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As "cerejas" de Amorim, Banif e Estado faliram na Finpro

Conheça a história da Finpro, sociedade que era controlada pelo homem mais rico de Portugal, pelo Banif e pelo Estado, que acabou na falência com dívidas de 268 milhões de euros.

Paulo Duarte/Negócios
28 de Novembro de 2015 às 10:00
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"O dinheiro é como as cerejas. Aparece sempre." Em Agosto de 2007, em declarações ao Público, Américo Amorim garantia que nunca faltaria capital para saciar a ambição da Finpro, sociedade gestora de capitais públicos e privados, que tinha investido, nos últimos 10 meses, mais de 500 milhões de euros em três grandes aquisições internacionais.

 

Numa época de fácil acesso ao crédito e em boas condições, a Finpro foi concretizando investimentos com pouco recurso a capitais próprios – em 2006, por exemplo, apresentava um rácio de endividamento de 66%. Mas desde a proclamação de Amorim, a empresa nunca mais voltaria às compras. E a recessão mundial, que chegou no ano seguinte, fez abortar a operação de entrada da Finpro na bolsa.

 

Demasiado alavancada, com uma situação financeira agravada pela deterioração das condições de crédito e das necessidades de refinanciamento da sociedade e das suas participadas, a Finpro, em desespero, decide então iniciar a negociação de venda de quase metade da empresa com a RREEF Alternative Investments, do Deutsche Bank, por cerca de 270 milhões de euros.

 

Este valor incorporava um desconto superior a 20% face às contas feitas pela Caixa BI/Banif BI, que avaliou a Finpro, em Setembro de 2007, num intervalo entre 638 milhões e 699 milhões de euros – menos 100 milhões do que a avaliação feita pela administração da sociedade.

 

A decisão de avançar com a venda da Finpro, numa conjuntura de crise mundial, foi vista como um sinal de fragilidade, provocando uma previsível desvalorização da empresa. Mas nem assim o negócio se fez, por desinteresse do comprador.

 

Numa auditoria realizada em 2010 ao Instituto de Gestão de Fundos de Capitalização da Segurança Social, que investiu 18,6 milhões de euros para deter 10% da Finpro, o Tribunal de Contas criticou severamente a participação desta entidade estatal no capital da empresa.

 

E insurgiu-se especialmente sobre uma carta de conforto, datada de Junho de 2008, à Caixa Geral de Depósitos, em socorro de uma participada da Finpro, aquando da renegociação de um contrato de investimento sindicado, considerando que o Instituto deveria "abster-se" de proceder à sua emissão pelas consequências que poderia ter no caso de incumprimento da Finpro.

 

"Em conclusão", lê-se no relatório do Tribunal de Contas, "a participação na Finpro é controversa, não só pelos atributos do investimento ‘per si’, pois trata-se de um investimento muito arriscado pela alavancagem associada, mas tendo em conta o processo de investimento que o originou e que a norteia".

 

PERdeu-se atolada em dívidas

 

Falhada a venda da empresa, abortada a sua entrada em bolsa, e sem que os accionistas continuassem disponíveis para novos aumentos de capital, a Finpro começa a definhar. Demasiado exposta à banca e com a crise internacional ainda a flamejar, a sociedade, que ainda há pouco tempo nadava em dinheiro, entrou numa espiral de resultados negativos – entre 2010 e 2013 acumulou prejuízos de 125 milhões de euros.

 

É possível que a sociedade controlada pelo Estado, Banif e Américo Amorim fosse parar à falência? O inacreditável aconteceu. Em Março do ano passado, a Finpro aderiu ao Processo Especial de Revitalização (PER) com dívidas de 224 milhões de euros.

 

A banca credora viria a aprovar o plano de recuperação da empresa, mas oito meses depois, perante o incumprimento do que tinha sido homologado, a Finpro avançou com um segundo PER. Mas, nessa altura, os credores tinham já deixado de acreditar na viabilidade da sociedade. Chumbaram o recauchutado plano de salvação e mandaram a Finpro para a insolvência. A empresa está agora em processo de liquidação. E é certo que o resultado da venda dos seus activos estará longe de cobrir as dívidas de 268 milhões de euros.

