Outros sites Medialivre
Notícias em Destaque
Notícia

Concorrência E Regulação: Uma Sintese

Ao longo de 20 artigos publicados quinzenalmente neste jornal nos últimos 11 meses, um grupo de 11 economistas debruçou-se sobre um conjunto de temas numa tentativa de clarificar, de um ponto de vista económico, as razões de ser da regulação, ...

24 de Fevereiro de 2006 às 13:09
  • ...

Ao longo de 20 artigos publicados quinzenalmente neste jornal nos últimos 11 meses, um grupo de 11 economistas debruçou-se sobre um conjunto de temas numa tentativa de clarificar, de um ponto de vista económico, as razões de ser da regulação, as suas origens, os problemas associados à sua prática bem como as suas particularidades  e a problemática da sua aplicação em alguns sectores específicos.

É chegada a altura de tentarmos uma síntese, sob pena de todos atingirmos o cansaço! Em termos económicos dir-se-ia que urge concluir, antes que a lei dos rendimentos decrescentes nos conduza a níveis de produtividade marginal negativos!  Aliás, o conceito de produtividade é um excelente ponto de partida para empreender esta síntese.

Com efeito, um ponto fundamental a reter é a estreita correlação existente entre produtividade, crescimento, concorrência e regulação: maior crescimento tem subjacente maior produtividade, a qual, em larga medida, depende de uma elevada e sã concorrência, estimulada por uma regulação apropriada.  O objectivo da regulação económica é, pois, o de promover e facilitar a concorrência entre os intervenientes no mercado ou no caso dos monopólios naturais, proteger os consumidores, garantindo-lhes preços, qualidade e serviços justos.  Decorre daqui que boa regulação é a que conduz a estes objectivos, o que implicitamente sugere que em certos casos, haverá que falar da necessidade de desregulação, em virtude  de se ter ido tão longe nesta regulação, que ela se torna impeditiva do correcto funcionamento dos correspondentes mercados, com claras repercussões negativas ao nível da eficiência e do bem-estar geral.

Um segundo aspecto a ter em conta decorre necessariamente do anterior.  Se a regulação visa promover a concorrência, por forma a que os mercados sejam competitivos e por essa via assegurem uma eficiente afectação dos recursos, e a obtenção de bens com qualidade e a preços justos, então parece óbvio que a regulação deverá ter como preocupação essencial que as regras básicas subjacentes à economia de mercado sejam respeitadas.  Isto não significa, como se sabe, que qualquer dos diferentes tipos de mercado assegure sempre os melhores resultados numa óptica de bem-estar social; todos sabemos existirem as chamadas “falhas” de mercado, resultantes de externalidades e economias de escala, entre outras. Nestes casos, o objectivo da regulação é precisamente o de estabelecer condicionalismos ao funcionamento das empresas que permitam que daí resulte, em termos de afectação de recursos e bem-estar social, uma situação tão próxima quanto possível da que resultaria de um mercado de concorrência perfeita. Esta actuação por parte da entidade reguladora insere-se,  assim, numa perspectiva de promoção e defesa da concorrência no sector relevante. O que precede significa, pois, que uma economia de mercado assenta em pressupostos básicos, sem os quais os requisitos mínimos para que o mercado funcione não existem; e isto é muitas vezes esquecido.  Estamos a pensar, em particular, nos direitos de propriedade (incluindo a intelectual) e nos custos materiais e em tempo requeridos para os garantir.  A base legal é importante, mas igualmente o é a eficaz administração da justiça e o seu custo.  Em contraponto dos direitos de propriedade temos os direitos do consumidor, que igualmente têm de ser protegidos, mas não por forma a que regras impostas em nome da defesa da concorrência sejam impeditivas da inovação e do progresso: o fim último da regulação.

