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BESA não era de "fácil resolução" para a gestão do BES mas isso não foi dito ao mercado

No dia em que os prejuízos históricos foram apresentados, a administração do BES sabia que a questão angolana não ia ser facilmente resolvida. Contudo, essa indicação não constava do documento oficial. As acções entretanto afundaram.

Sara Matos/Negócios
26 de Dezembro de 2014 às 08:00
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Na reunião do conselho de administração do Banco Espírito Santo de 30 de Julho, o então presidente da comissão executiva, Vítor Bento, admitiu que a situação no banco angolano controlado pelo BES, o BESA, não seria facilmente resolvida. No entanto, no comunicado que foi divulgado publicamente nesse mesmo dia, a incerteza não é admitida. E as acções do banco continuaram a negociar em bolsa durante dois dias, perdendo valor.

 

"Trata-se de um assunto sensível e que, mesmo contando com a colaboração das autoridades portuguesas, não se afigura de fácil resolução", comentou Vítor Bento no referido encontro do conselho de administração, em que os prejuízos semestrais de 3.577 milhões de euros do BES foram aprovados. A acta consta de documentação entregue na comissão parlamentar de inquérito à gestão do BES e do GES.

 

A perda dos fundos próprios do BES, decorrente de operações extraordinárias que causaram prejuízos ao banco (como a recompra de obrigações abaixo do preço do mercado e as cartas conforto à Venezuela), acabou por levar a uma queda do rácio regulamentar Common Equity Tier 1 de 9,8% para 5%, "ou seja, 1,1 mil milhões de euros abaixo do mínimo regulamentar de 7%".


Depois dessa constatação, "o senhor Joaquim Goes salientou ainda a relevância da questão da exposição do BES ao BESA, em termos de linhas de mercado monetário e de trade finance, sendo fundamental que o conselho esteja ciente desta situação". A exposição era de 3,3 mil milhões de euros. Goes era um dos administradores executivos do BES à data (acabaria por ser suspenso de funções nessa mesma data pelo Banco de Portugal por não ter impedido as operações causadoras de prejuízos).

 

Em discussão no conselho de administração esteve o aumento de capital que o BES Angola ia fazer. O BESA havia contactado o BES, que tinha mais de 55% do seu capital, para saber se iria acompanhar aquele reforço de capital, isto é, injectar dinheiro fresco. Segundo a acta, os administradores tinham medo de que ao dizerem que não ao aumento de capital do BESA, este não assegurasse o reembolso da linha de financiamento de 3,3 mil milhões. O Banco Nacional de Angola garantiu que os temas eram "assuntos distintos".

 

Sendo uma matéria em que é "necessário proceder de forma cautelosa e devidamente articulada, quer com o BNA, quer com o Banco de Portugal" e tendo em conta a sensibilidade da questão que não era "de fácil resolução", Vítor Bento informou que iria a Angola, juntamente com o gestor colega José Honório.

 

Apesar das dúvidas assumidas na reunião, e que estão escritas na acta, a incerteza quanto ao reembolso da linha de financiamento ao BESA não foi referida no comunicado de apresentação de resultados do BES. Nesse documento, apenas se fala no reforço de capitais do BESA e da possibilidade de o banco português ver a sua participação diluída.

 

"O BES está em contacto com as autoridades regulatórias angolanas e portuguesas, no sentido de ser encontrada uma solução conveniente aos interesses das autoridades angolanas e que salvaguarde os interesses do BES e dos seus accionistas", é o que é dito no comunicado oficial.

 

"A garantia soberana prestada pelo Estado Angolano mantém-se válida", concluiu-se ainda. A garantia de 5,7 mil milhões de dólares (4,7 mil milhões de euros) foi dada ao BESA para cobrir eventuais créditos a que se havia perdido o rasto.

 

Porque não foi comunicado?

 

O comunicado oficial de contas é revelado na noite de 30 de Julho – sem que conste as incertezas sobre a exposição. A auditora KPMG, através do presidente Sikander Sattar, defendeu , na comissão parlamentar de inquérito, que não foi preciso fazer uma provisão referente à exposição do BES ao BESA nas contas semestrais porque havia a garantia soberana (que, contudo, era ao BESA e não ao BES).

 

O administrador Marc Oppenheim, que era representante do Crédit Agricole, questionou o conselho se não era necessário dar conta da resposta do BES e dos contactos com o BNA sobre o aumento de capital do BESA ao mercado através de comunicação à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários. Rui Silveira, gestor do BES, afirmou que não - "por ora [o banco] está ainda a ponderar a situação e os passos a dar".

 

No dia 31 de Julho, um dia após o comunicado, as acções do BES caíram 40%. Na sexta-feira, deslizaram outros 40% até serem suspensas de bolsa.

 

A 3 de Agosto, o Banco de Portugal decidiu aplicar uma medida de resolução ao BES em que criou um banco com activos e passivos saudáveis, o Novo Banco, e outro com activos e passivos considerados problemáticos, o banco mau que ficou com o nome BES. O Novo Banco teve de ser capitalizado com 4,9 mil milhões de euros. Deste montante, 3,3 mil milhões dizem respeito a dinheiro que teve de se reconhecer como perdido (provisão) referente à exposição ao BESA – entretanto, com a reestruturação do banco angolano já se garantiu que se irá recuperar uma pequena parcela deste valor. A garantia angolana foi revogada depois disto. 

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