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A prisão onde estão os maus banqueiros islandeses
Kvíabryggja é a única prisão do mundo onde os banqueiros responsáveis pela crise de 2008 cumprem pena. Esta antiga fazenda não precisa de muros, arame farpado ou torres de vigia.
Os banqueiros presos na Islândia depois da crise financeira de 2008 foram enviados para a prisão de Kvíabryggja, um local rodeado de gelo, lava, um vulcão adormecido e que tem apenas um caminho de volta à civilização, descreve a Bloomberg.
As medidas de segurança apertadas são desnecessárias nesta prisão. Não há muros, arames farpados ou torres de vigia. Aqui é onde os únicos banqueiros do mundo presos devido à crise financeira de 2008 estão a cumprir as suas penas. A Islândia é o único país a pôr altos cargos da finança atrás das grades devido à crise, diz a Bloomberg, acrescentando que, ainda assim, os islandeses estão preocupados com um possível regresso da crise de há oito anos.
Kvíabryggja é agora a casa de Sigurdur Einarsson, antigo presidente do Kaupthing Bank, e Hreidar Mar Sigurdsson, ex-CEO do mesmo banco. Ambos foram condenados por manipulação do mercado e fraude antes do colapso daquele que era o maior banco islandês.
A Bloomberg conta que os executivos passam os dias a lavar a roupa, a fazer exercício no ginásio das instalações e a navegar na internet. Os 23 reclusos na prisão Kvíabryggja, todos condenados por crimes não violentos, podem até passear fora do estabelecimento prisional.
Apesar de a vida em Kvíabryggja não ser totalmente má, tendo em conta que é uma prisão, é bem diferente da que os altos cargos do Kaupthing estavam habituados. A Bloomberg refere que estes banqueiros iam regularmente a festas em iates em Monte Carlo ou a galas em Londres com a presença de conhecidos músicos como Tom Jones.
Ao sentenciar estes executivos, os tribunais da Islândia fizeram algo que nenhum outro país fez: responsabilizar os banqueiros individualmente pela crise, em vez de culpar as instituições bancárias. E a principal figura desta investigação é Olafur Hauksson, um antigo chefe de polícia que em 2009 foi nomeado procurador especial para investigar os casos relacionados com a banca islandesa. "Basicamente, eles estavam falidos", diz o procurador que continua a trabalhar nestes casos. No mês passado outros cinco suspeitos foram acusados de manipulação e fraude, incluindo Larus Welding, antigo CEO do Glitnir Bank.
Poucos esperavam que Olafur Hauksson tivesse êxito nas investigações. "Ele estava habituado a passar multas de estacionamento e a separar brigas entre bêbedos", disse Sigrun Davidsdottir, jornalista local especializado em assuntos sobre a banca islandesa. "O que ele conseguiu foi arrasador", acrescentou. No total, houve 26 condenações a banqueiros e altos cargos da finança islandesa desde 2010.
"Era importante para o país que se olhasse cuidadosamente para o que aconteceu nos meses anteriores ao colapso dos bancos", referiu o procurador.
Trabalhando com a autoridade de supervisão financeira, o procurador descobriu que os três maiores bancos do país faziam grandes empréstimos aos seus maiores accionistas e usavam as acções dos próprios bancos para garantir a dívida destes empréstimos.
Em Setembro de 2008, o controlo dos bancos Landsbanki, Glitnir e Kaupthing foi cedido à autoridade de supervisão financeira da Islândia. Como resultado da crise, o PIB do país caiu 10% entre o terceiro trimestre de 2007 e o terceiro trimestre de 2010.
A recuperação foi rápida. "O sector financeiro está de novo nos eixos", afirmava o FMI no ano passado. De acordo com as previsões da Bloomberg, o PIB deverá aumentar 4% este ano e a taxa de desemprego actual de 2,8% é um terço da média europeia.
Apesar da recuperação, os 330 mil islandeses continuam desconfiados. Um negócio do Landsbankinn (sucessor do Landsbanki) em Novembro de 2014, em que o banco estatal vendeu 31,2% da participação por 18 milhões de dólares (15,7 milhões de euros) a uma empresa controlada por Einar Sveinsson, primo de um ministro islandês, fez com que a população suspeitasse do negócio. Embora esta venda privada de acções seja legal, os islandeses não gostaram que o negócio tivesse sido feito à porta fechada, diz a Bloomberg.
Stefan Olafsson, professor de sociologia na Universidade da Islândia, diz que "há uma quebra da confiança na política, nas instituições e nos partidos. Pode-se acusar o país de ser ingrato, porque os políticos fizeram coisas boas depois da crise. Há essa contradição". E ainda não tinha havido o escândalo do Panama Papers, que "apanhou" o agora ex-primeiro-ministro islandês.
Responsabilizados os banqueiros, os líderes islandeses têm de trabalhar agora para reparar todos os estragos que a crise provocou. "Os políticos falharam", referiu Stefan Olafsson. "Eles permitiram que isto acontecesse, que todos os excessos, a ganância e as dívidas se acumulassem", acrescentou.