 

António Paula Santos (a)fundou a Finpro

 

Foi em 1998 que o discretíssimo António Paula Santos, nascido em Maio de 1952 e licenciado em Finanças, na altura com 46 anos e que tinha feito carreira na Engil (entretanto adquirida pela Mota), convenceu o falecido Horácio Roque (grupo Banif) e Américo Amorim a aderirem ao seu projecto de vida profissional.

 

Acompanhado por Manuel Carvalho Fernandes (antigo secretário de Estado do Tesouro de Cavaco Silva) e Manuel Cavaco Guerreiro, a equipa de gestão liderada por Santos fazia parte da estrutura accionista da Finpro, a qual, para além de Roque e Amorim, contava ainda com os fundos de pensões do Banco de Portugal, CTT, Marconi, PT e Caixa de Crédito Agrícola.

 

De todos estes accionistas, apenas Amorim (25,4%), o Banif (32%), e parcialmente o "management", se mantiveram no capital até ao fim da Finpro. Os fundos de pensões, muitos já extintos ou absorvidos em processos de fusões e aquisições, viriam a ceder as suas posições à Caixa Geral de Depósitos (17,2%) e ao Instituto de Gestão de Fundos de Capitalização da Segurança social (10%). 

 

A sociedade gestora de capitais públicos e privados, que começou por dedicar-se ao "private equity", cedo se focalizou no investimento em infra-estruturas, sobretudo a nível internacional.

 

Por terra e ar, de Portugal à Austrália

 

Curiosamente, começou por ir às compras em Portugal, adquirindo cerca de 60% da Companhia de Papel do Prado, em 1999, aquando da reprivatização da empresa. Trata-se de duas fábricas – uma de cartolinas, situada na Lousã, e outra que produz cartão plano de embalagem em Tomar. Um activo que agrega ainda uma empresa dedicada ao desenvolvimento de quatro projectos imobiliários.

 

À entrada do novo século, já depois de ter comprado e vendido os 7% que detinha na concessionária de auto-estradas espanhola Aumar, a Finpro investiu cerca de 50 milhões de euros na compra de posições nos aeroportos de Bristol, Birmingham, Sidney e Roma. Uma operação realizada através da "holding" Macquaire Airport Group (MAG), onde a sociedade portuguesa detinha 8,33% do capital, e que era participado, entre outros grupos, pelo australiano Macquaire, à época accionista da Lusoponte. A Finpro viria a reforçar a sua quota na MAG para 12%, em Agosto de 2003, elevando o investimento para um total de 68 milhões de euros.

 

Ainda nesse ano, oito meses antes, tinha pago 35 milhões de euros por 6,47% da Europistas, uma concessionária espanhola que operava a auto-estrada que liga França a Espanha.

 

Encaixando sempre lucros chorudos, a Finpro decidiu vender as suas posições na MAG e na Europistas nos dois anos seguintes: em Setembro de 2004 alienou os 12% da MAG, e, em Junho de 2005, os 6,5% na Europistas, tendo neste último negócio obtido uma mais-valia de 12,3 milhões de euros.

 

Ainda em 2005, a Finpro adquiriu 2,1% do capital da Transurban, a maior concessionária de auto-estradas da Austrália, que tinha três concessões no país – uma em Melbourne (com 22 quilómetros) e duas em Sidney (a Citylink, com 22 quilómetros, e a Westlink M7, com 40). Uma participação que viria a alienar, de forma gradual, nos anos de 2007 e 2008.

  

Águas e lixos no Reino Unido, portos em Espanha

 

Em seis meses, entre Outubro de 2006 e Março de 2007, a Finpro firmou duas robustas aquisições no Reino Unido. O primeiro investimento, de 100 milhões de libras, conferiu-lhe 4,34% do capital da Kemble Water, sociedade veículo que detém a Thames Water, empresa que opera as águas de Londres e vale do Tamisa, e que integrava o grupo Macquaire e vários fundos internacionais.

 

A Thames Water é a maior empresa britânica de águas e serviços relacionados. À época, fornecia água a mais de oito milhões de pessoas e prestava serviços de esgotos a 13 milhões, cobrindo uma área de 13 mil quilómetros quadrados.

 

Seguiu-se a compra de 33,3% do capital da Cory Environmental Holding Limited, empresa que gere e trata os lixos de Londres, numa operação conjunta com o ABN Amro Infrastructure Capital Management Limited e o Capital Riesgo Global (grupo Santander), que investiram, em partes iguais, cerca de 900 milhões de euros no negócio através de uma sociedade veículo chamada Viking Consortium Holdings.

