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Agonia vendeu duas vezes em 15 dias o maior hospital privado do país

O promotor do Senhor do Bonfim, desde sempre praticamente “às moscas”, assinou um contrato-promessa de compra e venda com a Santa Casa da Misericórdia de Vila do Conde a 14 de Novembro, tendo recebido um sinal de 1,5 milhões de euros, mas acabou por fechar negócio com a Trofa Saúde.

Manuel Agonia, que teve a presença do ex-primeiro-ministro na inauguração do Senhor do Bonfim, em Dezembro de 2014, vendeu o hospital ao grupo Trofa Saúde.
01 de Dezembro de 2018 às 18:43
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Manuel Lopes Marques de Agonia, hoje com 82 anos, é considerado o "fundador da saúde privada em Portugal".

 

Foi em 1981, quando "ainda era difícil assumir que a saúde é um negócio", que, na Póvoa de Varzim, reunindo o capital através de uma subscrição de acções entre médicos e personalidades locais, liderou o processo de abertura do hospital Clipóvoa.

 

Sob a sua presidência e com a marca Clipóvoa, o grupo viria também a abrir um hospital em Setúbal e três centros ambulatórios no Porto, Amarante e Vila Nova de Cerveira.

 

Em 2006, Manuel Agonia vendeu o seu universo empresarial, que tinha adoptado a nome de Hospor - Hospitais Portugueses, à Espírito Santo Saúde (que foi entretanto comprada pelos chineses da Fosun e rebaptizada como Luz Saúde).

 

O negócio, que envolveu ainda os 40% detidos pela então capital de risco 3i, foi efectuado por cerca de 148 milhões de euros.

 

Dois anos depois, Agonia anunciava o seu regresso ao sector da saúde, com a construção do complexo Hospitais Senhor do Bonfim, em Vila do Conde, na freguesia de Touguinhó, num investimento da ordem dos 100 milhões de euros.

 

A escolha desta localização é explicada pelo facto de ser a terra natal de sua mãe, daí que no espaço onde foi colocada a primeira pedra tenha sido depositada uma memória onde se lê: "No dia 22 de Maio de 2009 (mês de N. Sr.ª de Fátima), pelas 10h30m, na Quinta do Muro Branco, Freguesia de Touguinhó, na cidade de Vila do Conde, foi lançada a 1.ª Pedra dos Hospitais Senhor do Bonfim, concretamente no lugar da capela do Senhor do Bonfim (a construir). (...)Esta obra representa a vontade de Manuel Lopes Marques de Agonia homenagear o trabalho e a vida realizando o sonho de engrandecer a terra do nascimento da sua progenitora."

 

Um investimento que corporizou o único projecto da área da saúde que foi declarado PIN - Potencial Interesse Nacional.

 

Viria a ser inaugurado há precisamente quatro anos, no final de 2014, pelo então primeiro-ministro Passos Coelho.

 

Praticamente "às moscas", acumula prejuízos e atrasa pagamento de salários

 

O Hospital Senhor do Bonfim é, ainda hoje, o maior hospital privado do país, com um total de 549 camas – o dobro, por exemplo, do Hospital da Luz, em Lisboa.  

 

Situado numa propriedade de 13 hectares, com oito edifícios autónomos, está dotado de um hospital geral, tem sete salas de bloco operatório, uma unidade residencial, consultas de quase todas as especialidades e um centro neurológico, entre outras valências.

 

Quando entrou em funcionamento, Agonia previa que o seu hospital viesse a empregar 865 pessoas e a facturar 44 milhões de euros em velocidade de cruzeiro.

 

Mas cedo o Senhor do Bonfim se constituiu o maior "elefante branco" da saúde privada em Portugal. Esteve desde sempre praticamente "às moscas", acumulando 17 milhões de euros de prejuízos e com uma facturação abaixo dos três milhões de euros.  

 

Porquê? "Porque o Ministério da Saúde tem convénios com todos, menos connosco. E nós temos convénios com todos, menos com o Serviço Nacional de Saúde" (SNS), insurgia-se Manuel Agonia, há um ano, em declarações ao Negócios.

