Notícia
LafargeHolcim reconhece comportamento “inaceitável” em unidade na Síria
A cimenteira, que tinha uma fábrica no norte daquele país do Médio Oriente, admitiu que tinham sido tomadas medidas “inaceitáveis” para manter a unidade aberta durante a guerra civil que assola o país há quase seis anos.
O grupo Lafarge-Holcim reconheceu que tinham sido tomadas medidas inaceitáveis pelo staff da sua unidade no norte da Síria, a menos de 100 quilómetros da cidade de Raqqa, a capital "de facto" do Estado Islâmico, para manter a fábrica em funcionamento, durante os primeiros anos da sangrenta guerra civil que se desenrola no país desde 2011.
A produtora de cimento, que resultou da união da francesa Lafarge e da suíça Holcim, levou a cabo uma investigação interna, depois de anos de alegações de colaboração e mesmo pagamentos a grupos armados na Síria, alguns dos quais estão na lista de sanções internacionais por alegadas violações dos direitos humanos durante o conflito. A investigação, que a empresa revelou esta quinta-feira, está detalhada no Financial Times que dá conta de que a empresa encontrou evidências de acordos com grupos armados com o objectivo de manter a fábrica em operação em 2013 e 2014.
E foi precisamente em 2013 que começaram conflitos violentos em torno da fábrica na Síria, com várias facções armadas, que incluíam grupos ligados a organizações islâmicas radicais, a lutar contra as forças do presidente Bashar al-Assad junto à fronteira com a Turquia. Os combates levantaram dúvidas quanto à segurança da fábrica e dos funcionários.
Em comunicado, o grupo referiu que a investigação descobriu pagamentos a terceiros, mas não conseguiu perceber, com exactidão, quem é que acabou por receber os fundos. A unidade acabou por fechar em 2014, com o Estado Islâmico às suas portas. O grupo fala em "erros de julgamento significativos" na gestão da unidade e confirmou que havia queixas a correr na justiça francesa por causa desta questão.
Livro descreve caos na cimenteira
As alegações contra a cimenteira intensificaram-se em Setembro do ano passado depois de um dos elementos da gestão da unidade síria, um norueguês responsável pela segurança, ter publicado um livro em que relatava o clima de caos e insegurança que se viveu na unidade, bem como alguma estratégias para manter o funcionamento.
Jacob Waerness contou que a companhia foi obrigada a negociar a libertação de funcionários que tinham sido raptados e que levou a cabo conversações com grupos armados locais para manter o fornecimento de materiais necessários à produção.
Nesta altura a Lafarge ainda não se tinha fundido com a Holcim e tinha investido quase 700 milhões de euros na unidade síria, que abriu seis meses antes de começarem as manifestações no país, que conduziram ao conflito. "Não fizemos nada disto para lucrar com a guerra", sublinhou Waerness numa entrevista. "Queríamos manter a fábrica a funcionar para evitar que fosse destruída".
Mas o antigo responsável pela segurança reconheceu que a Lafarge terá ajuizado mal o desenrolar da situação, ficando na Síria até o Estado Islâmico estar literalmente à porta da fábrica. Uma das acusações feitas à cimenteira foi de manter algum tipo de relação com o grupo radical, uma alegação que, para já, não foi provada.
Waerness falou ainda dos esforços da Lafarge em transformar os camiões em veículos blindados ou trazer em segredo, pela fronteira turca, um profissional filipino para ajudar com a manutenção. O antigo funcionário da Lafarge, que já não trabalha para o grupo, reconhece que deveriam ter abandonado o país mais cedo e aceita que que tem alguma culpa na situação. "Não podíamos operar na região sem que estes grupos beneficiassem directa e indirectamente da nossa operação", salientou.
Em Julho, um relatório parlamentar francês concluiu que não havia provas de que a cimenteira tenha contribuído para o financiamento do Estado Islâmico na Síria. O jornal Le Monde noticiou que os pagamentos foram indirectos e que a gestão podia nem saber da sua existência.
Em 2013, Waerness foi convidado para uma reunião com o responsável pela área financeira do Estado Islâmico, que diz ter rejeitado. Quando a empresa finalmente fechou, o grupo islâmico radical tomou conta do local.