peças em formato longo. Essas peças requerem muito trabalho, não estamos a fazer somente artigos pequenos – e acho que essa é uma coisa que nos está a elevar dos restantes.

 

Posso dizer isto: ninguém sabe onde o jornalismo online vai estar dentro de cinco anos. Senão em cinco, em 10 anos. Porque está a mudar, rapidamente, e não há uma forma de estar certo sobre isso.

 

 

Para o jornalismo em papel constitui uma surpresa essa mudança para o formato longo, porque nos últimos 10 anos foi pedido que os textos fossem mais pequenos. É curiosos que na Internet, o jornalismo online agora faça os textos maiores. Porquê?

 

Primeiro, a Internet havia tanta coisa para ler, que se tinha de encurtar a cobertura porque não havia atenção suficiente - a atenção despendida tornou-se demasiado pequena. Mas acho que isso está a mudar, novamente. Os “sites” como o Mashable estão entre aqueles que estão a liderar, e que estão a introduzir, novamente, formatos longos – pode-se ver em todo o lado da Internet. Acho que os melhores “sites” lá fora estão a fazê-lo, muito bem, outra vez, e talvez agora a audiência global da Internet já se tenha acostumado a toda esta informação. A sua capacidade de atenção aumentou, e pode, uma vez mais, apreciar melhor jornalismo em formato longo.

 

Por alguma razão, a imprensa está a morrer, mas o dinheiro não está a ir da imprensa para o online. O dinheiro está a ir para a televisão, rádio, e para alguns canais offline. A media online está a lutar para ser rentável, o que para mim é completamente estranho.

 

O “Mashable” também conseguiu algo nem sempre fácil: tornou-se lucrativo, não é verdade? Isso não é assim tão comum no jornalismo online. Como é que o “Mashable” conseguiu?

 

Primeiro, cada mercado é diferente e não sei muito sobre o mercado português, mas imagino que seja muito diferente dos EUA. Não sei falar muito sobre compras e aquisições do “Mashable”, porque não estou muito dentro dessa área, mas posso dizer que na Croácia é muito, muito difícil colocar dólares de publicidade no online. Por alguma razão, a imprensa está a morrer mas o dinheiro não está a ir da imprensa para o “online”. O dinheiro está a ir para a televisão, rádio, e para alguns canais “offline”. A media online está a lutar para ser rentável, o que para mim é completamente estranho, não sei porque acontece. Mas como digo, todos os mercados são diferentes. Em relação ao “Mashable” não sei mesmo dizer porquê.

 

Porque é global, talvez?

 

Claro. Está nos EUA e é global. Mas acho que foi sobretudo porque o Pete [Cashmore] conseguiu contratar uma equipa de gente talentosa, que conseguiu trazer o “Mashable” ao lucro. Nós éramos “boostraped” [em que todo o financiamento é reinvestido na expansão da start-up] e obtivemos um investimento há alguns meses, de 14 milhões de euros. Mas antes disso fomos sempre rentáveis.

 

Vão reinvestir esse dinheiro?

 

Sim, a Mashable é “bootstraped”, o que quer dizer que todo o dinheiro que ganha investe na companhia, e usa-o para crescer. E é assim que a Mashable está a operar há 8,5 anos. Isso é uma coisa muito, muito rara, hoje em dia, e se me pergunta como o fizemos, não lhe sei dizer exactamente, mas posso dizer que o Pete foi muito bom nisso e em liderar e criar uma equipa.

 

Talvez agora a audiência global da Internet já se tenha acostumado a toda esta informação. A sua capacidade de atenção aumentou, e pode, uma vez mais, apreciar melhor jornalismo em formato longo ["longform"].

 

 

É difícil ser o editor do “Mashable” na Europa? Porque está a uma distância muito longa da sede da empresa, nos EUA.

 

Cada ano, dois anos, vou ao “Mashable” nos EUA e é realmente bom quando lá vou, porque me revigora, e conheço as pessoas – sempre que vou lá é um novo escritório.

 

São 100 pessoas [que trabalham no “Mashable” actualmente]?

 

Sim, cerca disso. Pode ser difícil trabalhar a longa distância, mas acho que estou habituado. Não é assim tão difícil. Poderá ser para outras pessoas, mas não é assim tão difícil para mim.

 

Como jornalista, qual é a sua posição sobre o bom e o mau que resultou da divulgação dos relatórios do NSA divulgados por Edward Snowden?

 

Como jornalista – isto não é uma opinião oficial do “Mashable” – é bom que tenha chamado a atenção sobre estes assuntos. É a coisa mais importante.

 

Agora todos sabem o que está a acontecer, é isso?

 

Sim, agora sabemos. Isso é o mais importante. Eu não sei sobre o que é mau. Mas acho que isto é bom. Viu-se o presidente Barack Obama a fazer várias comunicações ao público sobre o assunto, e obviamente estão a levar a coisa a sério, estão a fazer alguma coisa sobre isso. Por isso acho que é bom que saibamos.

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