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Rui Moreira: "Impulso descentralizador dos Governos é como o Titanic"
O autarca do Porto vê as boas intenções no início de mandato submergir face às primeiras resistências. Medina concorda que a descentralização "é uma palavra bonita, mas para alguém ganhar poder, alguém tem de o perder".
Rui Moreira vê os Governos sucederem-se com "excelentes intenções" e não duvida que o primeiro-ministro, António Costa, e o ministro Eduardo Cabrita queiram, de facto, repartir competências e respectivos recursos com as autarquias e as áreas metropolitanas. Porém, assinala que "depois no dia-a-dia, ao fim de algum tempo, esse impulso inicial" dos Executivos nacionais acaba por enfraquecer.
"Normalmente, o impulso descentralizador de cada Governo é assim um bocadinho como o Titanic. Vai rápido até aparecer o primeiro ‘iceberg’ pela frente e depois as coisas começam a soçobrar", ilustrou o presidente da Câmara do Porto, durante um debate sobre o tema organizado pela associação comercial local, liderada por Nuno Botelho.
O autarca portuense assinalou que quase toda a gente "entende as virtudes da descentralização", até pela experiência nos outros países. Todavia, quando são levadas para o terreno algumas decisões que "podiam acender a luz da descentralização", vê "de imediato [muita gente] desatar aos gritos". "Há um corporativismo que se abastece desse centralismo abespinhado", explica.
Um dos exemplos dados por Moreira, como anunciado a 21 de Novembro de 2017, foi a decisão do Governo de transferir a sede do Infarmed para o Porto. Contestando, desde logo, o tipo de argumentos invocados pelos críticos, para os quais "a descentralização tem um custo muito elevado e causa incómodo às pessoas". "E que incómodo é causado às pessoas com o centralismo? Quanto é que ele custa ao PIB?", contrapôs o sucessor de Rui Rio na Invicta.
Ao seu lado no debate realizado esta sexta-feira, 19 de Janeiro, no Palácio da Bolsa, Fernando Medina também passou "do teórico ao concreto" para coincidir que "a descentralização é boa desde que não toque no meu poder enquanto Estado Central" e que "é uma palavra bonita, mas para alguém ganhar poder, alguém tem de perder poder".
"E esse resiste até ao limite a perder esse poder. Os defensores da descentralização têm de perceber que esta é uma batalha contínua e permanente, que não tem fim, e que têm de aproveitar todos os momentos e apoiar quem genuinamente quer fazer esta batalha. E se se esperar pelo momento e modelo ideais, vai ganhar sempre o centralista", completou o autarca de Lisboa, que juntou a sua voz à do ministro Eduardo Cabrita no sentido de pressionar o novo líder do PSD, Rui Rio, a desbloquear até ao Verão este processo legislativo.
Desconfiança "Central" indigna Lisboa e Porto
O portuense que substituiu António Costa no município da capital identificou nos últimos 15 anos, sobretudo, um "reforço do peso do Ministério das Finanças no global da administração" estatal, admitindo que isso teve alguns aspectos positivos, mas também vários "elementos perniciosos para a gestão do Estado". Desde logo, frisou Medina, uma desconfiança em relação aos autarcas e à utilização dos recursos feita numa base descentralizada, em particular por parte dos municípios e das universidades.
"O poder autárquico em Portugal tem tanta legitimidade como qualquer outra forma de poder [resultante de eleições directas]. Os municípios fazem parte do Estado, mas parece que são tratados como se não fossem. E isso lança uma capa de suspeição sobre os municípios, como se o que estivesse nos municípios não fosse escrutinado", concordou Rui Moreira.
Olhando para a actuação global dos municípios portugueses, o independente eleito com maioria absoluta nas eleições de 1 de Outubro vislumbra, por exemplo, "menos casos de mau governo" nas autarquias do que nas empresas públicas. "E quando há uma empresa pública que tem um descontrolo e as coisas correm mal, é aquela empresa pública. Quando é num município diz-se logo que são os municípios [no geral]", lamentou.
Neste conjunto de debates organizados pela Associação Comercial do Porto esteve também o antigo presidente da Câmara do Porto, Fernando Gomes, que se manifestou contra a eleição directa dos presidentes das duas áreas metropolitanas, que um novo estudo admite que pode ser inconstitucional. Citado pela Lusa, o ex-ministro socialista defendeu antes que devem ser dados "passos em frente" para a regionalização, através da realização de um novo referendo.