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Amílcar descalça Kyaia de Fortunato e segue “outro caminho” com a.li.ás
Ao fim de quase meio século de vida empresarial conjunta, o braço direito e sócio de Fortunato Frederico, o ex-líder da associação da “indústria mais sexy da Europa”, Amílcar Monteiro abandona o grupo Kyaia e lança uma nova marca de calçado.
"’Uma vez, estava a falar para um tipo da Índia e eu queria perguntar-lhe: ‘Gostas dos sapatos?’ Mas só lhe dizia ‘I like, I like, I like’, apontando para os sapatos, e ele, enfim, a pensar que ‘Ok, tu gostas, e o que é que eu tenho a ver com isso?’. Até que o Amílcar me diz: ‘Não é ‘I like’, é ‘you like’!’"
Em março de 2018, em entrevista ao Negócios, Fortunato Frederico, ex-presidente da associação dos industriais de calçado (APICCAPS) e dono do grupo Kyaia, que chegou a ser o maior grupo português do setor, desfiou uma série de momentos de vida passados com o seu braço-direito Amílcar Monteiro, tendo então revelado que tinha 85% do capital e o seu sócio 15%.
"Algures em 1976 sou abordado por dois empresários, que me propuseram sociedade para abrir uma fábrica. Chegou-se a comprar os terrenos, em Felgueiras, mas eles zangaram-se. Entretanto, tinham aparecido outros dois empresários, que trabalhavam na empresa do pai, a Regilde, com uma proposta do género, mas em que eu é que ficaria a tomar conta da fábrica."
"Construiu-se então a Pratik, onde estive sete ou oito anos, tendo sido aqui que conheci o meu futuro sócio, o Amílcar, que começou a trabalhar comigo aos 15 anos. Um ano antes de sairmos, disse-lhe para ir aprendendo inglês e que o iria livrar da tropa. Paguei para isso", sublinhou, na altura, Fortunato Frederico.
O grande salto do grupo Kyaia aconteceu em 1994, quando encontra a Fly London em Inglaterra.
"Andávamos à procura de uma marca. Ainda tentámos alterar o ‘lettering’ da Kyaia – fundo negro, que era a situação do país nessa altura, com o nome Kyaia, a vermelho, a rasgar aquele círculo vicioso. Achávamos que era uma coisa nova, que ia ter futuro. Mas concluímos que vender sapatos de senhora da marca Kyaia era um bocado esquisito. Ainda fizemos alterações, mas o nosso departamento de marketing era muito pobrezinho. E nem os trabalhadores gostavam", começou por contar Fortunato.
"Foi então que, numa feira em Düsseldorf, uma nossa agente contou-nos que estava lá uma empresa a que tinha achado graça e cujo ‘stand’ não ia abrir porque os donos ingleses tinham chegado à feira já zangados. Fomos logo lá. ‘É isto que nos interessa’, disse o Amílcar. A Kyaia estava forte, com uma boa situação no mercado, só nos faltava voar. Olhámos para a mosca e ficámos apaixonados. Fomos ter com o dono e disse-lhe: ‘Não sei se é muito ou pouco, mas eu pago tudo o que gastou até agora na marca.’ Ele gostou da nossa proposta e fechámos o negócio. Não sei bem quanto foi, talvez uns 10 mil contos [50 mil euros], que na altura era muito dinheiro", rematou.
O grupo Kyaia chegou a apresentar-se como o maior grupo português de calçado. Em 2013, quando facturava 56 milhões de euros, apresentou um plano estratégico em que anunciava a meta de duplicar as vendas numa década.
Passado uma década, o que temos? O grupo Kyaia, que detém várias fábricas em Guimarães e Paredes de Coura, empregando cerca de quatro centenas de pessoas, perdeu mais de metade da sua faturação, tendo fechado 2022 com vendas de 25 milhões de euros.
"Um outro caminho para um futuro sustentável"
Entretanto, em tempos de pandemia, Fortunato Frederico acabou também por ver Amílcar Monteiro abandonar a Kyaia.
Juntamente com o seu filho, João Monteiro, que também trabalhava na Kyaia, Amílcar decidiu pedalar a sua própria bicicleta empresarial, lançando agora a marca de calçado a.li.ás, que "aposta em produtos fabricados com materiais ecológicos e no desenvolvimento de um processo alternativo e sustentável de fazer calçado, reduzindo o impacto da indústria no ambiente".
"Com o lançamento da a.li.ás, a indústria do calçado dá um passo revolucionário em direção à meta da sustentabilidade. Comprometida com a construção de um futuro consciente e sustentável, a a.li.ás estreia-se sob o lema ‘Outro Caminho. Outro Tempo. Outro Lugar’, anunciando uma nova era de calçado ecológico, unissexo e atemporal que respeita o meio ambiente, a diversidade e a economia local", afiança a nova marca, esta quarta-feira, 26 de julho, em comunicado.
"A ‘indústria mais sexy da Europa" conta agora com uma marca portuguesa empenhada em deixar uma pegada responsável no planeta", remata.
A marca de Amílcar e João Monteiro assegura que "o processo produtivo da a.li.ás é pautado pela utilização de matérias-primas orgânicas ou provenientes de desperdício industrial, privilegiando a redução de produtos químicos e sintéticos, recorrendo a fontes locais e artesanais para garantir a qualidade e autenticidade dos produtos e dar um contributo para a economia circular".
Entre os materiais utilizados, destaca "o bio couro produzido localmente (sem metais ou substâncias nocivas), o algodão certificado pelos nossos parceiros da Better Cotton Initiative, o Burel – tecido artesanal português proveniente de lã de ovelha da Serra da Estrela -, a borracha natural totalmente reciclável ou a espuma de PU reciclada, refletindo um sério compromisso com o uso ético e sustentável dos recursos naturais", conclui.