 

Uma situação que o levou, em desespero, a posicionar o impasse com o Estado no campo político: "Não emprego [ex-]ministros nem [ex-] secretários de Estado. Sou uma ‘persona non grata’ para eles porque trato a verdade por tu", disse, na altura, desfiando uma série de metáforas religiosas para concluir que é a sua "fé em Deus", aos 81 anos, que o faz dar continuidade a este projecto.

 

Nessa entrevista ao Negócios, o empresário poveiro prometia que a facturação iria "duplicar este ano e triplicar no próximo", garantindo que estaria a "dar dividendos em 2019, sem dúvida nenhuma".

 

Entretanto, para dar o grande salto em frente, o Senhor do Bonfim iria internacionalizar-se, atraindo estrangeiros para o seu complexo de Vila do Conde. "Vamos abrir, provavelmente já no próximo ano, unidades em regime de ambulatório em Londres e em São Petersburgo", anunciava Agonia.

 

O modelo e os valores do investimento, explicou, seriam acertados com o seu futuro sócio, pois era sua intenção abrir o capital da sociedade que controlava. "Estou a negociar com uma organização portuguesa e outras europeias. Quero ter tudo montado no primeiro trimestre de 2018."

 

Nada se concretizou. Pior: a situação do Senhor do Bonfim entrou em colapso. No final do primeiro trimestre deste ano, com os salários em atraso, admitia fechar o hospital em Abril.

 

"Ando vermelho de vergonha. Estou a dever aos meus funcionários. E se não lhes conseguir pagar morrerei com o desgosto", dramatizava o empresário, em entrevista ao Negócios, a 21 de Março.

 

Nessa altura, os mais de 300 trabalhadores do hospital ainda não tinham recebido os salários de Janeiro e Fevereiro, com Agonia a fazer depender a regularização da situação do pagamento "da dívida de mais de 500 mil euros que o SNS tem por liquidar há mais de um ano".

 

Promessas de entrada de investidores e internacionalização para Londres e Pertersburgo

 

Na mesma entrevista, o empresário contava que iria encontrar-se, nesse mesmo dia, com um potencial investidor internacional. "Oferecem-me 153 milhões de euros por 50% do capital da empresa, mas querem que eu fique como figura decorativa, sem poder decisório, e despachar alguns dos meus colaboradores. Ora, isso não me agrada", afirmou, deixando em aberto a inviabilização do negócio. O processo de internacionalização para Londres e São Petersburgo, dizia, dependia também desta operação.

 

Caso a entrada do novo investidor não acontecesse nas semanas seguintes, Agonia admitia deixar falir a sociedade que detém o complexo de saúde. "Se não houver acordo, é o fim. Em Abril fecho o hospital e digo às pessoas para arrastarem o que puderem, que levem o que quiserem", afirmou então, em desespero.

 

Confrontado com as formalidades jurídico-legais inerentes a um processo de insolvência, ripostou: "Qual insolvência, quais credores? A minha dívida é de apenas 22 milhões de euros. O hospital vale 250 milhões. Cá dentro não mandam nada."

 

No dia seguinte, também ao Negócios, Agonia contou que a conversa com o tal potencial investidor internacional "correu bem", tendo ficado à espera da "proposta definitiva".

 

Mas a proposta definitiva nunca chegou. E o Senhor do Bonfim continuou praticamente "às moscas".

 

Assina venda com a Misericórdia, fecha negócio com a Trofa Saúde

 

Oito meses depois, a 14 de Novembro passado, Manuel Agonia assinou um contrato-promessa de compra e venda do Senhor do Bonfim com a Santa Casa da Misericórdia de Vila do Conde, tendo recebido, a título de sinal, 1,5 milhões de euros.

 

No dia seguinte, a nova dona do hospital anunciou o negócio aos directores de serviço. Mas, nesse mesmo dia, Agonia informa a Misericórdia de que tinha fechado negócio, no dia anterior, com o grupo Trofa Saúde.