 Alcançar o desejável equilíbrio entre estes objectivos é um dos grandes desafios que se colocam aos reguladores, tanto mais que há a tentação, por parte dos governos, de manipular as regras de funcionamento do mercado, com objectivos predominantemente sociais e políticos e graves repercussões do ponto de vista económico.  São inúmeros os estudos que documentam os custos e repercussões de tais políticas (manipulações) para o desenvolvimento, inclusive em Portugal.*  Basta, no entanto, pensar em algumas das regras associadas às medidas da política de segurança social (desemprego, regime de trabalho, salário mínimo, etc.), e à falta de transparência de muita da legislação relativa ao uso do solo, ou da propriedade (incluindo a legislação relativa a rendas), para se começar a compreender as causas do desemprego, do caos urbanístico e ambiental de grande parte do país e da degradação do património imobiliário, entre outras. Acresce que toda esta sobre-regulação acaba por se repercutir numa burocracia asfixiadora por parte da administração pública, em serviços públicos ineficientes, em fraude e evasão fiscal, em corrupção e num proliferar da economia informal, como o comprovam igualmente múltiplos estudos, incluindo o da McKinsey para Portugal **.

A conclusão a tirar, portanto, é a de que há que evitar (ou corrigir) todas e quaisquer medidas restritivas da concorrência e impeditivas da inovação, da dinâmica de progresso e da melhoria do bem-estar global, seja por interferência desmedida no mercado dos factores de produção (terra e trabalho) seja por sobre-regulação no mercado dos bens e serviços.  Estão neste caso as medidas proteccionistas vigentes em determinados sectores de actividade, nomeadamente as que condicionam a entrada de novas empresas (farmácias, por exemplo) ou restritivas da forma de funcionamento na prestação de serviços (horários de abertura e encerramento, etc.).  Por outro lado, há que ter em conta que a regulação é por natureza um processo dinâmico, fruto da própria dinâmica económica e da inovação, que deverá ser acarinhada em detrimento do statu quo, o que obriga a uma vigilância permanente por parte das autoridades.  Daí poderá decorrer tanto a necessidade de novas regras, como da simplificação ou eliminação de outras em vigor.  Este aspecto é particularmente relevante no que respeita à regulação dos monopólios naturais ou de sectores tipicamente não-concorrenciais, onde novos produtos ou novos processos podem implicar novas regras de concorrência (telecomunicações, por exemplo).

Por último, para que a regulação seja eficaz há que garantir que o seu impacto é neutro no que respeita aos diferentes operadores intervenientes no mercado, e que a fiscalização no cumprimento das regras estabelecidas é imparcial.  Quaisquer situações de favoritismo ou de vantagem devem ser excluídos e no caso de existirem trade-offs entre diferentes objectivos (por exemplo, sociais e económicos) estes deverão ser claramente explicitados, por forma a que o processo seja transparente e possa ter a adesão das diferentes partes interessadas.  Ao discricionarismo e à imaginação, muitas vezes associadas à corrupção, há que contrapor a análise rigorosa de vantagens e inconvenientes, e os ensinamentos que a teoria das segundas escolhas (second best)  nos fornece.

Em síntese, embora a regulação se insira no processo político, e este seja por natureza multi-facetado, não se poderá perder de vista que o objectivo essencial da regulação é o de promover a concorrência e através dela facilitar a inovação, promover o crescimento e permitir o bem-estar global.  É óbvio que os políticos estão sujeitos a fortes pressões para acudir aos vários problemas decorrentes da dinâmica que o processo de  desenvolvimento implica – com perdedores e ganhadores – mas para isso há que recorrer criteriosamente aos diferentes instrumentos que as políticas públicas oferecem (public policies e não politcs) e não pretender, através de regulação do próprio processo de desenvolvimento, solucionar esses problemas, impedindo, assim, a concorrência de desempenhar o papel que lhe cabe na melhoria do bem-estar colectivo.

*  Ver a este respeito, e em particular, os estudos de Pedro Pita Barros, Nuno Garoupa, José Tavares, Miguel Lebre de Freitas e Célia Costa Cabral apresentados na Conferência do Banco de Portugal sobre “Desenvolvimento Económico Português no Espaço Europeu: Determinantes e Políticas”, em 2002.

**  McKinsey, “Portugal 2010 – Acelerar o crescimento da produtividade”, Síntese de conclusões, 2003.

Ver comentários
Outras Notícias
Publicidade
C•Studio