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Saiba o que vai mudar quando houver fumo branco na lei do tabaco

A alteração do conceito “fumar”, para passar a incluir o consumo de tabaco sem combustão, tem provocado longas discussões no Parlamento. O grupo de trabalho viu esta semana o prazo ser prorrogado pela quarta vez. E as propostas até já foram votadas.

Philip Morris International
20 de Maio de 2017 às 11:30
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A nova lei do tabaco está há mais de oito meses no Parlamento e, nesse período, já motivou diversas audições, reuniões e discussões entre os deputados que integram o grupo de trabalho que foi propositadamente criado para a discutir.

A proposta do Governo introduziu duas medidas que causaram muitas dúvidas aos parlamentares, mas só uma delas deverá ver a luz do dia: a equiparação dos novos produtos de tabaco – nomeadamente o tabaco aquecido – aos cigarros convencionais e aos cigarros electrónicos.

 

Deverá, porque até agora só foi feita uma votação indiciária que confirma que os cigarros e o tabaco aquecido vão passar a "jogar" com as mesmas regras, uma vez que o conceito "fumar" incluirá, igualmente, os produtos que não têm fumo. E esta quarta-feira, depois de o PS ter pedido o adiamento da ratificação da votação indiciária para a próxima semana, pediu-se também a prorrogação do prazo do grupo de trabalho por mais 15 dias.

 

Maria Antónia Almeida Santos, que representa o PS no referido grupo de trabalho, garante que os socialistas não vão mudar o sentido de voto. A deputada socialista Isabel Moreira, que apresentou propostas em nome próprio, também tem dúvidas que o partido recue.

 

Mas já parece certo, contudo, que o alargamento da proibição de fumar em espaços públicos até cinco metros de portas e janelas de hospitais, centros de saúde e escolas fique mesmo pelo caminho. Essa foi outra das sugestões do Governo que foi bastante polémica e que os deputados optaram por chumbar (na tal votação indiciária), por defenderem que colocava em causa as liberdades individuais dos fumadores. Por outro lado, era uma proposta que recolhia apoio unânime junto das sociedades médicas e de prevenção do tabagismo.

 

O que é que a lei diz sobre novos produtos de tabaco?

 

A última alteração a este diploma teve lugar em 2015, ainda no Governo de Passos Coelho, e criou um regime diferenciado para os novos produtos de tabaco, nomeadamente os de tabaco aquecido, como o iQOS, o único actualmente a ser comercializado em Portugal pela Tabaqueira/Philip Morris.

 

Esse quadro diferenciado é mais favorável em dois aspectos: actualmente, todos os maços de tabaco (à excepção das cigarrilhas) têm de ostentar uma advertência de saúde combinada com uma imagem chocante e uma mensagem em texto. Os maços de "heat sticks", o produto que é utilizado no iQOS, apenas apresentam a seguinte mensagem em texto: "este produto do tabaco prejudica a sua saúde e cria dependência".

 

Adicionalmente, em termos fiscais, os novos produtos de tabaco foram classificados na mesma categoria do tabaco de enrolar. O que significa, de acordo com a Imperial Tobacco – concorrente da Tabaqueira/Philip Morris –, que um maço de "heatsticks" paga apenas 48 cêntimos de imposto, ao passo que um maço de cigarros convencionais paga 1,87 euros. Mas a Tabaqueira comercializa-os a preços semelhantes: o primeiro a 4,70 euros, o segundo a 4,90 euros, justificando a proximidade de preços com a investigação associada ao tabaco aquecido.

 

O que diz o Governo?

Actualmente, os "produtos do tabaco sem combustão [tabaco aquecido] estão sujeitos a menores exigências do que os produtos do tabaco para fumar [cigarros convencionais]", diz o Executivo na proposta de lei que altera a lei do tabaco. Ainda que "as abordagens de redução de danos, através da disponibilização de produtos do tabaco com risco modificado, possam ter o seu interesse, em particular para as pessoas que não querem ou não conseguem parar de fumar", o objectivo do Governo é limitar o "consumo de produtos fabricados à base de tabaco, da dependência da nicotina e da exposição ao fumo ambiental".

 

"A utilização de expressões e mensagens pela indústria que valorizam a noção de ‘risco potencialmente reduzido’ pode ser falsamente percepcionada pela população como produtos com baixo risco", nota o Executivo no preâmbulo do diploma. Adicionalmente, "não são conhecidos, de forma robusta e cientificamente comprovada, todos os efeitos que podem advir do consumo continuado destes novos produtos a médio e a longo prazo, quer em fumadores, quer em indivíduos que nunca fumaram".

 

Por isso, o Executivo sugere incluir o consumo destes produtos no conceito "fumar", o que significa que passará a ser proibido utilizá-los nos mesmos locais onde é actualmente proibido fumar cigarros.

 

E a Tabaqueira, como reage?

