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Modelo de governação escolhido pelo PS garante a mesma estabilidade?

Os analistas ouvidos pelo Negócios coincidem na convicção de que a próxima legislatura não deverá beneficiar do mesmo grau de estabilidade proporcionado pela geringonça. Valor formal e simbólico das posições conjuntas comprometia os partidos envolvidos com a governação, o que agora deixou de acontecer.

11 de Outubro de 2019 às 18:13
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A próxima fórmula de governo não será a réplica da geringonça, faltando saber se será só diferente ou muito diferente. O PS optou por não assumir uma relação preferencial com nenhum partido, o que inviabiliza um acordo escrito com o Bloco e abre a porta a uma governação de geometria variável.

O comunicado divulgado ao final da noite desta quinta-feira, já depois de concluída a reunião da Comissão Política socialista que mandatou António Costa para formar governo, refere que, nas conversas mantidas com os partidos da esquerda parlamentar (incluindo o PAN), identificou uma vontade comum "para que haja mais quatro anos de estabilidade política".

Ao contrário do que sucedeu há quatro anos, em que, por imposição presidencial, foram assinadas posições conjuntas do PS com Bloco de Esquerda, PCP e Verdes, desta feita a opção do secretário-geral socialista passa por governar sem compromissos escritos (o Bloco estava disponível) negociando caso a caso e orçamento a orçamento.

Será esta forma de governação próxima daquilo que foi a geringonça? Para começo de conversa, Daniel Oliveira frisa que "não há fórmula de governação nenhuma, há um governo minoritário igual aos que tiveram Sócrates e Guterres".

Este comentador político considera que o primeiro-ministro indigitado "está a tentar instalar a ideia de que existe qualquer coisa que não existe ao falar da continuação da geringonça, quando aquilo que existe é um entendimento à esquerda em que esta garante a estabilidade do governo sem que este se comprometa com alguma coisa". "É a primeira vez que um governo minoritário vai tomar posse a fazer de conta que é um governo maioritário com apoio da esquerda", acrescenta Daniel Oliveira.

André Azevedo Alves acredita que há uma vantagem nesta solução escolhida pelo PS que agora fica com "um leque maior de opções para negociar, uma vez que não está compelido a negociar prioritariamente com Bloco e PCP".

"Agora fica com um panorama negocial bastante mais aberto e é mais expectável que possam haver medidas negociadas em geometria variável", antecipa o politólogo e docente da Universidade Católica para quem a presença de Rui Rio na liderança do PSD é um fator determinante para esse reforço de opções. 

Outra questão que se levanta prende-se com o grau de estabilidade política e governativa proporcionada por um governo sem acordos que lhe confiram maioria no parlamento.

"Evidentemente é um governo que dá menos garantias de estabilidade do que o anterior", afiança Daniel Oliveira sem, contudo, excluir que o governo dure os quatro anos da legislatura, o que está sobretudo dos "ciclos políticos", por sua vez sempre correlacionados ao eventual surgimento de crises internas (como por exemplo a dos professores) ou externas (com uma componente orçamental). 

O compromisso de o futuro governo do PS proceder a avaliações conjuntas prévias com Bloco, PCP e Verdes (a que agora se junta o PAN e o Livre) aos orçamentos e outras medidas estruturais para a governação "não garante estabilidade por si só", avalia Azevedo Alves.

No entender deste professor de Ciência Política, a negociação de "orçamento a orçamento ou crise a crise vai criar incentivos do ponto de vista político bastante maiores" do que a potencial aproximação que o programa de governo do PS venha a fazer relativamente à agenda programática das restantes forças.

Dado que esse programa não poderá incluir "as medidas mais emblemáticas" dessas forças, "o grau de comprometimento dificilmente será grande", analisa André Azevedo Alves antes de concluir que, "em circunstâncias de maior tensão política, não será a aproximação de programas sem medidas concretas a superá-los".

Acordos escritos fundamentais para geringonça de quatro anos
Ao contrário de Cavaco Silva, Marcelo Rebelo de Sousa não exigiu compromissos escritos e eram estes a principal cola da estabilidade da geringonça. "Quando Cavaco Silva impôs a necessidade de acordos escritos, como sendo algo para dificultar a geringonça, estes acabaram por ser decisivos para aquela durar quatro anos", sustenta Azevedo Alves.

"A atitude de maior abertura de Marcelo pode ser, a prazo, uma questão que vai dificultar a vida do governo. Tornar o arranjo inicial mais difícil pode tornar as coisas mais fáceis lá à frente, e vice-versa", acrescenta o politólogo.

Daniel Oliveira é ainda mais taxativo na consideração de que as chamadas posições conjuntas foram determinantes não só para forjar a geringonça, mas para que esta pudesse completar a legislatura apesar dos augúrios no sentido contrário.

"Os três acordos são a geringonça, isso é que permitiu falarmos num governo de esquerda que durou quatro anos. A geringonça não nasceu quando o PS descobriu que havia uma maioria que lhe garantia a aprovação do primeiro orçamento, nasceu quando assinaram os acordos", explica o jornalista.

Oliveira sublinha ainda que além do valor substancial dos compromissos escritos, em que a esquerda exigiu "medidas calendarizadas em troca do apoio conferido ao PS", há também uma importância simbólica, que "pesa muito" e contrabalança o facto de a parte substancial dessas posições conjuntas estar cumprida a meio do mandato.

"É importante não desvalorizar o aspeto simbólico do acordo, as fotografias da assinatura, o compromisso em retirar Passos Coelho do poder, isso pesou simbolicamente para o conjunto da legislatura", atesta André Azevedo Alves.

Relação de forças impede PS de escolher momento para cair

A conjuntura política que se segue vai, necessariamente, decorrer num ambiente de maior imprevisibilidade, desde logo porque, recorda Daniel Oliveira, "com a geringonça o custo de fazer cair o governo era demasiado alto para todos".

"Antes ou todos concordavam ou caíam todos. Do ponto de vista aritmético, agora são possíveis vários entendimentos e arranjos, o que dá a António Costa mais opções", concorda o professor da Católica.

Além de ter mais possibilidades, em especial graças à disponibilidade de Rio para acordos de regime, Daniel Oliveira considera que António Costa "tem a esquerda sob chantagem da estabilidade", pois é o Bloco e o PCP quem estão ameaçados de serre considerados responsáveis por uma "eventual crise".

Todavia, António Costa não deverá ter a faca e o queijo na mão porque "quem escolhe quando um governo minoritário cai não é o partido do governo, são os outros", sustenta Daniel Oliveira que lamenta que, ao alienar a hipótese de um acordo de legislatura com o Bloco, Costa esteja a "criar uma insegurança desnecessária".

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