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Estado não conseguiu vender o Atlântida a “pirata” grego
Tripulações sem salários, comida, água nem combustível, abandono e posterior afundamento de navios, protestos de organizações do trabalho e de direitos humanos. Eis o currículo da grega Thesarco Shipping, do empresário Evangelos Saravanos, que ganhou o concurso de venda do navio Atlântida mas não chegou a pagar um cêntimo dos 12,8 milhões de euros propostos.
Desde há pouco mais de dois meses, quando foram conhecidos os três candidatos à compra do Atlântida, que o Negócios vinha tentando, sem sucesso, traçar o perfil da grega Thesarco Shipping, subscritora da proposta mais alta pelo "ferryboat" que foi encomendado e rejeitado pelos Açores e que deu um prejuízo superior a 70 milhões de euros aos estatais Estaleiros Navais de Viana do Castelo (ENVC).
Sem esclarecimentos da tutela nem resposta por parte da Thesarco, o Negócios conseguiu entretanto saber que o armador grego apresenta no seu currículo uma longa lista de más práticas relacionadas com o exercício da sua actividade, em termos legais, laborais, ambientais, segurança e de manutenção dos seus navios e tripulações.
A empresa de Saravanos esteve envolvida, pelo menos entre 2006 e 2010, numa série de casos de abandono de tripulações, detenções e afundamento de um navio, um pouco por todo o mundo, da Rússia ao Sri Lanka, passando pela Argélia e pela própria Grécia.
Um dos casos mais polémicos atracou no porto grego de Pireu, em Agosto de 2009: depois de ter estado apreendido na Argélia, o navio Aetea Sierra, da Thersaco, envolvido num disputa judicial, chegou a Atenas com uma tripulação de 14 pessoas com razões de queixa do patrão.
No porto da capital grega, a tripulação do Aetea aguentou oito meses a bordo sem salários, com os trabalhadores a acusarem Saravanos de os ter deixado sem comida e sem água potável, condenando-os "a viver em condições subhumanas" numa "prisão flutuante".
Um tribunal local ordenou que Saravanos pagasse 400 mil euros de salários em atraso aos trabalhadores, mas o empresário só cumpriu parcialmente a sentença judicial. Na altura, o advogado da federação internacional dos trabalhadores do sector revelou que Saravanos tinha recorrido de uma condenação a 38 meses de prisão, por ter colocado a vida da tripulação em risco ao deixar o navio sem combustível.
Seis meses antes, no Sri Lanka, um outro navio da Thesarco, o Thermopylae Sierra, acabou por afundar-se junto à costa da cidade de Moratuwa, onde esteve ancorado com 40 tripulantes a bordo, que também sofreram com a falta de alimentos, água e combustível.
Foram as autoridades locais que realizaram as operações de manutenção do navio durante este período. O tribunal de Colombo, antiga capital do país, acabou por condenar o armador grego ao pagamento de uma indemnização, pelos danos causados, de 2,2 milhões de dólares (1,6 milhões de euros).
Governo português descarta culpas
Questionado pelo Negócios, nesta tarde de quinta-feira, sobre se tinha conhecimento do currículo da Thesarco, fonte oficial do Ministério da Defesa, que tutela os ENVC, empresa responsável pelo lançamento do concurso de venda do Atlântida, alegou que "o Ministério da Defesa não teve qualquer intervenção no concurso, cujo único critério foi o melhor preço e cujo júri foi presidido por um elemento da Inspecção-Geral de Finanças".
Thesarco ganhou o Atlântida e desapareceu
Desde que ganhou a corrida à compra do Atlântida, há quase um mês, por um valor de 12,8 milhões de euros, que a Thesarco Shipping nunca mais deu sinal de vida.
Na passada quarta-feira, em carta enviada à empresa grega, os Estaleiros Navais de Viana do Castelo (ENVC) lançaram um ultimato: a Thesarco tinha até às 15 horas desta quarta-feira para efectivar o pagamento.
Esgotado o prazo, e confirmada o incumprimento da Thesarco, os ENVC decidiram adjudicar o Atlântida à Mystic Cruises, da Douro Azul, por um valor de 8,75 milhões de euros. O dono deste grupo turístico, Mário Ferreira, revelou ao Negócios que, caso venha mesmo a firmar a compra do Atlântida, irá investir perto de oito milhões de euros na conversão do "ferryboat" num paquete de luxo.
Lançado a 11 de Março, o concurso registou ainda uma terceira proposta, assinada pelo consórcio MD Roelofs Beheer e Chevalier Floatels, de quatro milhões de euros.
Concluído em 2009, o "ferryboat" Atlântida, encomendado e rejeitado pelos Açores, deveria ter rendido 50 milhões de euros. Encostado no Alfeite à espera de comprador, foi avaliado em 29 milhões no relatório e contas de 2012 dos ENVC, cuja administração calcula que, até ao momento, o negócio do Atlântida representa prejuízos superiores a 70 milhões de euros.