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José António de Sousa: "Um seguro não é um salvo-conduto"

Os maiores desafios para José António de Sousa, CEO da Liberty Seguros, são manter as margens técnicas nos ramos Não Vida e enfrentar os impactos das alterações climáticas.

Miguel Baltazar/Negócios
27 de Março de 2014 às 09:00
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Para o presidente e CEO da Liberty Seguros, José António de Sousa, 58 anos, o período entre 2003 e 2013 foi uma década perdida. O sector segurador "tinha em 2003 um volume de prémios em não-Vida superior ao que tem em 2013" e, mesmo no ramo Vida, "no cômputo geral o sector no seu conjunto tem hoje uma menor representatividade em termos de participação no PIB do que tinha no início deste século".

Para 2014 não espera "uma grande inversão neste panorama" ainda que o ramo Vida e Saúde possa apresentar novamente taxas de crescimento positivas, mas em Ramos Reais/Não-Vida "poderemos dar-nos por satisfeitos se conseguirmos acabar com um crescimento moderado, ou até mesmo com um break-even".

Quais os segmentos do negócio mais críticos, e quais os mais atractivos e com margem de crescimento?

Os segmentos de negócio mais críticos continuam a ser indiscutivelmente os ramos obrigatórios, automóvel e acidentes de trabalho. Mas a parte de lar e pacotes comerciais (incêndio e coberturas complementares) também apresentam enormes e crescentes desafios, pelo forte incremento nas tentativas de fraude.

 

Os ramos com maior potencial de crescimento continuarão a ser o saúde, pelo contínuo desmantelar e degradação vergonhosa a que está a ser sujeito o Serviço Nacional de Saúde, e Vida (poupança via capitalização e PPR), porque as pessoas já se deram conta que a pensão que recebem do Estado não só já não é inviolável e intocável, como está seriamente comprometida no futuro, quer em termos de garantia, quer em termos de montante.

 

As novas gerações terão necessariamente de poupar por separado, pois mesmo que venham a receber uma pensão do Estado após a reforma, o seu montante estará longe de lhes garantir o sustento digno até ao final das suas vidas.

Qual foi o impacto da crise na indústria seguradora em Portugal? Na sua opinião como foi o comportamento do sector nesta crise?

O sector segurador, sobretudo os ramos reais/não-vida, são sempre um espelho daquilo que acontece na economia de um país. Há crescimento económico, gera-se emprego, criam-se empresas, vendem-se carros, o sector segurador cresce. Dá-se o fenómeno inverso, o sector segurador decresce. Foi o que aconteceu em Portugal a partir essencialmente de 2008. Mas já antes, mesmo quando o mundo parecia ainda estar pintado de cor-de-rosa, havia sintomas de degradação, pela concorrência forte, e em parte irresponsável, que se estabeleceu no sector em vários ramos de negócio, sobretudo nos obrigatórios (automóvel e acidentes de trabalho).

 

Se olhar para o volume de prémios em Não-Vida de todo o sector em 2003 e em 2013, verá que este foi um período perdido. Ou seja, o sector tinha em 2003 um volume de prémios em Não-Vida superior ao que tem em 2013. Vida foi tendo altos e baixos, mas no cômputo geral o sector no seu conjunto tem hoje uma menor representatividade em termos de participação no PIB do que tinha no início deste século.

Qual o impacto das tecnologias no negócio segurador? Terá sobretudo influência no back-office ou terá também junto dos clientes e dos canais de distribuição, por exemplo?

As tecnologias têm sido fundamentais para o sector se tornar mais eficiente, ou seja, o grande impacto tem sido efectivamente em termos de back-office (sinistros, emissão de documentos, etc.). Mas também permitiram diversificar canais de distribuição, a forma como se chega aos diversos segmentos de clientes, nem sempre com resultados óptimos para as seguradoras, porque focalizam essencialmente o factor preço como argumento de venda, contribuindo assim à degradação dos resultados nos ramos que se vendem através de canais alternativos e das plataformas tecnológicas.

Como é que se consegue fazer do seguro um produto simples e facilmente compreensível?

Discordo daquilo que está implícito na sua pergunta. Em minha opinião os seguros são simples e compreensíveis, são é mal explicados no acto da venda, sobretudo quando a venda não é feita por um intermediário profissional de seguros. Toda a regra terá a sua excepção, mas por via de regra uma venda feita a um balcão bancário, ou através de um call center, será sempre uma venda imperfeita, que deixa muita margem para dúvidas nos clientes, e em que não lhes é explicado que um seguro não é um "salvo-conduto" que cobre qualquer coisa que lhe aconteça.

Ainda me lembro quando aqui em Portugal uma determinada companhia directa, através da sorridente Marta, falava aos consumidores do "seu seguro contra todos". Não existe tal, nem nunca existiu. Há sempre uma série de riscos que estão excluídos de uma apólice, e é obrigatório o cliente ser informado dos mesmos no processo de venda, e do porquê dessas exclusões. Mas há muito boa gente que passa ao lado desta secção das exclusões de cobertura, porque tem medo de comprometer a venda. Ou seja, os seguros não são complexos, têm é que ser explicados aos clientes, como tudo na vida.

Já tratou de ler as páginas de letra pequena dos contratos que os bancos nos submetem antes de abrir uma conta bancária ou de nos entregar um cartão de crédito? Isso sim são produtos complexos, e no entanto as pessoas assinam de cruz, sem que alguém lhes explique as brutais restrições de direitos e as cláusulas abusivas que a maioria desses contratos contém, e que desresponsabilizam a banca de todo e qualquer risco. O sector segurador seria trucidado se tratasse de aplicar esse tipo de contratos.

 
Perfil: Alemanha, Brasil e EUA no passaporte de gestor

José António de Sousa nasceu a 10 de Maio de 1955, em Vila Nova de Gaia. Licenciado em Economia, pela Faculdade de Economia do Porto em 1978, começou a trabalhar na Gerling-Konzern Globale Rück, na área do Resseguro Vida, em Colónia, Alemanha, a que se seguiu a liderança das filiais em Espanha e América Latina.

 

Em Junho de 1988 tornou-se CEO da Zurich no Brasil e, quatro anos depois, da filial no México. Em 1996 foi nomeado director regional da Zurich para os Estados Unidos da América. Em 2000 seguiu para a Venezuela como CEO da Zurich. Em Abril de 2003 tornou-se o CEO da Liberty Seguros, em Lisboa, que adquirira a seguradora Europeia ao grupo Crédit Suisse.

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