 

A Tabaqueira, subsidiária da Philip Morris International (PMI), baseia-se nos seus estudos científicos para argumentar que a nocividade do produto de tabaco aquecido tem um potencial de redução de risco. A queima de um cigarro convencional gera temperaturas que oscilam entre os 600 graus e os 800 graus Celsius de cada vez que os utilizadores dão uma "passa". Já o IQOS, sublinha a PMI, mantém-se estável nos 350 graus. E, uma vez que não há chama, não há fumo de cigarro, mas apenas um aerossol cuja composição apresenta uma redução de 90% a 95% dos componentes tóxicos que estão presentes no fumo de um cigarro.

 

A justificação, para a Tabaqueira, assenta no facto de estes novos produtos do tabaco terem um potencial de redução de risco na ordem de 90% a 95%, uma vez que não há combustão, de acordo com a investigação conduzida pela empresa. "Existindo um potencial de redução de nocividade, aquilo que faz sentido é legislar de forma diferenciada, aplicando de forma positiva o princípio da precaução", e dessa forma promover "a transferência de consumidores para produtos com um potencial de risco reduzido por comparação com os produtos do tabaco convencionais", explicou Nuno Jonet ao Negócios em Março.

 

As outras tabaqueiras concordam?

 

Só a Imperial Tobacco é que tem apoiado activamente a equiparação de tabaco aquecido aos cigarros convencionais. João Pedro Lopes, responsável de assuntos institucionais da dona do John Player Special, tem defendido que não é possível saber se a redução de nocividade é efectiva. O que se sabe "sobre a nocividade dos cigarros" foi "resultado de investigação de longo prazo", e os novos produtos "surgiram há pouco tempo", pelo que é "preciso comprovar" se "existe uma redução do risco". "Ao não ter combustão, há certas coisas que já não acontecem. Mas não sabemos o que acontece ao aquecer tabaco a 300 graus", resume.

 

Tanto a Japan Tobacco International, que em Portugal comercializa o Camel, como a British American Tobacco, que vende Lucky Strike, têm dispositivos de tabaco aquecido, que, contudo, ainda não introduziram no mercado português. Esta última defendeu, num documento enviado para o Parlamento, que o tabaco aquecido e os cigarros electrónicos "são provavelmente muito menos perigosos que os cigarros convencionais".

 

E as autoridades de saúde, o que dizem?

 

Uma carta aberta de quatro sociedades médicas portuguesas – de Cardiologia, Oncologia, Pneumologia e Pediatria – diz que não há provas de que exista redução de risco. "Não existe ainda suficiente evidência científica para determinar a segurança dos novos produtos de tabaco ou sobre uma eventual redução de risco. Toda a evidência aponta no sentido oposto, de que são produtos com riscos para a saúde do consumidor e de terceiros, utilizam a via inalada que potencia esses riscos e contêm quase sempre nicotina, altamente aditiva". Estas sociedades propuseram que os produtos sejam "sujeitos às mesmas proibições e restrições que o cigarro convencional".

 

A Direcção-Geral de Saúde (DGS) tem posto em causa os estudos da Philip Morris, argumentando que uma redução de 95% da nocividade de algumas das substâncias consideradas nocivas não equivale a "uma redução de 95% do risco de doença", até porque o fumo do cigarro tem mais de 7.000 substâncias e as que são consideradas nocivas são, no máximo, 93 (de acordo com a reguladora americana FDA).

 

Por outro lado, é recordado o que aconteceu no passado, quando se percebeu que cigarros com designação "suave" ou "light" não tinham, afinal, qualquer redução de danos. Adicionalmente, a DGS teme que a existência de um produto apresentado como de risco reduzido possa desincentivar os fumadores a deixarem de fumar.

 

Ao Expresso, Emília Nunes, que dirige o Programa Nacional para a Prevenção e Controlo do Tabagismo, disse, contudo, que "os riscos do tabaco aquecido são certamente superiores aos decorrentes do consumo de cigarros electrónicos, devido ao facto de conterem tabaco na sua composição".

 

E qual é a diferença entre cigarros electrónicos e tabaco aquecido?

 

Essencialmente, os cigarros electrónicos não contêm tabaco. As recargas para estes dispositivos são compostas por um líquido, que pode ou não conter nicotina. Contudo, a nicotina é extraída da folha de tabaco. Actualmente, os cigarros electrónicos também beneficiam de um enquadramento fiscal mais favorável, que surgiu através de uma proposta de alteração do PS ao Orçamento do Estado deste ano.

 

A justificação do PS? Está "cientificamente comprovado que os cigarros electrónicos são muito menos prejudiciais para a saúde, dos fumadores e não fumadores, do que os cigarros tradicionais, uma vez que a causa de morte dos fumadores é o fumo e não a nicotina".

 

O tabaco aquecido – na versão da Philip Morris – é consumido através de "heatsticks", uma espécie de mini-cigarros com filtro, que contêm o tabaco, e que são colocados num dispositivo que aquece esse tabaco, não produzindo fumo nem cinza.

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