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Quatro grupos agro-químicos controlarão 63% das sementes mundiais
A união Bayer Monsanto é maior de uma série de concentrações entre multinacionais agrícolas. Se todas as mega-fusões se concretizarem, quase dois terços das sementes do mundo serão vendidas por quatro players. Bruxelas diz estar atenta.
Em 1996, havia 600 companhias independentes que vendiam sementes no mundo, contabilizava no início deste mês o Financial Times. Nos últimos 20 anos, muitas daquelas foram adquiridas por seis conglomerados: as norte-americanas Monsanto, Dow Chemical e Dupont, as alemães Bayer e BASF e a suíça Syngenta.
Se a fusão já anunciada entre a Dow Chemical e a Dupont (negócio de 130 mil milhões de dólares) e da Bayer e Monsanto (66 mil milhões de dólares) forem aprovadas, e a da chinesa ChemChina com a Syngenta avançar (44 mil milhões de dólares), serão quatro grupos (com a BASF) a controlar 63% do mercado global de sementes.
Mas não é só: paralelamente, no início desta semana, foi anunciada a união das canadianas Potash Corp e Agrium, criando o maior fabricante mundial de fertilizantes, cujo valor pro forma está estimado em 36 mil milhões de dólares.
"Mudança sísmica" no sector
O simples volume de negócios de fusão e aquisição na área dos agro-químicos está a fazer "soar alarmes em Whashington e Bruxelas", explicava o FT a 6 de Setembro, citando Chuck Grassley, actualmente presidente do comité judiciário do senado norte-americano. O antigo agricultor norte-americano defendeu em Junho: "Os reguladores federais [dos EUA] necessitam de analisar aprofundadamente as implicações para a agricultura, para os agricultores e para os consumidores desta mudança sísmica nesta indústria antes de assinarem quaisquer transacções".
Esta quarta-feira, 14 de Setembro, dia em que foi formalmente anunciada a união entre a Monsanto e a Bayer, a Comissão Europeia já indicou que o assunto será estudado em pormenor. A fusão – cujo término está previsto para o final de 2017 – criará um "líder global na agricultura", como explicaram em "conference call" na tarde desta quarta-feira as administrações da norte-americana e da alemã.
Ainda durante a manhã do mesmo dia, Margrethe Vestager, comissária da UE, em entrevista à Bloomberg, reagiu ao anúncio formal do negócio de compra da Monsanto pela Bayer. Citada pela agência, Vestager afirmou ser objectivo do regulador examinar negócios no sector da agricultura de forma a assegurar que os agricultores "desfrutem de preços acessíveis, de escolha e não fiquem presos a um só fornecedor" após a fusão.
É também sobre esta possibilidade de "falta de opções" (mencionada ainda esta tarde na ‘conference call’ da Bayer e Monsanto) que algumas associações de agricultores, sobretudo europeus, se têm demonstrado preocupadas.
"Os agricultores estão famintos" por soluções que aumentam a produtividade, justificaram esta quarta-feira os responsáveis das duas empresas, rejeitando, por várias vezes, qualquer relação entre o negócio de fusão e a futura imposição dos seus produtos aos empresários agrícolas.
O momento transatlântico
A iniciativa de concentração surge num momento de dúvida sobre o futuro do tratado transatlântico (Acordo de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento EUA-UE, conhecido pela sigla inglesa TTIP), com a Alemanha a determinar a sua falência há poucas semanas, e com a incerteza sobre a data de saída do Reino Unido da União Europeia, mas também num momento de flexibilização dos reguladores comunitários.
Um dos temas fortes da chamada biotecnologia agrícola tem a ver com a modificação genética das sementes, em que a UE foi historicamente muito mais restritiva que os EUA ou países como o Brasil (que se se tornou, em pouco mais que uma década, num dos maiores produtores de soja geneticamente modificada) nos últimos anos.
Na UE, onde o consumidor tem, para já, a garantia de ter mais informação que consumidor americano (do Norte ou do Sul) sobre que produtos geneticamente modificados encontra nas prateleiras do supermercado, o Parlamento Europeu decidiu há cerca de um ano e meio passar para a soberania de cada Estado-membro a decisão sobre a permissão de produção de OGM.
Independentemente da discussão, e polémica, sobre sementes, organismos geneticamente modificados, pesticidas e herbicidas (com ou sem glisofato) para a saúde pública, quando uma empresa fornece sementes tradicionais ou geneticamente modificadas para melhor resistir a pragas e doenças, e garantir maior rendibilidade, há uma consequência económica: os agricultores tornam-se mais dependentes dos herbicidas, pesticidas e fertilizantes das mesmas empresas fornecedoras de sementes para lidar com a biotecnologia inicial na colheita.
Na conferência após a formalização da oferta, quer a gestão da Bayer, quer a administração da Monsanto foram enfáticas nas vantagens da fusão para o sector, garantindo que o conglomerado que agora se formará – havendo "optimismo" quanto à aprovação pelos reguladores norte-americanos e comunitários – irá "oferecer uma solução integrada" para os agricultores, nomeadamente na área de "sementes", "protecção de colheitas" e "agricultura digital".
O território nacional tem, há muito, presença dos maior grupos agro-químicos mundiais, como fornecedores de sementes tradicionais e fitofármacos. Nos OGM, Portugal é um dos cinco países da EU que cultiva o único milho geneticamente modificado aprovado por Bruxelas (a variante Mon810 da multinacional norte-americana Monsanto). O país registou (segundo os últimos dados disponíveis) um crescimento da área, sobretudo no Alentejo e associado à rega permitida pelo Alqueva, em contra-ciclo com o resto dos outros quatro países dos 28 Estados-membros, que tem vindo a reduzir em área plantada.