 

Fundada em 1896 e com 1.300 trabalhadores, a Cory apresentava-se como uma das empresas líderes inglesas no domínio da gestão de resíduos sólidos, com unidades de negócio "estrategicamente localizadas em quatro das principais áreas urbanas do Reino Unido", com "um crescimento sustentado do volume de vendas e resultados nos últimos 17 anos".

 

Na Primavera de 2007, a Finpro realiza um aumento do seu capital em 100 milhões de euros, de 37,5 milhões para 137,5 milhões de euros. Tinha entretanto fechado o exercício de 2006 com um resultado líquido de 5,8 milhões de euros, menos um milhão do que no ano anterior.

 

Pouco tempo depois, em Julho de 2007, firma aquela que foi a última aquisição da sua história: desembolsou perto de 200 milhões de euros para ficar com 50% da Portobar Capital Limited, sociedade detentora de 37,3% do TCB (Terminal de Contentores de Barcelona), operador espanhol de 13 terminais portuários.  

 

Revitalizada à primeira, faliu à segunda

 

Durante seis longos anos, nunca mais se ouviu falar da Finpro. Até que, na edição de 28 de Março de 2014, o Negócios publica uma notícia intitulada "Sociedade entre Estado e Amorim acaba no PER com dívidas de 224 milhões". Contactado Américo Amorim, o homem mais rico de Portugal, disse que "não queria responder a coisas dessas", enquanto António Paula Santos, mentor da empresa e que sempre presidiu aos seus destinos, afirmou que não tinha "interesse em falar" sobre a Finpro, adiantando que já não fazia parte dos seus quadros. O Negócios confirmou que o mandato de Santos tinha terminado no dia anterior.

 

"O que se passou foi que a Finpro tinha uma grande exposição à banca, tendo decidido aderir ao PER antes que a ‘batata quente’ lhe rebentasse nas mãos", reagiu o administrador de insolvência, Pedro Pidwell, ainda ao Negócios.

A lista de credores da sociedade, que tinha acumulado 125 milhões de euros de prejuízos nos quatro anos anteriores, era liderada pela Caixa Geral de Depósitos (CGD), com mais de metade dos créditos (123,2 milhões), seguindo-se o BCP (40,9 milhões), o Banif (28,9 milhões), o Santander (12,2 milhões), o BIC (9,2 milhões) e a Caixa Central de Crédito Agrícola (seis milhões de euros). Da lista constava ainda o Fisco, que tinha a haver 1,9 milhões, e uma sociedade de advogados (208 euros).

 

Fica-se entretanto a saber que, em data que o Negócios não conseguiu determinar, a Finpro tinha já alienado a sua participação de 4,34% na sociedade que detinha a britânica Thames Water.

 

O gestor judicial manifestou-se convicto de que o plano de recuperação iria ser aprovado: "Se não for viabilizado, os credores estarão a arranjar um problema para eles próprios. Mais arrufo menos arrufo, estão condenados a entenderem-se", sentenciou.

 

E assim aconteceu. O plano, que foi homologado pelo tribunal a 20 de Junho de 2014, recolheu 95,85% dos votos favoráveis. Único credor que votou contra: o Banco BIC, que é detido em 25% por Américo Amorim, segundo maior accionista da Finpro.

 

O plano de recuperação determinava que o valor dos créditos "será integralmente reembolsada pela devedora" até "31 de Janeiro de 2017". Como? Se tiver de ser, através da alienação dos seus activos. "Venda da Portobar ou da Viking", um destes teria de ser alienado até "31 de Dezembro de 2015". Isto, caso a empresa não conseguisse cumprir o plano de reembolso.

 

"Haverá uma adequação do nível de dívida da empresa à qualidade dos activos", afirmou ao Negócios, na altura, o novo administrador-executivo da Finpro, Henrique Cruz. 

 

Oito meses depois, sem que tenha cumprido os termos do reembolso nem vendido qualquer activo, a Finpro apresenta um segundo PER. "O plano anterior, apensar de ter sido aprovado quase por unanimidade, não foi implementado, pelo que a sociedade decidiu avançar para um novo PER", confidenciava ao Negócios fonte próxima do processo.

