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"A água é um factor-chave para a estabilidade e a paz no mundo"

Uma estratégia global para a água é muito importante para o desenvolvimento sustentável e para dinamizar a economia verde, diz Alexandra Serra, presidente da Assembleia Geral da Associação Portuguesa de Recursos Hídricos

"A água é um factor-chave para a estabilidade e a paz no mundo"
04 de Junho de 2012 às 09:00
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Alexandra Serra, Administradora da ADP Serviços e presidente da Assembleia Geral da APRH


Durante o caminho entre as fontes de água potável e as nossas torneiras ainda se perde actualmente cerca de 40% da água tratada.

A maioria das perdas são físicas, devido a fugas, mas também há algumas comerciais, que têm a ver com a medição deficiente da água cobrada ou consumos não cobrados. Por isso, Alexandra Serra, administradora da ADP Serviços e presidente da Assembleia Geral da Associação Portuguesa de Recursos Hídricos (APRH), considera ser muito importante valorizar os investimentos em manutenção e substituição. Se não o fizermos estaremos apenas a adiar o problema para as próximas gerações.


Há, actualmente, uma estratégia global para a água que congregue os esforços de todas nações da Terra?
Neste momento podemos dizer que há uma estratégia global, se não para a água em geral, para várias das suas dimensões. Exemplos disso são decisões muito importantes tomadas pela Assembleia Geral das Nações Unidas.

Em 1998 foi aprovada uma convenção sobre os rios internacionais. Em 2000 os objectivos de desenvolvimento do milénio, que são vários, mas dois deles estão especificamente relacionados com o abastecimento de água e o saneamento. São para atingir em 2015 e as metas são diminuir, para metade, a população mundial sem acesso à água e saneamento. Em 2009 foi aprovado o direito humano à água e saneamento.

Também existem vários fóruns mundiais, onde decisores ao mais alto nível têm subscrito e feito declarações de compromisso sobre a água. No mais recente Fórum Mundial da Água, onde estive presente, foi subscrita uma declaração, pelos ministros de mais de cem países, em que é declarada a importância da água como factor-chave para a estabilidade e paz no mundo.

Nela há o compromisso do garante ao acesso à água e ao saneamento, nos níveis exigidos de disponibilidade de água e de aceitabilidade, o que tem muito a ver com os aspectos culturais das diferentes regiões. Garantir o acesso à água é, afinal, um custo socialmente comportável.
Outra dimensão da declaração de Marselha tem a ver com o compromisso de integrar a água nas políticas de segurança alimentar. Tal como implementar origens não convencionais como a reutilização da água e a dessalinização.

Este é um exemplo de como, no mundo, se vai construindo, de facto, uma estratégia global para a água e como se percebe que esta é tão importante para o desenvolvimento sustentável e dinamizar a economia verde, que hoje está na ordem do dia.


Quais são as ideias base de uma boa gestão da água num país? Como é que podem ser desenvolvidas e o que é que podem assegurar?
Num primeiro nível, é necessário proteger as massas de água em relação às actividades que as podem alterar. Inclui rios, lagos, estuários, águas de transição e ribeiros, ou seja, tudo o que é água na natureza.

O acesso à água e saneamento é também uma ideia base de uma boa política de gestão da água, tal como o são a segurança do seu fornecimento às utilizações económicas e a parcimónia e a racionalidade do seu uso.

Por fim temos a cooperação internacional, que é tão importante para o país. Inclui a colaboração transfronteiriça na gestão dos recursos hídricos, tal como aquela que deve existir entre regiões.

Temos uma convenção com Espanha muito inovadora, que é preciso acompanhar e monitorizar. E vamos ver quais são os resultados dos planos de gestão do regime hidrográfico, que terminaram de ser feitos em Portugal e Espanha. Vão ser instrumentos muito importantes para reforçar a boa gestão transfronteiriça dos recursos hídricos.


O que é tem sido feito em Portugal para assegurar a disponibilidade de água para suprir as nossas necessidades?
Se um país como Portugal tem uma boa gestão dos recursos hídricos, assegura a produção de riqueza. A água é fundamental para isso.

Água, segurança energética e alimentar, são os três pilares fundamentais para garantir a dinamização de uma economia verde, que é muito importante para superar a situação negativa actual. Também para melhorar a qualidade de vida da população em geral. A água é tão essencial à economia e à sustentabilidade, que um país não se pode dar ao luxo de não a gerir bem.

