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Concorrência e bem-estar

A concorrência promove o consumo ao fazer baixar os preços, aumentar a qualidade do atendimento e a variedade dos bens expostos e tornar mais conveniente os horários de abertura.

15 de Setembro de 2005 às 12:00
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«Consumption is the sole end and purpose of production; and the interest of the producer ought to be attended to only so far as it may be necessary for promoting that of the consumer.»
Adam Smith, Wealth of Nations (1766), livro 4, cap. 8

A promoção da concorrência destina-se a induzir preços mais baixos, assim como a prestação de um melhor serviço envolvendo, por exemplo, um atendimento mais cuidado, horários de abertura mais convenientes, maior variedade dos produtos oferecidos ou a possibilidade de troca e devolução de bens que não satisfaçam o consumidor. Sejam quais forem as variáveis nas quais as empresas concorrem, a concorrência beneficia os consumidores, podendo penalizar terceiros. Por exemplo, imaginemos que a concorrência se faz através do preço. Um preço mais baixo é claramente benéfico para os consumidores mas penaliza as empresas que vendem mais barato do que se houvesse menos concorrência. Porque é que a concorrência é então desejável? Vamos procurar mostrar que alguns argumentos apelativos contra a concorrência estão errados.

A concorrência pode levar ao desaparecimento de empresas. Na verdade, assim é! Fruto da concorrência, empresas pouco eficientes podem ser levadas à falência por outras que são mais eficientes e assim conseguem conquistar quota de mercado. Mas tal significa que empresas que sacrificam mais recursos produtivos do que é necessário para produzir o bem que vendem perdem quota de mercado e encerram até, passando tais vendas a ser feitas por empresas que sacrificam menos recursos para produzir cada unidade do bem. Esta poupança de recursos é claramente desejável e o leitor mais atento terá já reparado que estamos a falar de um mecanismo de aumento de produtividade. O facto que está na base deste efeito da concorrência é importante: os economistas denominam por ineficiência X o facto de haver empresas que empregam níveis excessivos de recursos produtivos face àmelhor prática conhecida. A sua presença na economia tem como consequência níveis baixos de produtividade. A perda de quota de mercado destas empresas em favor de outras mais produtivas é assim crucial.

A concorrência pode gerar perda de emprego. De novo, assim é! É plausível que uma empresa tenha que reduzir os seus efectivos para se adaptar a condições mais concorrenciais (um exemplo muito significativo deste fenómeno é a perda de emprego nos operadores históricos de telecomunicações após a liberalização deste mercado). Vamos supor que uma empresa que antes tinha 100 trabalhadores agora produz o que antes produzia, mas apenas com 50 trabalhadores. Tal significava que, dos 100 trabalhadores antes a trabalhar na empresa, só 50 estavam de facto a produzir o bem em causa, sendo que os outros 50 para tal não contribuíam. Este facto, claro está, não é aparente porque todos os 100 trabalhadores tinham tarefas atribuídas. Daqui decorre que o preço pago pelo bem se destina apenas em parte a cobrir o custo dos recursos que é necessário atrair e sacrificar para o produzir, sendo outra parte destinada a pagar as remunerações de trabalhadores que, em rigor, não contribuem para a produção do bem. A conclusão a reter é que uma parte do preço pago pelos consumidores é análoga a um subsídio de desemprego.

A concorrência acrescida liberta 50 pessoas, que assim ficam disponíveis para trabalhar noutras empresas ou sectores. Amaior ou menor rapidez com que este processo de transferência de recursos humanos se dá determina o montante dos custos sociais gerados pela perda de emprego. Simultaneamente, a concorrência acrescida determina um aumento de produtividade. No exemplo que apresentámos, a produtividade do trabalho duplicadado que a mesma quantidade do bem é produzida por metade dos trabalhadores antes empregues. Pelo contrário, a ausência de concorrência retém numa empresa trabalhadores que poderiam ser utilizados noutras actividades, implicando uma menor produtividade do factor trabalho empregue nessa mesma empresa. Do que foi dito resulta claro que a política económica deve tornar ágil a criação de novas empresas, facilitar a mobilidade espacial do factor trabalho e o seu treino para novas actividades-porventura diferentes das anteriormente exercidas-e, de um modo mais geral, procurar garantir que o tempo que medeia entre a perda de um emprego e a entrada noutro é curto. De outro modo, os custos sociais a que acima aludimos podem ser invocados como razão para a redução da concorrência.