 

Surpreendida com a forma como Agonia deu o dito por não dito, em poucos dias, querendo anular o contrato-promessa firmado, a Misericórdia ameaça impugnar a venda em tribunal.

 

"Não entro em charcos! Não ando com aldrabices!", afirma Manuel Agonia

 

Esta sexta-feira, 30 de Novembro, numa reunião com a presença dos funcionários e dos responsáveis do Senhor do Bonfim e do Trofa Saúde, Manuel Agonia respondeu à ameaça da Misericórdia: "Não entro em charcos! Não ando com aldrabices!", afirmou, garantindo que a situação dará lugar a uma indemnização à instituição vila-condense.

 

"Confirmo que houve um contrato-promessa de compra e venda. A Misericórdia deu-me, há 15 dias, 1,5 milhões de euros e tem agora, à sua conta, com aviso de recepção, três milhões de euros. Significa que neste período de 15 dias ganhou 1,5 milhões de euros", contra-argumentou o empresário.

 

O fundador do HSB adiantou que o anterior acordo com a Misericórdia de Vila do Conde contemplava o pagamento de uma verba, não divulgada, durante um prazo de 27 anos, com um período de carência de cinco anos, considerando que conseguiu melhores condições com o grupo Trofa Saúde.

 

"A Misericórdia queria-me pagar em 27 anos com cinco de carência e eu não faço lares de caridade, faço trabalho para seres humanos", disse.

 

Já António Vila Nova, presidente do grupo Trofa Saúde, confirmou o conhecimento desse pré-acordo com a Misericórdia de Vila do Conde durante o processo de negociação, que liderou, mas não considerou que tal fosse um entrave para o acordo firmado com os responsáveis do Senhor do Bonfim.

 

"Houve um contrato assinado num determinado contexto, mas que uma das partes resolveu alterar durante o percurso, cumprindo o que estava previsto com a desistência do negócio. É normal que tal possa acontecer quando, durante os processos, se encontram outras soluções. Não fomos nós que negociámos esse contrato, mas não o consideramos impeditivo para o nosso acordo", considerou Vila Nova.

 

A Santa Casa da Misericórdia de Vila do Conde, através de um comunicado assinado pelo provedor, Arlindo Maia, disse "lamentar o comportamento de Manuel Agonia" e, igualmente, "que um grupo português de saúde, não obstante ter conhecimento da existência do contrato celebrado com a instituição, tenha aceitado negociar e concluir o negócio".

 

A instituição de solidariedade social considerou que "foi um dia triste para todos aqueles que acreditam nos valores e missão defendidos pela Santa Casa da Misericórdia de Vila do Conde".

 

Trofa Saúde mantém os 200 empregos, Agonia continua a ter "Deus como bandeira e o céu como esmola"

 

Agonia e a Trofa Saúde não avançaram o valor do negócio, sabendo-se apenas que o fundador do Senhor do Bonfim vendeu 76% do capital da empresa, pelo que continuará na estrutura accionista com 24%, deixando no novo conselho de administração o seu neto, Manuel Agonia, e Helena Pereira.

 

Na reunião desta sexta-feira dos gestores da Trofa Saúde com os funcionários do Senhor do Bonfim, os novos donos do hospital comprometeram-se a manter os cerca de 200 postos de trabalho da maior unidade de saúde privada do país.

 

"Somos pessoas de palavra e precisamos das 200 pessoas que cá trabalham e, no futuro, talvez de mais. Será um projecto de continuidade, porque o que foi feito até aqui está bem executado. Um hospital desta dimensão precisa de todos", afirmou António Vila Nova.

 

Com esta aquisição, o grupo Trofa Saúde passa a ter 11 unidades de saúde em Portugal, preparando a abertura de mais quatro no próximo ano.

 

Resta agora saber se a Misericórdia vai avançar para tribunal ou meter no bolso a mais-valia de 1,5 milhões de euros, que encaixou em duas semanas, e esquecer o negócio desfeito por Manuel Agonia, agora com 82 anos, que diz que teve sempre, como costuma dizer, "Deus como bandeira e o céu como esmola".

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