Em Portugal há vários exemplos de um caminho bem percorrido. É o caso de Alqueva, um empreendimento muito importante para assegurar o desenvolvimento regional no Alentejo.
Outro exemplo importante é todo o investimento que tem sido feito pelo grupo Águas de Portugal (ADP) no tratamento de águas residuais. E, no que diz respeito à energia, o que realizado em barragens de elevado potencial hidroeléctrico.

Neste momento estão a ser construídas várias unidades, como a do Fridão, no Minho, e Foz Tua e Baixo Sabor, empreendimentos da EDP na região do Douro. É importante a disponibilidade de energia renovável, verde, obtida a partir da água. Portugal tem uma morfologia e clima que propiciam o seu aproveitamento.


O que falta fazer?
Em Portugal a gestão dos recursos hídricos está muito focada na protecção das massas de água. Já atingimos um elevado nível de cobertura do território de estações de tratamento das águas residuais, mas falta ainda investimento nos sistemas municipais de recolha das águas residuais, para o seu transporte. As águas residuais são os esgotos que produzimos em casa, serviços e pequenas indústrias das zonas urbanas, as águas pluviais que entram nos sistemas de recolha e as infiltrações. Têm de haver redes de drenagem para as recolher e levar às estações de tratamento nos aglomerados urbanos.

O que acontece em Portugal, principalmente no interior e norte do país, é que o nível de cobertura com estações de tratamento de águas residuais é superior ao das redes de recolha. Por isso, é preciso construi-las para conduzir as águas residuais às estações de tratamento existentes e proteger ainda melhor as nossas massas de água.


Quais são as medidas que aponta para o uso eficiente da água?
Para mim, uma das mais importantes é o preço. Na casa de cada um, quando vimos a nossa factura aumentar, temos a tendência para poupar e usar a água de uma forma mais eficiente.

Por isso, o preço tem uma grande importância para a poupança da água e sensibilização do cidadão em relação ao seu valor. Se esta é um bem escasso e de elevado valor, ele tem de o traduzir. Quanto mais se utiliza mais se deve pagar.

Há várias soluções para isso. Desde a tarifa gradual, em que os primeiros metros cúbicos terão um preço social, às alterações deste em função da estação do ano, com aumentos durante o Verão, para alertar para a necessidade de poupa água. São tudo instrumentos que podem ser empregues para um uso mais eficiente da água.

Mas é preciso sempre ter o cuidado, nas nossas casas, de não deixar as torneiras a correr e optar por duches rápidos em vez de banhos de imersão. São medidas que não têm um reflexo muito grande na escala de um país, mas são boas práticas ambientais do cidadão comum, que pode, assim, contribuir para os recursos serem utilizados de forma mais eficiente.


E no que respeita à água potável?
É também um desafio. Nas duas últimas décadas foi feito muito em Portugal. Mas é preciso continuar o caminho. Em primeiro lugar, é necessário que as políticas visem a protecção da água na origem.

Quanto mais tratarmos a água que descarregamos no meio natural, melhor qualidade terá quando a captamos para produzir água potável. Tratar a água, colocar nos reservatórios e levá-la a casa de cada um custa dinheiro. Mas durante o caminho perde-se actualmente cerca de 40% da água tratada.

É nas redes de distribuição que ocorrem a maior parte das perdas, principalmente nas mais antigas e obsoletas, com pouca manutenção. Por isso, é muito importante valorizar os investimentos em manutenção e substituição. Se não o fizermos estamos apenas a adiar o problema e atirá-lo para as próximas gerações.


E o que é que está a ser feito para resolver o problema das perdas de água na rede de abastecimento?
É mais caro eu estar sempre a abrir buracos e a substituir, ou ter uma política de manutenção das minhas infra-estruturas que permita minimizar a necessidade de intervenção? A Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR) está a fazer um trabalho muito importante no apoio às entidades gestoras, para ajudar a implementarem planos de manutenção.

Mas o planeamento e a gestão patrimonial de infra-estruturas dependem muito da sustentabilidade económica dos operadores que prestam o serviço. Por isso, é necessária a recuperação tendencialmente integral dos seus custos.

É preciso não esquecer que o sector de abastecimento de água e saneamento ainda hoje se confronta com problemas graves de falta de sustentabilidade em algumas regiões e municípios, porque o preço da água e saneamento não reflecte os custos. E se a entidade gestora não tem receitas que permitam lhes fazer face para tratar, elevar a água e manter as estruturas, a prazo é insustentável prestar um serviço de qualidade.
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