 

"Ninguém quer a insolvência, principalmente os credores, mas, depois, ninguém está disponível para fazer as cedências necessárias por forma a evitar este desfecho", insurgia-se a mesma fonte. "Tem de haver um grande perdão de dívida, que está sobredimensionada face ao activo. O problema é que os bancos não querem aceitar a probabilidade muito elevada de não serem ressarcidos na totalidade", concluía.

 

A maioria dos credores acabou mesmo por rejeitar o segundo plano de recuperação da Finpro, o qual, grosso modo, replicava as grandes linhas do primeiro. Desta vez, o Banif e o Fisco foram os únicos que votaram a favor. A empresa seguiu para a insolvência.

 

Sem águas e sem lixos ingleses, vende portos e cartão

 

Em assembleia realizada no dia 7 de Outubro passado, os credores votaram por unanimidade a liquidação da Finpro, sendo líquido que o valor das alienações ficaria longe de cobrir os 268 milhões de euros que tinham a haver da insolvente.

 

Tanto mais que, lê-se no relatório do gestor judicial, a Finpro não iria receber um só cêntimo por conta dos 33,33% que detinha na Cory Environmental, uma das empresas líderes no Reino Unido na gestão de resíduos sólidos, pelos quais tinha pago, há oito anos, cerca de 300 milhões de euros.

 

Isto porque a Viking Consortium, empresa-veículo onde estava pendurada a participação da Finpro na Cory, entrou em processo de liquidação. "Nessa medida, o seu valor é zero, pelo que a massa insolvente da Finpro em nada incrementará com aquela liquidação", conclui o relatório do administrador judicial.

 

Resta a venda dos dois únicos activos importantes da Finpro. A alienação do mais valioso, a participação de 18,2% no grupo TCB, foi já firmado com a APM Terminal, subsidiária da gigante dinamarquesa Maersk, que adquiriu recentemente a maioria do capital (61%) daquele que é o maior operador portuário espanhol.

 

Esta transacção será executada através da venda à APM da Portobar, sociedade que é detida a meias pela Finpro e o fundo de investimento australiano Queensland, e que controla 37,3% da TCB. A conclusão da operação está prevista para o primeiro trimestre do próximo ano. O Negócios sabe que o valor da venda da posição da Finpro na TCB será bastante abaixo do preço de aquisição.

 

Quanto ao negócio das Cartolinas do Prado, onde a Finpro detém cerca de 60% do capital e que é composto por duas unidades fabris (uma de cartolinas, na Lousã, e outra de cartão plano de embalagem, em Tomar), e uma sociedade dedicada ao desenvolvimento de quatro projectos imobiliários, o Negócios também sabe que estão a ser analisadas três propostas de compra.

 

Guerra entre bancos credores promete eternizar a Finpro

 

O processo de falência da Finpro aproxima-se então do fim? Nada disso. É que há uma guerra em torno da qualificação dos créditos, que irá determinar quem poderá receber tudo, pouco ou nada do que tem a haver. No primeiro PER nenhum dos credores contestou a natureza comum de todos os créditos, mas no segundo o BCP, o Santander e o BIC impugnaram tal simetria, exigindo junto do tribunal que os créditos detidos pela CGD e pelo Banif sejam considerados subordinados.

 

Sendo estes últimos accionistas da Finpro, os seus créditos são especialmente relacionados com o devedor, argumentam os três bancos contestatários. Em causa está a Caixa Capital e o Banif Capital, sociedades gestoras de fundos de capitais de riscos da CGD e do Banif, que detêm 17,2% e 32% do capital da Finpro, respectivamente.

 

O tribunal não chegou a pronunciar-se sobre as impugnações apresentadas aquando do segundo PER, tendo em conta que este viria a ser convertido num processo de insolvência. O BCP, o Santander e o BIC voltaram então à carga. Se, em sede de conciliação, as partes não se entenderem – cenário que, à partida, é altamente provável -, e como as decisões judiciais, nas várias instâncias, deverão ser sempre alvo de recurso pelas entidades perdedoras, o processo promete arrastar-se por alguns anos.

 

Até que haja uma decisão final, com o juiz a proferir sentença de verificação e graduação dos créditos, que irá determinar o rateio do resultado da venda dos activos da Finpro, o dinheiro apurado ficará parqueado num depósito a prazo titulado pela massa insolvente.
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