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Parlamento aprova regime que permite avançar com solução para "lesados" do BES
Ainda que com críticas dos partidos, o regime dos fundos de recuperação de créditos foi aprovado na especialidade. Segue-se a votação em plenário. Depois, arranca a construção do fundo para ressarcir parcialmente os "lesados".
A criação dos fundos de recuperação de crédito, veículo essencial para avançar com a indemnização aos mais 2.000 clientes que perderam 400 milhões de euros com a compra de papel comercial, foi esta sexta-feira, 14 de Julho, aprovada, na especialidade, no Parlamento.
A legislação que enquadra a solução para os clientes lesados do papel comercial vendido pelo BES foi hoje votada em comissão parlamentar, artigo a artigo, indo a plenário para votação na próxima semana.
O primeiro ponto da legislação que cria e regula os fundos de recuperação de crédito, veículo essencial para pôr em prática a solução que indemnizará parcialmente os mais 2.000 clientes, foi aprovado por PS, PCP e Bloco de Esquerda, com abstenção do PSD e CDS-PP.
A partir daí, a legislação sofreu várias alterações, tendo em conta as propostas dos grupos parlamentares.
A solução
Esta legislação visa dar corpo ao mecanismo que compensará parcialmente os 2.000 clientes que investiram 434 milhões de euros em papel comercial das empresas Espírito Santo Financial e Rio Forte, comprado aos balcões do BES, e cujo investimento perderam com o colapso do Grupo Espírito Santo (no Verão de 2014).
Este mecanismo foi acordado ao longo de mais de um ano por um grupo de trabalho constituído por Associação de Indignados e Enganados do Papel Comercial, Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), Banco de Portugal, 'banco mau' BES e Governo, através do advogado Diogo Lacerda Machado.
A solução propõe que os lesados recuperem 75% do valor investido, num máximo de 250 mil euros, isto se tiverem aplicações até 500 mil euros. Já acima desse valor, irão recuperar 50% do valor investido.
Quanto ao pagamento, este será feito pelo chamado fundo de recuperação de crédito, devendo esse pagar 30% da indemnização aos lesados logo após a assinatura do contrato de adesão à solução. O restante valor será pago aos lesados em mais duas parcelas, em 2018 e 2019.
Como o fundo não terá dinheiro, terá de se financiar junto da banca, estando mesmo previsto na proposta legislativa que o Estado preste uma garantia pública para que se consiga financiar-se.
A garantia estatal
Além disso, a legislação também refere outro mecanismo de financiamento, com intervenção mais directa pelo Estado.
"Em alternativa à celebração de um contrato de financiamento, e sendo isso também indispensável ao cumprimento de determinadas obrigações legais e contratuais do fundo de recuperação de créditos perante os participantes, o Estado pode ainda assegurar aos participantes a satisfação dos créditos pecuniários correspondentes", refere o ponto 2 do artigo 70.º do documento.
De acordo com informações recolhidas pela Lusa, o que se passará é que na celebração do contrato de adesão será concedida aos clientes lesados uma garantia estatal que assegura que receberão as segunda e terceira tranches da indemnização acordada.
Ou seja, se nessa altura o fundo não tiver dinheiro para pagar, cada cliente lesado pode accionar essa garantia e o Estado paga-lhes directamente, ficando depois o fundo em dívida perante o Estado.
O Governo admitiu eventuais perdas pela primeira vez esta semana, pela voz do ministro das Finanças e secretário de Estado Adjunto, Mário Centeno e Ricardo Mourinho Félix, respectivamente.
Os próximos passos
Em Maio, 1.900 lesados do papel comercial, o equivalente a 97% do total, manifestaram interesse por escrito em aderir à solução.
Mesmo após aprovada a legislação dos fundos de recuperação de crédito, a execução da solução para os lesados do papel comercial ainda demorará a acontecer, uma vez que é preciso escolher a equipa que irá fazer a gestão do fundo e realizar uma assembleia-geral.
A solução para lesados do papel comercial foi uma promessa política do actual primeiro-ministro, António Costa, que se envolveu pessoalmente no processo.
Uma aprovação com várias críticas
O PSD opõe-se à garantia pública por considerar que, mais uma vez, serão os contribuintes a serem chamados a pagar.
O PS, pelo deputado João Paulo Correia, considerou esta solução essencial "para reforçar a confiança dos portugueses e famílias no sistema financeiro" e, sobre a garantia de Estado, afirmou que, "se não fosse encontrada esta solução, se não houvesse acordo, significava que se mantinham acções contra o Estado", pelo que no futuro os contribuintes podiam ser chamados a pagar.
Já o Bloco de Esquerda, por Mariana Mortágua, disse que a ideia de que esta solução iliba os responsáveis é "errada".
Além disso, afirmou, "abdicar de processos judiciais não é equivalente a ilibar o Banco de Portugal".
Mariana Mortágua ainda assim manifestou "desconforto" com a lei, por não abranger mais casos de lesados e ser mais clara, e criticou o processo no Parlamento, considerando que deveria o Governo ter enviado a proposta mais cedo, de modo a ser mais trabalhada e permitir uma proposta "mais lata".
Por sua vez, Cecília Meireles disse que esta lei é "à medida" e exclui situações, como do Banif e outros lesados do BES, e que o CDS-PP teria preferido uma comissão arbitral que garantisse maior igualdade nos lesados.
Contudo, disse que o CDS-PP se abstém e deixará passar, tendo e conta "os problemas das pessoas em causa".