A concorrência promove o consumismo. De novo, é possível argumentar que a concorrência promove o consumo ao fazer baixar os preços, aumentar a qualidade do atendimento e a variedade dos bens expostos, tornar mais conveniente os horários de abertura, etc.. Mas quem invoca este argumento está inelutavelmente a defender que prefere ter menos concorrência, mesmo sabendo que tal implica que os bens e serviços serão mais caros, menos variados, o atendimento do vendedor será menos cuidado e os horários de abertura serão mais inconvenientes! Deixo ao leitor a tarefa de avaliar a razoabilidade desta afirmação em termos de bem-estar. Acresce que a concorrência, porque baixa os preços, comporta umefeito directo sobre o bem-estar de cada cidadão: o seu poder de compra aumenta. Os consumidores mais pobres beneficiam deste facto, o que constitui umefeito distributivo desejável. E note-se que tal efeito distributivo é obtido sem custos públicos, com excepção dos que advêem do funcionamento das autoridades que regulam a concorrência. Pelo contrário, a ausência de concorrência implica uma redução do bem-estar, inclusivé dos mais pobres.

A concorrência pode beneficiar uma empresa estrangeira em desfavor de outra portuguesa. Assim é, de facto! A ausência de concorrência de produtores estrangeiros no mercado nacional levaria a que muitos bens estrangeiros que adquirimos actualmente fossem substituídos por outros produzidos por produtores nacionais. Esta substituição faria com que as vendas das empresas nacionais e o respectivo emprego fossem superiores. Mas estas vantagens teriam como contrapartida que o consumidor só tivesse acesso a bens mais caros e de pior qualidade. Vejamos um exemplo. O Brasil tentou, no passado, aplicar tais políticas baseado no argumento de que o seu enorme mercado doméstico seria suficiente para sustentar empresas nacionais dinâmicas e bem sucedidas. Esta política de reserva de mercado foi aplicada com empenho tal que bastava que uma empresa declarasse que desejava vir a produzir um dado bem para que os bens concorrentes importados fossem impedidos de invadir o mercado brasileiro. O resultado foi o oposto do desejado. Emvez de empresas brasileiras eficientes a satisfazerem os consumidores daquele país, o Brasil teve de viver com bens pouco sofisticados, nomeadamente, do ponto de vista tecnológico, vendidos a preços muito elevados. Privados da concorrência externa, aos produtores brasileiros bastava atingir níveis de qualidade e preço idênticos aos dos seus concorrentes nacionais para venderem os seus produtos, independentemente de qual fosse o nível de qualidade e preço praticados no resto do Mundo. Como reagiam os consumidores brasileiros? Pude observar como colegas brasileiros tentavam levar para o Brasil os mais diversos bens, quase independentemente do seu peso, volume, dificuldade ou custo de transporte. Quando questionados, argumentavam que estes eram tão melhores que os seus congéneres brasileiros que todo o esforço e dispêndio valia a pena. Em suma, a concorrência externa é um factor fundamental que garante que os padrões de preço e qualidade praticados num dado mercado nacional não se afastam dos restantes mercados.

Os consumidores precisam de ser «protegidos» das novas empresas que entrem no mercado. Este argumento é muitas vezes feito, por exemplo, no que à venda de medicamentos diz respeito. É muitas vezes dito que as empresas já instaladas devem continuar a manter a exclusividade das vendas porque só assim se assegura um consumo de medicamentos sem risco para a saúde. Também nos EstadosUnidos se defende a proibição da importação de medicamentos do Canadá a preços substancialmente mais baixos invocando a possível perigosidade de tais importações. Estes argumentos são tipicamente baseados em duas premissas: (i) o consumidor é suficientemente irracional para que, se tiver acesso a outras empresas que não as instaladas, consumir de forma arriscada e (ii) o nível de aconselhamento e serviço das novas empresas será perigosamente inferior aos das já instaladas. Estas duas premissas têm de se verificar conjuntamentepara que a entrada de novas empresas num sector deva exigir medidas adicionais de segurança no consumo. A sua verificação conjunta carece de demonstração e parece improvável. Mesmo que assim seja, a solução ideal não passa pelo impedimento da entrada e a consequente redução da concorrência, mas antes pela introdução das regras mínimasnecessárias para garantir que a segurança no consumo é assegurada. É impossível esgotar todos os pseudo-argumentos contra a concorrência que gostaríamos de discutir. Muitos destes argumentos são, numa primeira leitura, extremamente apelativos, aparentando proteger os consumidores ou a «economia nacional». Na verdade, muitos deles apoiam-se em argumentos lógicos mas empiricamente improváveis ou que estão, pura e simplesmente, errados, destinando-se apenas a proteger as empresas instaladas em desfavor de potenciais novos competidores e dos consumidores.

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